Ministro das Finanças
Número:27/A/96
Processo:R-3726/94
Data:31.01.1996
Área: A2

Assunto:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – IRS – RECLAMAÇÃO – ALTERAÇÃO DO RENDIMENTO COLECTÁVEL.

Sequência: Sem resposta.

Na sequência de queixa apresentada na Provedoria de Justiça pelo Dr…, acerca do assunto em epígrafe, entendi formular a Recomendação n.º 51/A/95, de 31 de Maio, cuja fotocópia anexo (doc. n.º 1), permitindo-me remeter Vossa Excelência para o respectivo teor.

A deliberação da Comissão Distrital de Revisão junto da qual o Reclamante havia apresentado a reclamação a que se refere o artigo 68.º do Código do IRS, foi no sentido do seu indeferimento e consequente manutenção do rendimento colectável de IRS referente ao ano de 1989, o qual havia sido alterado pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, ao abrigo do disposto no artigo 66.º, n.º 2, alínea c), do Código do IRS, para o montante de 10.659.761$00.
Motivo determinante da minha intervenção neste caso, foi a manifesta insuficiência dos fundamentos invocados pela Comissão Distrital de Revisão para justificar a decisão tomada.

Apreciado todo o processo, terá Vossa Excelência por certo oportunidade de constatar que, independentemente do mérito da causa, os argumentos avançados pelo interessado na reclamação apresentada em defesa da sua tese, ultrapassam largamente, em termos de conteúdo e de questões abordadas, as justificações apresentadas no relatório elaborado pelos Serviços de Fiscalização Tributária que procederam ao exame à escrita do Reclamante (mapa de apuramento DC2) e à correspondente proposta – posteriormente aceite – de fixação do supra mencionado rendimento colectável.

A reclamação oportunamente apresentada junto da Comissão Distrital de Revisão aborda de forma exaustiva todas as questões levantadas pelos Serviços de Fiscalização Tributária e acrescenta novos dados, como a menção da existência de um comproprietário das vinhas cuja produção gerou o rendimento tributado, como a descrição dos mecanismos de processamento dos abonos ou financiamentos da Adega Cooperativa onde são entregues as uvas, ou como o esquema de liquidação das campanhas de vinhos de cada ano, para indicar apenas algumas das especificidades da actividade agrícola do Reclamante, cuja compreensão é essencial para determinar o correcto enquadramento fiscal e contabilístico dos rendimentos produzidos.

Todos estes procedimentos específicos foram exaustivamente explanados pelo Reclamante, a fim de provar a incorrecção das conclusões alcançadas pelos Serviços de Fiscalização Tributária quanto à escrituração contabilística das verbas em questão.

Em contrapartida, a deliberação da Comissão Distrital de Revisão responde que “o sujeito passivo não procede correctamente à escrituração contabilística de algumas verbas…” e ainda que “a correcção proposta e aceite pelos Serviços de Fiscalização teve como princípio básico a defesa da especialização dos exercícios, fazendo movimentar as existências e fazendo-as reportar aos períodos certos”.

Não posso, como Vossa Excelência certamente compreenderá, considerar fundamento de uma decisão sobre questão tão complexa como a que se analisa, aceitar esta dupla afirmação que, por um lado, o contribuinte escriturou mal e, por outro lado, os Serviços de Fiscalização agiram correctamente, sem que seja dita uma única palavra acerca dos motivos pelos quais se entende que o contribuinte agiu mal ou acerca dos motivos pelos quais se entende que os Serviços de Fiscalização Tributária agiram bem.

Tal como tive oportunidade de afirmar na Recomendação anexa à presente, não é aceitável, sequer, a existência de uma eventual fundamentação “per relationem”, pela qual a Comissão Distrital de Revisão tivesse feito seus os fundamentos da decisão dos Serviços de Fiscalização, pois não só esta decisão é também tida por deficientemente fundamentada pelo interessado, como também a reclamação por este apresentada avança factos novos que deveriam, necessariamente, ter sido apreciados.

Nem se diga que o foram e que a reclamação apresentada foi “totalmente escalpelizada”, como afirmaria a citada Comissão em resposta à minha primeira Recomendação. Dessa resposta junto, também, cópia (doc. n.º 2).

Fundamentar não é sinónimo de apreciar detalhadamente. Significa antes – e perdoar-me-á Vossa Excelência a repetição do que já ficou dito no texto anexo – exteriorizar as razões que levaram a que, após aquela apreciação detalhada, se tivesse entendido decidir num sentido e não noutro.

Apreciação detalhada, permito-me concluir, existirá sempre, como regra de boa actuação. As conclusões a que leva é que serão necessariamente diferentes consoante o raciocínio seguido nessa apreciação. Ora, é precisamente o dar a conhecer ao interessado esse raciocínio que consubstancia a fundamentação do acto e isto foi o que, precisamente, não foi feito no caso concreto.

Antes de finalizar a abordagem desta primeira questão, não posso deixar de transcrever o sumário do acórdão da 2ª Secção do S.T.A., de 25 de Maio de 1994 (Rec. n.º 17143), recentemente publicado no Boletim do Contribuinte de Janeiro do corrente ano de 1996, 1ª quinzena, págs 8, com anotação e menção de jurisprudência em idêntico sentido. Realce-se a extrema identidade da situação aí apreciada e da que agora trago junto de Vossa Excelência: “A deliberação da Comissão Distrital de Revisão que fixa o montante tributável em IVA fundando-se na análise e ponderação dos elementos constantes do processo, designadamente da informação prestada pelos Serviços de Fiscalização Tributária, padece do vício de falta de fundamentação porque não enumerou os motivos de facto e de direito que a determinam, limitando-se a afirmações vagas e genéricas – o que contraria o disposto nos n.ºs 1, alínea c), e 2, do artigo 1.º do DL n.º 256-A/77, de 13.de Junho e a jurisprudência deste próprio Tribunal”.
Quanto à segunda questão abordada na Recomendação a que venho fazendo referência – a constituição e funcionamento das Comissões Distritais de Revisão – não me alongarei mais do que o estritamente necessário, uma vez que também quanto a este assunto me permito remeter para o que ficou dito na Recomendação n.º 51/A/95.

Pretendo apenas acrescentar dois comentários acerca da resposta da Comissão Distrital de Revisão à citada Recomendação: por um lado, considero plenamente esclarecidas as dúvidas que havia colocado acerca dos motivos pelos quais a Comissão havia decidido sem a presença dos delegados dos contribuintes.

É, aliás, do meu conhecimento que as dificuldades de nomeação destes delegados para as referidas Comissões não é exclusivamente sentida no distrito de Lisboa, encontrando-se, aliás, pendente neste órgão do Estado, processo no âmbito do qual se estuda a bondade de uma eventual alteração da forma de constituição e funcionamento das Comissões Distritais de Revisão, situação que, em breve, terei oportunidade de levar junto de Vossa Excelência.

Não é, pois, o facto de a Comissão ter deliberado sem a presença de qualquer representante do sujeito passivo que me leva a criticar a sua actuação, uma vez que ao deliberar naquelas condições se limitou a cumprir o estipulado no artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRS.
O que julgo possível, é mitigar este estrito cumprimento da lei em vigor com a introdução de soluções que podem levar à atenuação dos resultados perversos que podem advir da aplicação da supra citada disposição do Código do IRS enquanto regra e não, como em princípio deveria ocorrer, enquanto excepção.

Com efeito, não pode deixar de recusar-se como regra, que as deliberações das Comissões Distritais de Revisão sejam sistematicamente tomadas – e aceites como válidas – na ausência dos representantes dos sujeitos passivos, sendo que tal falta não é, de todo, imputável aos representados, principais prejudicados com a referida ausência.

Foi para esta situação que quis sensibilizar a administração fiscal, quer em termos genéricos, quer tendo em conta o caso concreto do Reclamante, o qual julguei – e assim continuo a pensar – ser um daqueles em que seria justificado o recurso ao mecanismo previsto no artigo 69.º, n.º 3, do Código do IRS, com a finalidade de atenuar as desvantagens do funcionamento da Comissão sem a presença dos representantes do sujeito passivo.

É que, no caso concreto, a manifesta complexidade da questão e a evidente divergência de pontos de vista entre a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e o sujeito passivo, aconselha uma ponderação cuidada de ambas as perspectivas, essencial, aliás, à boa fundamentação da decisão que venha a ser tomada a final.

Tudo para concluir que não é o facto de a Comissão não estar vinculada a convocar o sujeito passivo que justifica o não acatamento da minha primeira Recomendação.
Também a inexistência de dúvidas que justificassem a chamada do sujeito passivo à Comissão me parece um argumento frágil.

Ainda que o objectivo principal do mecanismo previsto no artigo 69.º, n.º 3, do Código do IRS, seja facultar à Comissão a possibilidade de obter esclarecimentos adicionais que considere úteis, o que se pretende com a chamada do Reclamante à Comissão neste caso concreto é, conforme julgo ter deixado claro, compensar a falta do seu representante e dar-lhe, pois, a oportunidade de contribuir para complementar o conhecimento que a Comissão Distrital de Revisão tem da questão, ainda que esta julgue estar de posse de todas as informações relevantes.

Penso, aliás, que a ausência de dúvidas numa questão de alguma complexidade como é a que está em causa, poderá ser reflexo, precisamente, da ausência, na Comissão, dos representantes de uma das partes, precisamente a que teria por missão contrapor argumentos aos avançados pelos representantes da Fazenda Nacional, reformular questões, em suma, fomentar a discussão da causa.

Por tudo o exposto, reitero o teor da minha Recomendação n.º 51/A/95, de 31 de Maio e, de novo, RECOMENDO:

1. Que a Comissão Distrital de Revisão delibere nova e fundamentadamente sobre a matéria reclamada, apreciando cada argumento invocado pelo Reclamante para justificar a sua tese e dando-lhe a conhecer os motivos pelos quais entendeu deliberar em determinado sentido, única forma de dar cumprimento ao dever de fundamentação decorrente do disposto nos artigos 268.º, n.º 3, da Constituição, 124.º e 125.º, do Código do Procedimento Administrativo e 21.º e 82.º do Código de Processo Tributário.

2. Que, caso se mantenha a impossibilidade de a Comissão reunir com a presença dos delegados dos sujeitos passivos, tal falta seja compensada através da convocação do Reclamante para, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 69.º, do Código do IRS, prestar informações, pessoalmente ou através de representante, acerca da controversa questão em apreço.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel