Ministro da Economia
Número:23/A/96
Processo:R-2031/95
Data:31.01.1996
Área: A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – SERVIDÃO ADMINISTRATIVA DE GÁS NATURAL – PROJECTO BASE DE GASODUTO – COMPETÊNCIA DE APROVAÇÃO – PLANO DIRECTOR MUNICIPAL.

Sequência: Não Acatada.

I-Exposição de Motivos

A-Dos factos

1. Foi-me apresentada por proprietários de terrenos sitos no concelho de Vila Nova de Famalicão uma queixa na qual alegam que o projecto de traçado do gasoduto Setúbal-Braga para aquele concelho, dado a conhecer através de Aviso do Director-Geral de Energia publicado no D.R., 2ª Série, n.º 188, 2.º sup., de 16.08.95, divergiria do projecto de traçado aprovado pelo Despacho n.º 113/93, de 15 de Dezembro, do Ministro da Indústria e Energia, publicado no D.R., 2ª Série, n.º 1, de 03.01.94, e violaria o Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/94, de 16 de Setembro.

2. Questionada a TRANSGÁS – Sociedade Portuguesa de Gás Natural, S.A., foi pela mesma sustentado, através do ofício com a referência CA/8055/IV, de 25.10.95, que o “o traçado aprovado pelo Despacho n.º 113/93, devido à escala da publicação, não representa mais do que um alinhamento aproximado do traçado do projecto do Gás Natural à escala Nacional” e que não era verosímil que o traçado do gasoduto para o concelho de Vila Nova de Famalicão estivesse incluído no Plano Director Municipal daquele concelho e ainda que, em qualquer caso, “a inclusão de um traçado no P.D.M. não é da responsabilidade da TRANSGÁS”.

3. Entretanto, foi publicado no D.R., 2ª Série, n.º 243, 3.º sup., de 20.10.95, um despacho do Director-Geral de Energia com o seguinte teor: “importando reanalisar alguns aspectos relativos à aprovação do projecto de detalhe do 1.º troço do gasoduto Setúbal-Braga no concelho de Vila Nova de Famalicão, revogo o despacho de aprovação do respectivo projecto de 13-8-95, ficando sem efeito o meu aviso publicado no 2.º supl. ao DR, 2ª, 188, de 16-8-95. A TRANSGÁS dará imediato início ao processo de definição do traçado definitivo, o qual, após aprovação, será objecto de nova publicação no DR, mediante aviso adequado”.

4. Contactada a Direcção-Geral de Energia sobre os fundamentos que determinaram a revogação do referido despacho e a respectiva norma habilitadora, foi respondido, através do ofício com a referência GJ/95, que a revogação se fundara no facto de não ter sido esgotado o prazo para emissão de parecer pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, e ter sido presumido que aquela Câmara já teria dado o seu parecer positivo à TRANSGÁS no que se referia ao traçado do gasoduto, o que não acontecera. Mais informou a Direcção-Geral de Energia que a competência de aprovação do projecto de detalhe lhe é conferida pelas disposições conjugadas do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 232/90, de 16 de Julho, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 183/94, de 1 de Julho, e do Decreto-Regulamentar n.º 7/93, de 19 de Março (Lei Orgânica da Direcção-Geral de Energia).

5. Foi igualmente contactada a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão acerca da compatibilidade entre o respectivo Plano Director Municipal e o projecto de traçado contido no Aviso do Director-Geral de Energia publicado no DR, 2ª Série, n.º 188, 2.º sup., de 16.08.95, tendo sido recebido em resposta o ofício n.º 6646, de 30 de Novembro, onde se informa que o traçado constante do referido Aviso diverge do traçado contido na Planta Actualizada de Condicionantes do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão.

B-Da Competência para a Aprovação dos Projectos de Gasoduto

6. Nos termos do art.º 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 232/90, de 16 de Julho, com a formulação que lhe foi dada pelo art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 183/94, de 1 de Julho, a construção de gasodutos fica sujeita a aprovação dos respectivos projectos base pelo Ministro da Indústria e Energia.

7. Os projectos base são completados pelos projectos de detalhe, cuja aprovação cabe, nos termos dos art.ºs. 2.º, n.º 2, e 4.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 7/93, de 19 de Março, ao Director-Geral de Energia.

8. De acordo com o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. b), do referido Decreto-Lei n.º 232/90, os projectos base de gasoduto têm de compreender uma planta de localização com implantação dos principais componentes.

9. Os projectos de detalhe devem conter a implantação das tubagens e dos diversos equipamentos (art.º 3.º, n.º 3, al. b], i], Decreto-Lei n.º 232/90).

10. Com base nas normas legais e regulamentares acima indicadas, o Director-Geral de Energia, no âmbito do projecto de detalhe para o concelho de Vila Nova de Famalicão, propõe-se determinar – conforme resulta do despacho transcrito supra – a localização do gasoduto, com a consequente identificação dos terrenos sitos naquele concelho que irão ser atravessados.

11. No entanto, não se afigura que as normas em presença, correctamente interpretadas, lhe atribuam competência para tanto.

12. Por um lado, parece que a planta de localização prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 232/90 deverá conter a localização do gasoduto, pois este terá de considerar-se incluído nos “principais componentes” a que se refere a parte final da norma.

13. Para tanto, será necessário identificar, com um mínimo de precisão, os locais de implantação do gasoduto, não podendo limitar-se o acto de aprovação à aposição de um traço numa planta cuja escala reduzida origine que essa aprovação, como refere a TRANSGÁS, “não represente mais do que um alinhamento aproximado do projecto”.

14. De outra forma, esvaziar-se-ia de conteúdo a aprovação ministerial do projecto de gasoduto, cujo traçado iria depois ser verdadeiramente determinado pelo Director-Geral de Energia.

15. A confirmação de que o acto de aprovação do projecto base deve identificar os terrenos que irão ser atravessados pelo gasoduto é-nos dada pelo facto de essa identificação ser necessária para que o acto de aprovação possa produzir os efeitos que lhe são atribuídos pelo art.º 2.º, n.º 4, als. a) e b), do Decreto-Lei n.º 232/90.

16. Efectivamente, a aprovação do projecto base do gasoduto só poderá ter como efeito, nos termos do art.º 2.º, n.º 4, al. a), do Decreto-Lei n.º 232/90, a declaração de utilidade pública da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles relativos necessários à sua execução se o traçado aprovado permitir identificar aqueles bens imóveis.

17. O mesmo sucede no que respeita ao direito de constituir servidões administrativas de gás natural, previsto na al. b) do art.º 2.º, n.º 4: essas servidões só poderão ser constituídas se já estiverem identificados os imóveis sobre os quais vão incidir.

18. Refira-se acessoriamente que, a considerar-se poder o projecto de detalhe alterar a localização do gasoduto, logo se admitirá comprometer a análise dos impactes ambientais resultantes da sua construção, que tem de integrar o projecto base, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. f), do Decreto-Lei n.º 232/90. Novas localizações posteriormente determinadas obrigariam à realização de novas análises dos impactes ambientais, o que não se coaduna com facto de essa análise ter de integrar o projecto base já aprovado.

19. A consideração destes factores só pode levar-nos a concluir que o conteúdo do projecto base tem de permitir individualizar os terrenos onde o gasoduto irá ser implantado, sob pena de o acto de aprovação do projecto base se ver impedido de produzir parte apreciável dos seus efeitos legalmente fixados.

20. Os projectos de detalhe, como decorre da lei e da sua natureza, têm de subordinar-se ao projecto base, e mais não são, quanto à localização do traçado, que um simples desenvolvimento daquele.

21. Assim, através de uma interpretação sistemática das normas em causa, deve concluir-se que o Director-Geral de Energia não possui competência para alterar a localização da implantação do gasoduto definida no Despacho n.º 113/93 do Ministro da Indústria e Energia, de 15 de Dezembro. Essa competência pertence, em exclusivo, ao Ministro da Economia.

22. Em conclusão, a competência dispositiva para fixar a localização do traçado, após exercida pelo Governo, não pode ser tolhida pelo Director-Geral de Energia. Este, em qualquer caso, não tem poder para alterar o traçado fixado pelo Governo através do despacho n.º 113/93, de 15 de Dezembro, do Ministro da Indústria e Energia, constante das plantas parcelares que o integram.

C-Da Eficácia Jurídica do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão

23. A promoção de um correcto ordenamento do território constitui uma das tarefas fundamentais do Estado, nos termos dos art.ºs. 9.º, al. e), e 66.º, n.º 2, al. b), da Constituição.

24. De entre os instrumentos jurídicos mais relevantes de que o Estado se dotou para a prossecução daquela imposição constitucional avultam os planos de ordenamento do território, entre os quais se incluem os planos directores municipais.

25. Conforme notam ANTÓNIO DUARTE DE ALMEIDA “et al…” “o plano é o instrumento privilegiado de organização do espaço territorial no qual se devem produzir e desenvolver as diferentes acções e actividades humanas” (Legislação Fundamental de Direito do Urbanismo – Anotada e Comentada, I, Lisboa, 1994, p. 135).

26. A aptidão dos planos directores municipais para reger a organização do espaço na área dos respectivos municípios resulta clara do disposto no art.º 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março: “o plano director municipal estabelece uma estrutura espacial para o território do município, a classificação dos solos, os perímetros urbanos e os indicadores urbanísticos, tendo em conta os objectivos de desenvolvimento, a distribuição racional das actividades económicas, as carências habitacionais, os equipamentos, as redes de transportes e de comunicações e as infra-estruturas”.

27. O Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão, aprovado pela respectiva Assembleia Municipal em 30 de Maio de 1994, foi ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/94, de 16 de Setembro, entrando nessa data em vigor, com consequente aquisição de plena eficácia (art.º 18.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março).

28. O Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão tem, como qualquer plano municipal, a natureza de regulamento administrativo (art.º 4.º do referido Decreto-Lei n.º 69/90), sendo obrigatório e vinculando as entidades públicas e privadas.

29. Como observa LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA “como regulamentos administrativos, os planos municipais são normas de conduta pública, que devem ser observados tanto pela Administração como pelos particulares. A desconformidade da conduta de um órgão público com o plano municipal vigente constitui um desvalor do acto administrativo assim praticado, (…) sem que para o efeito releve tratar-se de um Órgão da Administração Central ou da Administração Local, pois as disposições do plano são vinculativas para todos os órgãos públicos, da mesma forma que o são para os particulares” (Planos municipais de ordenamento do território, Coimbra, 1991, pp. 74-75).

30. Assim, na definição do traçado do gasoduto para o concelho de Vila Nova de Famalicão, encontra-se a Administração Pública vinculada, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, ao respeito pelas disposições do Plano Director Municipal daquele concelho.

31. Importa não esquecer, bem assim, a natureza da impropriamente designada ratificação produzida sobre os planos directores municipais aprovados pelas assembleias a nível local. Ao Governo é permitido recusar a eficácia a todas ou algumas das disposições contidas nos citados instrumentos de planeamento, em termos que aproximam este poder do conceito de aprovação (cfr. FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, Vol. III, 1985, p. 151), com vista “a verificar a conformidade do plano municipal aprovado com outros planos, programas e projectos de interesse para outro município ou supramunicipal, incluindo a sua adequada articulação” (art.º 16.º, n.º 2, al. c), do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março).

32. Podendo o Governo ter recusado parcialmente a ratificação ao Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão, em data posterior à da aprovação do projecto de traçado do gasoduto Setúbal – Braga, e não o tendo feito, anuiu quanto à localização ali contida.

33. Acresce que, de outra forma, violar-se-á o princípio da tutela da confiança legítima, corolário do princípio do Estado de direito democrático, firmado no art.º 2.º da Constituição, que protege os interesses legítimos fundados no Plano Director Municipal quanto ao local de implantação do gasoduto.

II-Conclusões

De acordo com o exposto e no uso dos poderes que me são conferidos pelo art.º 20.º, n.º 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO:

Que a aprovação definitiva do traçado do gasoduto, no que concerne ao concelho de Vila Nova de Famalicão, respeite o seu Plano Director Municipal, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/94, de 16 de Setembro, a menos, evidentemente, que este sofra qualquer vicissitude modificativa.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel