Presidente do Conselho de Administração da IPE – Investimentos e Participações Empresariais

Rec. n.º 64/A/96
Processo:R-3250/93
Data:18.07.1996
Área: A3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL – PENSÃO DE REFORMA – PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA – COMPLEMENTOS DE PENSÃO – FALÊNCIA DE EMPRESA – MOMPOR – PREJUÍZO – COMPENSAÇÃO.

Sequência: Acatada

1. Como é do conhecimento de V.ª Ex.ª, um grupo de trabalhadores reformados e pensionistas da extinta Mompor – Companhia Portuguesa de Montagens Industriais, SA, dirigiu-me uma reclamação que tem por objecto a extinção dos respectivos complementos de pensão (de reforma e sobrevivência).

2. Trata-se, como é sabido, de trabalhadores transferidos da CUF – Companhia União Fabril para a Mompor, por força da transmissão do estabelecimento comercial onde laboravam (área de montagens) e que deixaram de receber os aludidos complementos (direito que adquiriram ao serviço da CUF) com a declaração de falência da Mompor.

3. Às considerações tecidas pela Provedoria de Justiça no ofício n.º ….respondeu esse Conselho de Administração que a actuação da IPE, no que respeita à apresentação à falência da Mompor e criação de uma nova empresa, assumiu um duplo aspecto, legal e empresarial, aquele porque a situação económica e financeira da Mompor exigia tal solução, este dada a necessidade de criação de empresas economicamente sãs no sector metalo-mecânico.

4. Alegou, ainda, que sempre foi entendido pela nova sociedade então criada e pela IPE que não era sua obrigação “legal ou empresarial” assumir os complementos de pensão dos ex-trabalhadores da Mompor.

5. Não se questionam as motivações, legais e empresariais, que terão motivado a conduta da IPE no processo em causa. O que não se compreende é que essa dupla lógica tivesse necessariamente por efeito a desconsideração dos direitos dos reformados.

6. Não será a este propósito demais realçar que não podem as pessoas colectivas públicas, ainda que revistam forma privada, considerar-se integralmente fora do domínio de aplicação do princípio do interesse público. Ainda que sem curar de saber se a IPE, atentas as atribuições conferidas pelo Decreto-Lei n.º 330/82, de 18 de Agosto (vigente ao tempo dos factos que ora nos ocupam), assumia ou não, nessa altura, a natureza de entidade pública sujeita ao direito público, não pode deixar de se reconhecer, com NUNO SÁ GOMES (in “Notas sobre a função e regime jurídico das pessoas colectivas públicas de direito privado”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (153), Lisboa 1987, pg. 41.), que “todas as pessoas colectivas criadas pelos entes públicos de fins múltiplos (Estado, regiões autónomas, autarquias locais) devem assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, na óptica do ente público que as criou”.

6.1. No caso da IPE, é o próprio diploma que lhe conferiu forma societária que faz apelo ao seu “papel como instrumento da política económica do Estado” (o que implicará a sujeição às incumbências previstas no art.º 81.º da Constituição) e que esclarece que esta vocação não é afectada pelo novo estatuto (cfr. o respectivo preâmbulo).

6.2. Ora, se a criação pública da IPE envolve a necessária inscrição do interesse público entre um dos seus fins, então sempre se poderá dizer que a actuação não conforme, desnecessária ou inconveniente à prossecução de tal escopo é actuação para a qual a sociedade não dispõe de capacidade, por força do princípio da especialidade (art.º 160.º do Código Civil).

6.3. E nada parece impor a conclusão de que a prossecução do interesse público de reabilitação do sector metalo-mecânico impusesse o sacrifício dos direitos e expectativas legítimas dos trabalhadores já reformados.

7. À afirmação desse Conselho de Administração, a que supra aludi no ponto 4, vejo-me forçado a contrapor o teor do comunicado dessa empresa aos trabalhadores e reformados da Mompor, de 17.2.87, em cujo ponto 7. se garante aos reformados e pensionistas uma “indemnização ou compensação justa”.

8. A violação das legítimas expectativas daquele grupo consubstancia uma infracção do princípio da tutela da confiança, princípio que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado decorrer do princípio do Estado de direito democrático (art.º 2.º da Constituição), um dos “princípios estruturantes fundamentais da ordem jurídico-constitucional” (Acórdão n.º 71/87, D.R., II, de 2.5.87) que “postula seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que, juridicamente, lhes são criadas” (Acórdão n.º 86/84, BMJ n.º 354, p. 229). Tal princípio encontra, depois, expressão em inúmeros ramos da regulamentação jurídica, pois, como afirma LARENZ (in “Derecho de Obligaciones” (trad. espanhola), Madrid, vol. I, 1958, p. 144) “a salvaguarda da boa-fé e a manutenção da confiança formam a base do tráfico jurídico e, em particular, de toda a vinculação jurídica individual. Por isto, o princípio não pode limitar-se às relações obrigacionais, mas deve aplicar-se sempre que exista uma especial vinculação jurídica”.

9. Acrescem ao exposto razões de humanidade e justiça social. Os complementos de pensão de reforma representavam certamente uma parcela importante da protecção na velhice e invalidez dos trabalhadores da Mompor. A sua extinção, resultante de circunstância a que os mesmos são alheios e que face às garantias então prestadas pela IPE não podiam prever, colocou-os em situação económica difícil, que as situações de invalidez e velhice mais agravam. E é precisamente em situações como a que agora se nos depara que o princípio da justiça social e o valor da solidariedade encontram o seu domínio privilegiado de aplicação.

Em face do exposto, RECOMENDO:

a V.ª Ex.ª se digne adoptar as medidas necessárias à compensação dos reformados e demais pensionistas da Mompor – Companhia Portuguesa de Montagens Industriais, SA, pela extinção dos respectivos complementos de pensão por força da declaração de falência daquela sociedade.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel