Secretário de Estado da Administração Educativa
Processo:R-246/94
Número:18/B/96
Data:18.07.1996
Área: A4

Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – DOCENTE – ESTÁGIO PEDAGÓGICO – LICENCIATURA – CONTRATO – DISCRIMINAÇÃO SALARIAL – ALTERAÇÃO DO ÍNDICE DE VENCIMENTO

Sequência: Acatada

1. O Sr. Dr…. e outros, professores licenciados pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto a frequentar o estágio pedagógico no regime transitório previsto na Portaria 850/87, de 3 de Novembro, apresentaram, em 26 de Janeiro de 1994, queixa nesta Provedoria de Justiça, alegando para o efeito e em síntese, que, em diversas Escolas, estavam a ser atribuídas remunerações diferentes nos contratos celebrados com os professores provisórios e que, em Dezembro de 1993, o Ministério da Educação determinou a alteração das remunerações dos licenciados remunerados pelo índice 120 para o índice 80 da respectiva tabela remuneratória com base no Decreto Regulamentar 14/93 de 5 de Maio, posições que consideram incorrectas por violarem frontalmente o disposto no n.º3 do artigo 12.º do Dec.-Lei 409/89, de 18 de Novembro e ainda porque o âmbito de aplicação do citado diploma regulamentar se circunscreve aos alunos estagiários das licenciaturas em ensino do Regime Normal.

2. Ouvido o Departamento de Gestão de Recursos Educativos o mesmo comunicou, em 26 de Maio de 1994, que, por despacho do então Secretário de Estado dos Recursos Educativos, de 15 de Abril de 1994, ficou estabelecido que, no ano lectivo em curso, deveriam ser mantidos os contratos celebrados inicialmente com os estagiários do ramo de formação educacional da referida Faculdade, o que permitiu a resolução pontual da questão relativamente a alguns docentes aos quais havia sido fixada, nos respectivos contratos, uma remuneração calculada pelo índice 120.

3. Todavia, verificou-se, através de outras reclamações entradas posteriormente nesta Provedoria, que não foram regularizadas, em conformidade com o referido despacho, situações de docentes de escolas da DREN nas mesmas circunstâncias, que celebraram contratos cuja remuneração foi, desde logo, reportada ao índice 80, por ter sido essa alegadamente a condição para a realização do estágio pedagógico.

4. Admitindo hipótese de se estar perante um caso de tratamento desigual de docentes na mesma situação jurídico-funcional sem que para o efeito se descortinassem os motivos justificativos de tal discriminação salarial, foram efectuadas diligências junto do Gabinete do então Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação (ofício n.º …) e do Departamento de Gestão dos Recursos Educativos (ofício n.º …) no sentido de esclarecerem o alcance do citado despacho em relação ao próximo ano lectivo (95-96) e de corrigirem as desigualdades remuneratórias entre docentes licenciados contratados para a realização do estágio, face ao disposto no n.º3 do artigo 12.º do Dec.-Lei 409/89.

5. Efectuadas insistências a coberto dos ofícios … e …, o Gabinete do então Subsecretário de Estado Adjunto da Ministra da Educação procurou responder às questões suscitadas por esta Provedoria, argumentando, em resumo, o seguinte:
a) o contrato administrativo de provimento só é de celebrar nas condições previstas no n.º1 do artigo 33.º do Estatuto da Carreira Docente;
b) nessas condições não se enquadra o caso dos estagiários, com os quais se celebram “contratos atípicos” e com “objecto específico”, não podendo tais instrumentos contratuais ser entendidos como contratos para exercício de funções docentes nas mesmas condições das demais situações contratuais, uma vez que os estagiários não se submeteram a qualquer tipo de concurso para ingresso na função pública, estando apenas a prestar serviço para adquirirem qualificação profissional;
c) por tal motivo, os estagiários não poderão ser remunerados pelo índice 120, em igualdade de circunstâncias com os outros docentes possuidores de maior qualificação;
d) atendendo a que as condições e objectivos da prestação de serviço dos alunos estagiários contemplados no Decreto Regulamentar 14/93 são idênticas às dos licenciados estagiários deverá ser aplicado, por analogia, o índice 80 previsto neste diploma, cumprindo-se, assim, o princípio da igualdade e de retribuição no trabalho;
e) foram dadas instruções às Direcções Regionais de Educação para corrigirem as situações discriminatórias contratuais existentes.

6. Entretanto o Gabinete de Vossa Excelência comunicou à Provedoria de Justiça, através do ofício …, que Vossa Excelência fixou, por despacho de 21 de Fevereiro de 1996, a seguinte orientação a observar, na matéria, pelos serviços competentes:
a) “os licenciados a frequentarem os estágios pedagógicos dos cursos educacionais verão processado o seu vencimento pelo índice 120 da escala indiciária anexa ao Decreto-Lei n.º 409/89, de 18 de Novembro”;
b) “os contratos já celebrados não serão objecto de qualquer alteração, uma vez que as suas clausulas foram aceites, sem reserva, pelos respectivos outorgantes”.

7. Tal orientação baseou-se na informação … de … do Gabinete de Vossa Excelência na qual, em resumo se sustentou que:
a) o índice 80 do escalão 1 é atribuído aos docentes não licenciados no período probatório (12 meses), não podendo, por isso, abranger os docentes licenciados (Dec. Regulamentar 14/93);
b) a estes deverá ser atribuído o índice 120 (escalão 3 da escala indiciária I anexa ao Dec.- Lei 409/89), aquando da celebração dos respectivos contratos de provimento;
c) os “recorrentes” deverão ver negado provimento às respectivas pretensões por terem aceite livremente e sem reservas os contratos celebrados, apesar de estes estarem feridos de ilegalidades sendo certo que tal aceitação determinou a sanação do “acto” (art.º 53.º, n.º4 do Código Procedimento Administrativo).

8. Tudo ponderado, importa tomar posição sobre a legalidade do despacho de 21 de Fevereiro de 1996, no qual se consubstancia a orientação definida por esse Departamento, ultrapassada que foi a posição veiculada pelo Gabinete do então Subsecretário de Estado Adjunto da Ministra da Educação.

9. Dispõe o n.º 3 do artigo 12.º do Dec.-Lei 409/89 de 18 de Novembro que “no exercício de funções docentes em regime de contrato administrativo de provimento corresponderá remuneração a fixar no respectivo contrato, a qual não poderá ser inferior ao vencimento dos docentes integrados na carreira, em escalão equiparável”.

10. Trata-se, inequivocamente, de uma norma imperativa que, no exercício de funções docentes em regime contratual corresponderá remuneração a fixar no respectivo instrumento contratual, a qual nunca poderá ser inferior ao vencimento dos docentes inseridos em carreira, em escalão equiparável. O texto da lei é muito claro quanto à indispensabilidade de observância desse estatuto remuneratório de “equivalência”, não deixando, assim, qualquer margem de actuação aos outorgantes neste domínio.

11. E porque de preceito de natureza imperativa se trata, é o mesmo oponível tanto à Administração como aos docentes, sem que aquela e estes possam, de alguma forma, subtrair-se à aplicação da remuneração do escalão equiparável que deverá, aliás, figurar no clausulado dos contratos.

12. A inobservância desse regime remuneratório, que se impõe à vontade dos outorgantes, envolverá, pois, violação ostensiva de lei, quer para o Estado, quer para os docentes, não legitimando, assim, que o Ministério da Educação possa invocar, validamente, em seu benefício a aceitação, sem reserva, dessa ilegalidade pelos docentes e a consequente sanação do “acto” ilegalmente cometido, ou seja, da clausula contratual que contenha uma remuneração inferior àquela que a lei impõe.

13. Não procede, por outro lado, o argumento segundo o qual se operou a sanação do “acto” ilegal com base no disposto no n.º 4 do artigo 53.º do Código de Procedimento Administrativo porquanto este preceito dispõe, inequivocamente, para uma fase do procedimento administrativo que antecede a da celebração dos contratos.

14. Para além de que, estando a Administração submetida ao princípio da legalidade (Constituição, artigo 266.º n.º2 e Código do Procedimento Administrativo, artigo 5.º) não se mostra defensável invocar uma ilegalidade como meio de não cumprir uma norma imperativa sobre remunerações e, como tal, obrigatória para o Ministério e para os docentes.

15. Caberá, por fim, referir que a posição de fazer cumprir a lei (artigo 12.º n.º3 do Dec.-Lei 409/89) apenas para o futuro, sem qualquer reflexo nos contratos ainda vigentes, se não compagina, de modo algum, com o princípio da igualdade (Constituição, artigo 13.º).

16. Na realidade, a serem mantidos os contratos, sem qualquer actualização das respectivas cláusulas respeitantes às remunerações para o escalão 120, estará aberto o caminho para o tratamento diferenciado, na matéria, de situações essencialmente iguais, ou seja, de licenciados a frequentar estágios pedagógicos dos ramos educacionais, considerando que em número apreciável de contratos foi previsto ou, eventualmente, imposto o índice 80 do escalão remuneratório, à margem da lei. Quando todos eles deveriam prever a remuneração pelo índice 120, respeitando-se também o princípio geral consagrado no artigo 35.º do Dec.-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro.

17. Daí que o objectivo de repor a legalidade não possa quedar-se, pesem embora as previsíveis razões financeiras subjacentes, pela orientação de respeitar o regime remuneratório tão somente nos novos contratos.

18. Mas tem de passar pelo menos, pela actualização das cláusulas remuneratórias dos contratos ainda em vigor à data do despacho em causa (96.02.21), considerando que a Administração não pode, pelos motivos indicados, prevalecer-se da violação de lei, em que ela própria incorreu, para não pagar aos docentes as remunerações que a lei lhes fixou.

Nestes termos,RECOMENDO:

a substituição do despacho de 96.02.21 na parte em que foi decidido não alterar os contratos já celebrados, tendo em vista, perante o carácter imperativo da norma do n.º3 do artigo 12.º do Dec.-Lei 409/89, de 18 de Novembro, pôr termo a um número significativo de situações de tratamento remuneratório discriminatório de docentes no exercício de funções essencialmente iguais, e o consequente ajustamento para o índice 120 das cláusulas remuneratórias, pelo menos nos contratos vigentes à data daquele despacho.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel