Presidente da Câmara Municipal de Aveiro
Processo:R-933/95
Número: 75/A/96
Data:10.10.1996
Área: A1

Assunto:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – TAXA DE COMPENSAÇÃO – CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FISCAL – RESERVA DE LEI.

Sequência: Acatada

I-Exposição de Motivos

1. Foi apresentada na Provedoria de Justiça pelo Sr… uma queixa na qual alegava que a Câmara Municipal de Aveiro lhe teria cobrado, aquando do licenciamento da construção da sua moradia unifamiliar, em 07.08.91, uma taxa de compensação no montante de 281.805$00.

2. Questionada a Câmara Municipal, foram pela mesma confirmados os factos constantes da queixa e aduzido que a cobrança da taxa em causa se fundara no Regulamento da Taxa de Urbanismo ou Compensação, aprovado pela Câmara Municipal em 04.02.91 e pela Assembleia Municipal em 05.04.91.

3. Apurou-se ainda que, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, em 18.02.92, foram abolidas as taxas de compensação cobradas pela Câmara Municipal de Aveiro no âmbito do licenciamento municipal de obras particulares.

4. Compulsado o Regulamento acima referido, verifica-se que, efectivamente, o seu art.º 3.º, n.º 1, sujeitava ao pagamento da taxa de urbanismo ou compensação as obras de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios quando determinassem a criação de novos fogos ou de unidades de ocupação independentes, destinadas a fins comerciais, industriais, serviços, exercício de profissões liberais ou de utilização colectiva.

5. Essa taxa constituía, de acordo com o art.º 1.º, n.º 2, do seu Regulamento, a contraprestação devida pela realização, pelo Município, de infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias que são da sua competência.

6. A taxa não substituía a cobrança de outros encargos do foro municipal sujeitos a regime próprio, nomeadamente taxas de ligação e conservação de redes de abastecimento domiciliário de água e saneamento bem como a execução dos respectivos ramais e fornecimento daquelas (art.º 3.º, n.º 2).

7. Nos termos do art.º 11.º, al. a ), da Lei n.º 11/87, de 6 de Janeiro, os municípios podem cobrar taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas e, nos termos da al. b) da mesma disposição legal, podem também cobrar taxas pela concessão de licenças de loteamentos, execução de obras particulares, de ocupação da via pública por motivo de obras e de utilização de edifícios.

8. No entanto, no caso vertente, não estamos, manifestamente, perante uma taxa.

9. Segundo ALBERTO XAVIER as taxas distinguem-se dos impostos “(…) por revestirem carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente do facto constitutivo das obrigações em que se se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio público, ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares” (Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa, 1974, pp. 42-43).

10. Ora, no presente caso não se vislumbra qual seja a contraprestação a cargo do município que permita qualificar o tributo exigido como taxa: não está em causa a prestação de qualquer actividade, em concreto, pelo município, nem a utilização de bens do domínio público pelos particulares, nem sequer o exercício, pelos particulares, de uma actividade relativamente proibida que a Administração venha permitir – note-se que não é a taxa devida pela passagem da licença de construção que está em causa.

11. Na verdade, o pagamento da denominada taxa de urbanismo ou compensação não permite aos particulares exigir à autarquia a realização, em concreto, de quaisquer infraestruturas urbanísticas, nem constitui o município na obrigação de criar ou manter qualquer infraestrutura urbanística determinada.

12. A taxa de urbanismo ou compensação parece antes fundar-se na prossecução, pela autarquia, em geral, das atribuições que lhe são cometidas no art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, do que resultam benefícios para a generalidade da população, mas não, de modo específico, para determinado ou determinados particulares, por forma a poder tomar-se a actividade da autarquia como contraprestação da taxa paga.

13. Não é, pois, possível estabelecer uma relação sinalagmática entre o particular que paga o tributo em causa e o ente público que o arrecada: este último não fica obrigado a nenhuma contraprestação perante aquele.

14. Desta forma, parece estarmos em presença daquilo que a doutrina designa como contribuição especial, figura que engloba dois casos distintos: aqueles em que é devida uma prestação, em virtude de uma vantagem económica particular resultante do exercício de uma actividade administrativa, por parte de todos aqueles que tal actividade indistintamente beneficia – contribuições de melhoria; e aqueles em que é devida uma prestação em virtude das coisas possuídas ou da actividade exercida pelos particulares darem origem a uma maior despesa da entidade pública – contribuições por maiores despesas.

15. A denominada taxa de urbanismo e compensação seria, assim, uma contribuição por maiores despesas, fundada na necessidade de criação e manutenção das infraestruturas urbanísticas municipais.

16. Ora, a doutrina tem-se pronunciado de forma unânime no sentido da recondução das contribuições especiais aos impostos, no que toca ao regime jurídico que as rege.

17. Conforme refere NUNO SÁ GOMES “(…) a distinção entre imposto e contribuição especial, se se justifica de um ponto de vista económico-financeiro, não tem relevância do ponto de vista jurídico. Na verdade, as contribuições especiais de um ponto de vista jurídico são verdadeiros impostos (…)”. Por outro lado, a utilidade individual, eventualmente obtida pelo contribuinte, não é uma contraprestação da quantia paga a título de contribuição especial, pelo que esta também não é uma taxa. E pode até suceder que, no caso concreto de certo contribuinte, nem sequer venha a ser auferida qualquer utilidade, sendo certo ainda que esta nunca se traduz em qualquer prestação que seja conteúdo de qualquer dever específico do ente público credor correspondente a um direito do contribuinte, que, portanto, nada pode exigir àquele. Por isso mesmo não são taxas, mas contribuições especiais, e, portanto impostos, as chamadas “taxas municipais devidas pela realização de infra-estruturas urbanísticas”” (Lições de Direito Fiscal, Vol. I, in CTF, n.ºs 304/306, Abril-Junho de 1994, pp. 90-91).

18. Desta forma, às contribuições especiais aplicar-se-á o regime jurídico dos impostos, em especial, os princípios e normas constitucionais em matéria fiscal.

19. Ora, estabelecendo a Constituição, no seu art.º 106.º, n.º 1, que os impostos são criados por lei (lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado do Governo – art.º 168.º, n.º 1, al. i], da Constituição), que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (art.º 106.º, n.º 2), e que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição (art.º 106.º, n.º 3), não pode deixar de considerar-se que a criação, por órgãos autárquicos, de contribuições especiais afronta de forma clara e directa a Constituição.

20. A esta conclusão chegou o Tribunal Constitucional, nos seus Acórdãos n.ºs 277/86 e 313/92, em que julgou o art.º 12.º do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa, que estabelece um “encargo de compensação por deficiência de estacionamento”, inconstitucional, por violação do disposto nos art.ºs 106.º, n.ºs 2 e 3 e 168.º, n.º 1, al. i), da Constituição (cfr. ATC, 8.º vol., 1986, 383 e ss., e BMJ, n.º 420, Nov. 1992, pp. 63 e ss., respectivamente).

21. Desta forma, configurando-se a taxa de compensação como uma contribuição especial, sujeita, como tal, ao regime jurídico dos impostos, não pode deixar de considerar-se que a sua exigência ao Senhor M… violou os art.ºs 106.º e 168.º, n.º 1, al. i), da Constituição.

II-Conclusões

De acordo com o exposto, no uso dos poderes que me são conferidos no art.º 20.º, n.º 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO:

A devolução ao Sr… da quantia de 281.805$00 que lhe foi indevidamente cobrada a título de taxa de compensação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel