Exm.º Senhor
Presidente da Junta de Turismo da Curia
Número:52/A/96
Processo:R.1645/95
Data:31.05.1996
Área: A3

Assunto:SEGURANÇA SOCIAL – REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL – FUNCIONÁRIO DA JUNTA DE TURISMO – INSCRIÇÃO INDEVIDA – PREJUÍZO – RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO.

Sequência: Acatada

1. Como é do conhecimento de V.ª Ex.ª, o Senhor…, funcionário aposentado dessa Junta de Turismo, dirigiu-me uma reclamação, alegando dever ser compensado dos prejuízos que sofreu em virtude de ter sido indevidamente inscrito no regime geral de segurança social, quando devia ter sido inscrito, desde o ingresso no quadro de pessoal dessa Junta, na Caixa Geral de Aposentações.

2. Dispõe o art.º 1.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9.12, que são obrigatoriamente inscritos na Caixa Geral de Aposentações os funcionários e agentes que “exerçam funções, com subordinação a direcção e disciplina dos respectivos órgãos, na Administração Central, Local e Regional, incluindo federações ou associações de municípios e serviços municipalizados, institutos públicos e outras pessoas colectivas de direito público (…)”.

3. De entre os serviços públicos abrangidos pela disposição citada encontram-se, naturalmente, as juntas de turismo, tal como aliás é reconhecido por SIMÕES DE OLIVEIRA (in “Estatuto da Aposentação Anotado e Comentado”, p. 21). E, saliente-se, a obrigação de inscrição do reclamante e demais funcionários dessa junta de turismo impende sobre a Direcção da mesma, como resulta do art.º 3.º do aludido Estatuto.

4. Cumprirá, pois, aferir se, à face do disposto no art.º 366.º do Código Administrativo – que, nesta parte transpõe para as autarquias locais e juntas de turismo o regime constante do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.67 – se verificam os requisitos da responsabilidade civil da Administração, que legitimem a pretensão do aludido funcionário de ser compensado dos prejuízos sofridos com o não cumprimento, pela Junta, da obrigação de inscrição na Caixa Geral de Aposentações. A conclusão, a este respeito, não pode deixar de ser positiva, como passo a demonstrar.

5. Comecemos pelo dano. Este corresponderá, naturalmente, à diferença entre o total dos encargos que o reclamante teve efectivamente de custear com a sua protecção social e os que suportaria caso tivesse sido atempadamente inscrito na Caixa Geral de Aposentações. Ou seja, o prejuízo corresponderá à diferença entre a diminuição efectiva do património do reclamante e a diminuição que o mesmo património teria sofrido se a ilicitude não tivesse sido cometida.

5.1. Quanto à primeira das parcelas, ou seja, a diminuição efectiva do património do reclamante, haverá que considerar antes de mais, o encargo com as contribuições para o regime geral de segurança social, o qual se cifrou em 253.473$00, porquanto do montante total (454.459$00) foi devolvida a quantia de 200.986$00 (Este montante resulta da aplicação do Despacho do Secretário de Estado da Segurança Social n.º 33/92, de 16.3 (D.R., II, 6.4.92), o qual determina que o valor das contribuições a devolver é calculado pela aplicação da taxa de 4,2% às remunerações registadas no período em referência. Assim se procura determinar o valor correspondente aos descontos para as eventualidades velhice, invalidez e morte e, dentro deste, a parcela relativa ao encargo do beneficiário). Àquele valor, haverá que acrescentar, ainda, a quantia de 356.845$00, que o reclamante teve de pagar à Caixa Geral de Aposentações, para regularização dos descontos em falta. Assim, o valor global da diminuição do património do reclamante foi de 610.318$00.

5.2. No que toca à segunda das parcelas, o montante que seria dispendido caso se tivesse procedido à regular inscrição do reclamante na Caixa Geral de Aposentações seria de 398.375$00, valor que inclui, já, os descontos para a ADSE (no valor de 41.530$00).

5.3. O dano suportado pelo reclamante é, assim no valor de 211.943$00.

6. O ressarcimento do dano dependerá, contudo, de o mesmo ser resultado de um acto (ou omissão) ilícito e culposo. Como se referiu, o prejuízo foi determinado pelo incumprimento da obrigação legal de inscrição do reclamante na Caixa Geral de Aposentações. De todo o modo, como salienta Gomes Canotilho (in “O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos”, pag. 73), “a violação dos preceitos jurídicos não é, por si só, fundamento bastante da responsabilidade. Quer se exija a violação de direitos subjectivos, quer a violação dum dever jurídico ou funcional para com o lesado, quer ainda uma falta da administração, faz-se intervir sempre um elemento qualificador e definidor de uma relação mais íntima do indivíduo prejudicado para com a administração do que a simples legalidade e regularidade do funcionamento dos órgãos administrativos”. Ora, no caso presente, verificou-se, também a ofensa de um direito subjectivo, o direito do reclamante à inscrição na Caixa Geral de Aposentações. O direito de aposentação, como refere Simões de Oliveira (loc. cit., pag. 13), “que faz parte do estatuto jurídico da função pública, é condicionado pela qualidade do subscritor (…) e, portanto, pelo direito de inscrição definido no presente artigo” (trata-se do art.º 1.º do Estatuto da Aposentação).

7. Em resposta aos esclarecimentos que o Provedor de Justiça lhe solicitou, alega V.ª Ex.ª que foi tentada, várias vezes, a inscrição do pessoal da junta de turismo na C.G.A., “sem nunca conseguir obter o necessário consentimento para o efeito”. Todavia, não dispõe essa Junta de qualquer registo escrito das diligências efectuadas junto da Caixa , sendo ainda de salientar que esta comunicou a estes Serviços que, desde a entrada em vigor do actual Estatuto, nunca foi questionada a legitimidade de inscrição dos funcionários das juntas de turismo, inexistindo nos respectivos arquivos qualquer processo relativo à inscrição dos funcionários da Junta de Turismo da Curia.

8. Deste modo, sou forçado a concluir não ter essa Junta usado da diligência exigível, na medida em que nunca solicitou à Caixa a indicação, por escrito, dos fundamentos de recusa de inscrição.

9. E não constitui obstáculo à qualificação da actuação da Junta como culposa a circunstância de não ser possível imputar a conduta a um agente determinado. Tem sido admitido, quer pela doutrina (cfr. Freitas do Amaral, “Manual de Direito Administrativo”, II, p. 503), quer pela jurisprudência (cfr., por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4.6.81 in AD, 240, p. 1450) a figura da “culpa de serviço” que Jean Rivero (in “Direito Administrativo”, p. 319) define como uma deficiência no funcionamento normal do serviço, atribuível a um ou vários agentes da Administração, mas que não lhes é imputável a título pessoal. Explicando melhor o que significa esta impossibilidade de imputação a título pessoal, escreve: “Na culpa de serviço, não se toma em consideração a pessoa do agente (…). A responsabilidade liga-se directamente à pessoa pública a que pertence o agente. Não há portanto motivo para distinguir, como por vezes se faz, entre a culpa de serviço, provocada por um agente nitidamente individualizado e a culpa do serviço, culpa anónima e colectiva de uma Administração desorganizada no seu conjunto, de tal forma que é difícil descobrir os seus verdadeiros autores; num caso como noutro, a pessoa dos agentes é totalmente alheia ao debate jurídico”.

10. Por último, não se suscitam dúvidas de relevo quanto à verificação do nexo de causalidade entre a actuação ilícita da Junta de Turismo e o dano, nos moldes definidos. Com efeito, a conduta da Direcção dessa Junta – que se traduziu na inscrição do reclamante no regime geral de segurança social e não inscrição na Caixa Geral de Aposentações – é conduta adequada a causar o prejuízo traduzido no encargo que o lesado teve de suportar e que não suportaria se a actuação tivesse sido correcta.

Resulta do exposto encontrarem-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, pelo que RECOMENDO:

a V.ª Ex.ª o ressarcimento dos prejuízos que o ex-funcionário dessa Junta, teve de suportar com a indevida inscrição do mesmo no regime geral de segurança social, calculados em 211.943$00.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel