Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
Processo:R-965/95
Número: 80/A/96
Data:18.10.1996
Área: A2

Assunto:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – IRS – DESPESAS DE SAÚDE – REGIÕES AUTÓNOMAS – ENCARGOS DE DESLOCAÇÃO.

Sequência: Acatada

Dirijo-me a Vossa Excelência com a finalidade de obter a reposição da justiça e da legalidade num caso cuja apreciação solicitei, previamente, ao Exm.º Senhor Director-Geral das Contribuições e Impostos mas ao qual não foi, ainda, dispensado o tratamento que me parece mais adequado.
Trata-se do caso de um contribuinte – Sr…, NIF…-, residente na ilha açoriana das Flores, cuja esposa efectuou, em 1994, despesas com deslocações e estadia na ilha de S. Miguel, onde se deslocou para efeitos de consulta médica.

A necessidade de deslocações por via marítima ou aérea a outras ilhas, quando não ao continente, por motivos de saúde, embora frequente nas Regiões Autónomas, não havia sido expressamente prevista na Circular n.º 26/91, de 30 de Dezembro, que a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos divulgou pelos respectivos serviços locais para efeitos de definição do conceito de despesas de saúde, pelo que o contribuinte foi informado, na Repartição de Finanças de Santa Cruz das Flores, que aquelas despesas não seriam aceites como tal.
Posteriormente, veio a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos a rever tal posição, tendo a esse propósito sido esclarecido, em ofício remetido a este órgão do Estado pela Direcção de Serviços do IRS (proc.º 4244/95), que:
“… os sujeitos passivos de IRS, residentes nas Regiões Autónomas, vêem-se obrigados a deslocarem-se a outras ilhas e até ao Continente, para a prestação de cuidados de saúde.
E essa deslocação tem de ser feita necessariamente por via marítima ou aérea.
Dessa realidade se apercebeu esta Direcção-Geral, pelo que por despacho de 14 de Julho de 1995, do Senhor Subdirector-Geral foi entendido serem consideradas despesas de saúde a deduzir nos termos do artigo 55.º do CIRS, os encargos com a deslocação e estada do sujeito passivo ou acompanhante, originadas pela necessidade comprovada de o tratamento que lhes deu origem ser efectuado fora da ilha onde residem…”.

Face a esta comunicação, entendi formular a Recomendação n.º 51/A/96, de 30 de Maio, para cujo teor me permito remeter Vossa Excelência.
Conforme resulta daquele texto, o objectivo da minha intervenção foi, tão só, o de reparar o prejuízo causado ao contribuinte pela aplicação rígida ao seu caso de instruções que, manifestamente, não haviam tido em conta as especificidades da sua situação particular.
Tal Recomendação viria a merecer a resposta constante do ofício n.º 36551, de 11 de Julho último, que se anexa, para total esclarecimento de Vossa Excelência.
Daquela comunicação resulta, em suma, que a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, não obstante já tenha reconhecido o carácter demasiado restritivo das instruções veiculadas à data da entrega da declaração de IRS/94 do Reclamante – motivo pelo qual, louvavelmente, as alterou, alargando o respectivo âmbito -, considera impossível acatar a Recomendação em apreço por não estar em causa a prática de um erro imputável aos serviços.
Compreende Vossa Excelência, certamente, que não possa aceitar tal justificação.
Por um lado, porque todo o percurso interpretativo do conceito de despesas de saúde prova que existiu um erro inicial na definição dos encargos que como tal deveriam ser aceites: a Circular n.º 26/91, de 30 de Dezembro, não consagrou este tipo de encargos quando o deveria ter feito.

O erro, apesar de desculpável e de, entretanto, ter sido corrigido, não pode imputar-se a outrem que não aos serviços da administração fiscal, no caso aos serviços centrais que divulgaram tais instruções.

Por outro lado, também a definição de erro imputável aos serviços constante do ofício-circulado n.º 15/91, citado na resposta da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos à minha Recomendação, é claramente restritiva das garantias dos contribuintes.
Também aqui a administração fiscal se vê obrigada a concretizar uma noção legal demasiado genérica mas de importância indiscutível: da qualificação de um erro como sendo imputável aos serviços depende, desde logo, a possibilidade de revisão oficiosa da liquidação quando tal revisão seja a favor do contribuinte (artigos 85.º do Código do IRS e 93.º e 94.º do Código de Processo Tributário), como é o caso em apreço.

Reconduzir taxativamente a referida noção legal aos casos de erros praticados na recolha e aos de errada indicação dos números fiscais é limitar ao mínimo possível a assunção de erros pela administração fiscal.
Em minha opinião, a desresponsabilização dos serviços por qualquer tipo de erros que não os supra citados em nada contribui para o seu autoaperfeiçoamento e representa, em larga medida, um injustificado e extremamente penoso acréscimo de responsabilidade para os contribuintes.
Tome-se o exemplo do caso em apreço: deveria o Reclamante – a cujos argumentos a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos já reconheceu razão – ter inscrito na respectiva declaração um encargo que, à data, era aconselhado, pela sua Repartição de Finanças, seguindo instruções superiores, a não declarar?
Não poderão os casos como o que aqui se aprecia contribuir para uma maior insegurança dos cidadãos no cumprimento das respectivas obrigações fiscais?
Creio que a complexidade do ordenamento jurídico-fiscal e a necessidade da sua rápida adaptação à evolução da vida económica e social não é compatível com definições rígidas nem com verdades absolutas.

Sem querer, evidentemente, cair no extremo inverso, de defesa da absoluta permissividade, pois tal geraria, inevitavelmente, o mesmo sentimento de insegurança de que falei acima, é minha convicção que também a noção de erro imputável aos serviços haverá que ser adaptada à medida que surgem novas situações concretas.
Aliás, o supra citado ofício-circulado n.º 15/91, de 5 de Junho de 1991, já previa, de algum modo, como não podia deixar de ser, a existência de dúvidas quanto à qualificação dos erros. Veja-se o disposto na parte II, ponto 1. de tal ofício-circulado, acerca da possibilidade de análise e de decisão casuísticas de situações duvidosas quanto à qualificação do tipo de erro em causa.

Concluo, pois, que não existe impedimento legal a que a revisão oficiosa da liquidação de IRS/94 do Reclamante se efectue nos termos já recomendados.
Caso a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos veja no citado ofício-circulado n.º 15/91, de 5 de Junho, impedimento absoluto a tal revisão oficiosa – impedimento que, a meu ver, é ultrapassável pela possibilidade que o próprio ofício-circulado avança de apreciação e decisão casuísticas, em caso de dúvidas -, não restará outra alternativa que não a revogação das instruções constantes de tal ofício-circulado.

Com efeito, a pretendida recondução de todos os erros praticados pelos serviços da administração fiscal aos descritos na sua parte I, ponto 1., sem excepções, não pode aceitar-se, por nada na lei basear tal interpretação restritiva do conceito.

Pelo exposto na presente Recomendação e naquela cujo teor reafirma,RECOMENDO:

Que seja reapreciada a situação objecto da Recomendação n.º 51/A/96, de 30 de Maio, e, consequentemente, ordenada a revisão oficiosa da liquidação de IRS/94 do Reclamante, nos termos constantes da mencionada Recomendação e com base no disposto nos artigos 85.º do Código do IRS e 93.º e 94.º do Código de Processo Tributário, provada que está a imputabilidade à administração fiscal do erro que levou à divulgação, pelos respectivos serviços locais, de instruções que conduziram à não aceitação, como despesas de saúde, de encargos suportados pelo interessado e que revestem efectivamente essa natureza.

Conforme já se afirmou na supra citada Recomendação, deverá o contribuinte ser notificado para fazer prova do montante exacto de tais despesas.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel