Presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo
Processo:R-1890/95
Número: 84/A/96
Data:18.10.1996
Área: A1

Assunto:SAÚDE PÚBLICA – ESTABELECIMENTO PECUÁRIO – OVIL – SANEAMENTO – QUALIDADE DA ÁGUA – ATRIBUIÇÕES MUNICIPAIS – IRRENUNCIABILIDADE DA COMPETÊNCIA.

Sequência:Não acatada

I-Exposição de Motivos

1. Em exposição datada de 17 de Julho de 1995, foi apresentada queixa a este Órgão do Estado contra a situação de poluição ambiental e consequente incomodidade para as edificações contíguas e seus moradores, gerada pelas condições de alojamento de gado ovino nas edificações sitas na Rua de Santa Bárbara, freguesia de Felgar, nesse concelho.

2. Segundo concluí, no decurso da instrução do processo respectivo, o problema em causa já havia sido exposto a essa autarquia sem que, não obstante as atribuições municipais quanto à defesa e protecção do meio ambiente e da qualidade de vida do respectivo agregado populacional (art.º 2.º, n.º 1, alínea i), da Lei das Autarquias Locais) e em matéria de salubridade pública (art.º 49.º, do Código Administrativo) e as competências legalmente cometidas aos executivos camarários, no que concerne ao licenciamento e fiscalização dos estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos (art.º 51.º, n.º 2, alínea e), da Lei das Autarquias Locais), houvessem sido adoptadas quaisquer medidas para obstar à manutenção de uma situação causadora de danos ambientais e susceptível de afectar a saúde dos moradores locais.

3. Com efeito, não posso compreender a posição de tolerância que vem sendo assumida pela Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, desde 1991, relativamente à utilização, dentro do perímetro urbano, de um palheiro como ovil, “sem as mínimas condições de salubridade e higiene, provocando uma situação no local de insalubridade permanente” (ofício n.º …, de 03.05.1991, do Subdelegado de saúde).

4. Desconforme se encontra, assim, a edificação em questão com as normas relativas às condições higio-sanitárias das edificações destinadas ao alojamento de animais, constantes do disposto nos art.ºs 56.º e 115.º e segs., do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951.

5. Impede-se no art.º 56.º, a execução, em zonas urbanas, de construções ou instalações onde possam depositar-se imundícies – tais como cavalariças, currais, vacarias, pocilgas, lavadouros, fábricas de produtos corrosivos ou prejudiciais à saúde pública e estabelecimentos semelhantes – sem que os respectivos pavimentos fiquem perfeitamente impermeáveis e se adaptem às demais disposições próprias para evitar a poluição dos terrenos e das águas potáveis ou mineromedicinais.

6. Contendo esta norma uma exigência relativa ao projecto das edificações que, atenta a utilização prevista se revelem cumpridas aquelas disposições potencialmente perigosas para a saúde pública, impõe-se a mesma à Câmara Municipal no âmbito do procedimento de licenciamento das obras de construção respectivas, em especial no momento da apreciação do projecto de arquitectura (art.ºs 1.º, n.º 2, 36.º, n.º 1, 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, alínea a), e 63.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro), enquanto norma legal, de índole técnico-funcional, a que estão sujeitos os projectos de obras de construção.

7. Não obstante, porque a exigência em questão se reporta a condições de índole higio-sanitária das edificações, releva também, do ponto de vista da salvaguarda de valores ambientais (cfr. quanto a normas que são, em simultâneo, normas urbanísticas e ambientais, Diogo Freitas do Amaral, Ordenamento do Território, Urbanismo e Ambiente: objecto, autonomia e distinções, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 1, 1994, p. 21), impondo-se a sua observância, uma vez construídas as edificações, e competindo à Câmara Municipal ordenar ao proprietário a execução dos trabalhos em falta (art.º 10.º, do RGEU).

8. Por seu turno, o art.º 115.º do RGEU, dispõe que as instalações para alojamento de animais apenas podem ser consentidas nas áreas habitadas ou suas imediações quando construídas e exploradas em condições de não originarem, directa ou indirectamente, qualquer prejuízo para a salubridade e conforto das habitações.

9. Por seu turno no § único deste artigo, comete-se às Câmaras o poder de interdizer a construção ou a utilização de anexos de animais nos logradouros ou terrenos vizinhos dos prédios situados em zonas urbanas quando as condições locais de aglomeração de habitações não permitirem a exploração desses anexos sem risco para a saúde e comodidade dos habitantes. Nos art.ºs 116.º a 120.º, encontram-se fixados os requisitos a que deve obedecer a implantação e a construção das edificações destinadas a alojamento de animais.

10. Como referido anteriormente a propósito do art.º 56.º do RGEU, a norma contida no art.º 115.º impõe-se à Câmara Municipal no momento da apreciação do projecto das instalações, implicando a formulação de um juízo prospectivo sobre a susceptibilidade de perturbação das edificações vizinhas, mas exige, também, uma acção fiscalizadora contínua sobre a exploração do estabelecimento pecuário que permita avaliar das implicações que a respectiva laboração produz no ambiente e na saúde pública.

11. Desta forma o âmbito da esfera de protecção desta norma, excede, em larga medida, os domínios estritos do direito do urbanismo, na acepção de conjunto de normas e institutos que disciplinam a expansão e a renovação dos aglomerados populacionais e o complexo das intervenções no solo e das formas de utilização do mesmo (CORREIA, Fernando Alves, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, p. 49), visando como fim imediato, também, a tutela de valores ambientais e de saúde pública. Valores estes, tanto mais carecidos de protecção, quanto a actividade a desenvolver nestas edificações não esteja sujeita ao sistema de licenciamento sanitário constante das Instruções aprovadas pela Portaria n.º 6065, de 30.III.1929.

12. Assim acontece no que respeita à exploração de currais de ovelhas. Reconhecendo-se, em abstracto, que estes estabelecimentos são susceptíveis de apresentarem os inconvenientes que impõem a sujeição às prescrições do licenciamento sanitário, certo é que não foram os mesmos incluídos na respectiva Tabela anexa, pelo que apenas subsistem como único parâmetro aferidor do nível adequado de protecção ambiental e de salubridade as disposições dos art.ºs 56.º e 115.º a 120.º do RGEU.

13. Pelos motivos expostos urge exercer os poderes que às Câmaras Municipais são legalmente cometidos para salvaguarda do interesse público em matéria de ambiente e saúde pública. Com efeito, a competência da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, consagrada nas disposições legais acima citadas é, de acordo com o princípio contido no art.º 29.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, irrenunciável, pelo que o não exercício dos poderes administrativos adequados constitui uma omissão ilegal e, como tal, merecedora de censura por parte do Provedor de Justiça.

II-Conclusões

Em face do que antecede, e no exercício do poder que me é conferido no art.º 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

1.º) Que determine a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo a realização de uma vistoria às edificações reclamadas com a participação da Exm.ª Delegada Concelhia de Saúde, tendo em vista conhecer da possibilidade de eliminar os factores de insalubridade através da realização de obras.

2.º) Em face dos resultados obtidos, que seja determinada ao proprietário, nos termos do disposto no art.º 10.º do RGEU, a execução das obras necessárias à correcção das más condições de salubridade, tendo como parâmetro aferidor do adequado nível de protecção ambiental e de saúde pública o disposto nos art.ºs 115.º e segs. do mesmo diploma.

3.º) Verificada a impossibilidade de as instalações para alojamento dos animais funcionarem sem riscos para a saúde e comodidade dos moradores locais, delibere a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo no sentido de ser interdita a respectiva utilização para tal fim.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel