Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
Processo:R-569/95
Número: 19/B/96
Data:18.07.1996
Área: A1

Assunto:AUTARQUIAS LOCAIS – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – PRINCÍPIO DA DESBUROCRATIZAÇÃO – CONVOCATÓRIA – AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS

Sequência:Acatada

I-Exposição de Motivos

1. Foi apresentada na Provedoria de Justiça pela ECE – Engenheiros Consultores de Estruturas, Lda., uma queixa na qual alega ter sido notificada pelo Departamento de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Lisboa em 24.01.95 “(…) esclarecendo que deverá comparecer até ao dia 09.02.95, às 2ªs., 4ªs. e 6ªs. feiras, das 10 h. às 11.30 na Rua Alexandre Herculano, n.º 46 – 7.º, Zona Oriental (Equipa II), 1200 Lisboa, a fim de (…) esclarecer qual a documentação a que fazia referência no requerimento que originou o processo acima citado [Processo n.º …]”.

2. Solicitados esclarecimentos à Câmara Municipal de Lisboa, na pessoa do Senhor Director do Departamento Jurídico, foi recebido em resposta o ofício n.º …, no qual se refere que “a utilização de convocatórias justifica-se pelo facto de surgirem frequentemente equívocos quanto aos documentos juntos aos processos de obra, tornando-se mais rápido e eficaz o recurso a este meio, quer para a administração quer para os particulares, que prestam directamente os esclarecimentos pretendidos aos técnicos responsáveis. Evita-se, assim, uma troca de documentos escritos que a prática tem revelado não ser a mais adequada em termos de celeridade processual. Esclarece-se, por último que, ao identificar o Chefe de Repartição e a Equipa a contactar nos serviços de urbanismo, se está a delimitar um número muito restrito de pessoas, uma vez que as equipas são constituídas por um número bastante reduzido de funcionários, facilmente identificável. De igual modo se procedeu, no que respeita ao dia e hora fixados na notificação – 2ªs., 4ªs. e 6ªs. feiras, das 10 horas às 11 horas e 30 minutos – períodos claramente definidos, que permitem ao particular uma maior flexibilidade na escolha da altura em que pretende deslocar-se àqueles serviços”.

3. O princípio da desburocratização é eleito pela Constituição, no seu art.º 267.º, n.º 1, como um dos princípios fundamentais relativos à estrutura organizatória da Administração. Segundo J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA “trata-se de um corolário do próprio princípio do Estado democrático, pois este requer :
a) a eliminação do dualismo entre o Estado (classe política, burocracia, funcionalismo) e a “sociedade civil”, mediante a abertura das estruturas organizatórias aos contactos imediatos, informais e frequentes com os cidadãos que precisem de recorrer aos serviços administrativos;
b) a inadmissibilidade de uma “burocracia administrativa”, considerada como entidade substancial, impessoal e hierarquizada, com interesses próprios, alheios à legitimação democrática, divorciados dos interesses das populações, geradora dos vícios imanentes às estruturas burocráticas, como “mentalidade de especialistas”, rotina e demora na resolução dos assuntos dos cidadãos, compadrio na selecção de pessoal, etc.; (c) a transparência nos procedimentos de actuação e decisão dos serviços administrativos” (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 927).

4. A importância deste princípio é igualmente sublinhada pelo Código do Procedimento Administrativo, que o inclui entre os princípios gerais do procedimento administrativo, estabelecendo, no seu art.º 10.º, que a Administração Pública deve ser estruturada de modo a aproximar os serviços das populações, e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões.

5. Por forma a concretizar o desiderato constitucional, foi publicado o Decreto-Lei n.º 129/91, de 2 de Abril, que institui medidas de melhoria na receptividade dos serviços da Administração Pública aos utentes.

6. Nos termos do art.º 10.º, n.º 1, desse diploma legal, só devem ser feitas convocatórias ou avisos se não houver outras diligências que permitam resolver as questões sem incómodos, perdas de tempo e gastos provocados pela deslocação dos interessados. Caso não possa dispensar-se a convocatória, esta deve indicar expressamente o assunto a tratar (n.º 2), e deve marcar a data de comparência com uma antecedência mínima de uma semana, referindo expressamente o dia, a hora e o local exacto do atendimento, bem como o nome do funcionário a contactar (n.º 3).

7. No caso vertente, a convocatória fundou-se na necessidade de esclarecer qual a documentação a que se fazia referência no requerimento que originou o processo n.º 297/PGU/95.

8. Ora, resulta claro que o problema em causa poderia ser solucionado solicitando à requerente que identificasse, por escrito, a documentação em questão, obviando à convocatória de um seu representante para o fazer pessoalmente. Nada foi alegado pela Câmara Municipal que indicie que os esclarecimentos em causa só poderiam ser prestados pessoalmente.

9. Para além disso, da resposta do Senhor Director do Departamento Jurídico parece resultar ser frequente, nos processos de licenciamento de obras, a utilização de convocatórias no relacionamento com os administrados, em detrimento do recurso à comunicação escrita.

10. Não se questiona que o recurso às convocatórias seja mais conveniente para o funcionamento dos serviços camarários, que dessa forma poderão esclarecer cabalmente e de uma só vez as questões surgidas no decurso da instrução dos processos, o que poderá não suceder quando se utiliza a comunicação escrita, que pode dilatar o tempo necessário à conclusão do procedimento.

11. O que está em causa é a desproporção manifesta entre os benefícios que do recurso às convocatórias resultam para a actividade administrativa e os inconvenientes causados aos particulares convocados, motivo que leva a lei a restringir o recurso às convocatórias aos casos em que não possam ser substituídas por outras diligências que permitam resolver as questões sem incómodos, perdas de tempo e gastos provocados pela deslocação dos interessados.

12. Desta forma, não se demostrando que os esclarecimentos necessários à instrução do processo de licenciamento em causa de ser prestados pessoalmente, a actuação da Câmara Municipal de Lisboa violou o disposto no art.º 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 129/91, de 2 de Abril.

13. Acresce que, ainda que se considerasse admissível o recurso à convocatória no presente caso, esta teria sempre de respeitar os requisitos formais estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 129/91.

14. Ora, ao invés de referir expressamente o dia e a hora do atendimento, bem como o nome do funcionário a contactar, a presente convocatória estabelece um período de atendimento – 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras, das 10 horas às 11 horas e 30 minutos – e designa a equipa dos serviços de urbanismo a contactar – Equipa II (Zona Oriental).

15. O estabelecimento de um período de atendimento permite aos cidadãos convocados, como afirma o Senhor Director do Departamento Jurídico, uma maior flexibilidade na escolha da altura em que pretendem deslocar-se aos serviços. Mas não garante que esses cidadãos, na altura em que escolherem deslocar-se aos serviços, não sejam submetidos a longas esperas, caso o número de convocatórias emitido para aquele período seja considerável ou, mesmo que assim não seja, caso os convocados escolham, por hipótese, a mesma altura para a deslocação aos serviços.

16. O estabelecimento de um período de atendimento, em alternativa à marcação de uma hora, apenas seria admissível se os serviços camarários pudessem garantir, através da disponibilização dos recursos humanos suficientes, por referência ao número de convocatórias expedido para o período, que os cidadãos convocados que se dirijam aos serviços dentro desse período serão imediatamente atendidos, não tendo que esperar por estarem a ser atendidos outros cidadãos convocados que tenham escolhido aquele momento para se dirigirem aos serviços.

17. O que a lei visa impedir é que os cidadãos, quando convocados pela Administração, sejam obrigados a esperar, por longos períodos, até serem atendidos, com o transtorno que isso acarreta para a gestão do seu dia-a-dia, seja em termos profissionais, seja em termos pessoais.

18. Ora, a minimização dos incómodos, perdas de tempo e gastos provocados aos interessados passa pela marcação de um dia e de uma hora para o seu atendimento, garantindo que quando se dirigirem aos serviços só dispenderão o tempo necessário à resolução do assunto que determinou a sua convocatória.

19. A Câmara Municipal de Lisboa, como qualquer órgão da Administração, encontra-se subordinada à lei (art.º 266.º, n.º 2, da Constituição, e art.º 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo), pelo que só deverá recorrer às convocatórias, nos termos do art.º 10.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 129/91, de 2 de Abril, se as questões em causa não puderem ser resolvidas através de outras diligências mais convenientes para os interessados, e está obrigada, nos termos do art.º 10.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, a referir expressamente o dia, a hora, o local exacto do atendimento, e o nome do funcionário a contactar quando marcar a data da comparência. Resulta, afinal, do regime legal, um princípio de subsidariedade no uso da convocatória por parte da Administração Pública, o qual deverá ser respeitado pelos serviços camarários.

II-Conclusões

De acordo com o exposto, no uso dos poderes que me são conferidos pelo art.º 20.º, n.º 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO que:

1.º A Câmara Municipal de Lisboa, em cumprimento do disposto no art.º 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 129/91, de 2 de Abril, só recorra a convocatórias se não houver outras diligências que permitam resolver as questões sem incómodos, perdas de tempo e gastos provocados pela deslocação dos interessados, designadamente a comunicação escrita.

2.º Nos casos em que as convocatórias não possam ser dispensadas, se refira expressamente, ao marcar a data da comparência, o dia, a hora, o local exacto do atendimento e o nome do funcionário a contactar, conforme prescreve o art.º 10.º, n.º 3, do referido Decreto-Lei n.º 129/91.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel