Exmo. Senhor Primeiro Ministro

Rec. nº 6/B/96
Processo:P-30/94
Data: 01.02.1996
Área: A4

Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – CONTRATO A TERMO – PERÍODO SUPERIOR A TRÊS ANOS – LEGISLAÇÃO GERAL DO TRABALHO – APLICAÇÃO SUPLETIVA – MEDIDA LEGISLATIVA

Sequência: Acatada.

1. A tipificação dos vínculos possíveis entre a Administração Pública e o seu pessoal foi definida no Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho e desenvolvida no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro.
São três as situações-tipo de vinculação originadas: emissão de despachos de nomeação, para provimento de lugares vagos dos quadros previamente aprovados e que correspondem às necessidades permanentes dos serviços (Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de Julho – art.º 14.º, n.º 4; Decreto-Lei n.º 184/89 – art.º 25.º, n.º 1, a); celebração de contratos numa de duas modalidades: (contrato administrativo de provimento ou contrato de trabalho a termo certo) ambas previstas para ocorrer a necessidades próprias do serviço público que não revistam carácter de permanência, mediante o desempenho de funções com carácter de subordinação.

2. Os pressupostos de cada um dos tipos de vinculação referida são referidos na legislação citada, devendo relevar-se que as duas modalidades de contratação tendem a constituir soluções esporádicas e sempre transitórias, ao passo que o pessoal nomeado nos quadros assegura o exercício regular e profissionalização das funções próprias do serviço público. Se respeitados os normativos aplicáveis, o apuramento estatístico conduzirá inevitavelmente à existência de uma esmagadora maioria de situações de pessoal nomeado versas pessoal contratado.

3. Sendo este tendencialmente o resultado do sistema criado pelos normativos atrás citados, de facto a prática administrativa não vem correspondendo ao modelo definido, o que traduz não só uma deficiente interpretação e aplicação da legislação aplicável, mas também uma actuação gestionária lesiva dos interesses dos serviços e do pessoal ao seu serviço, em muitos casos imposta pelo congelamento das admissões há longos anos em vigor.

4. Fixa a lei o limite de um ano para a vigência dos contratos de trabalho a termo, mas com frequência os dirigentes máximos dos serviços, findo aquele prazo, se vêm constrangidos a recorrer ao trabalho dos ex-contratados agora na modalidade de prestação de serviços prevista e regulada no Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro (art.º 17.º) e n.º 184/89 (art.º 10.º), pagos contra recibos emitidos na qualidade de trabalhadores independentes, qualidade que, de facto, aqueles indivíduos não têm. De facto, assim se mantém ininterruptamente uma infinidade de situações que, não podendo já ser de vinculação, é no entanto de realização de verdadeiro trabalho subordinado (sujeito à hierarquia, disciplina e horário de trabalho), ainda que catalogado de independente.

5. A legislação geral do trabalho é aplicável, supletivamente, aos contratos de trabalho a termo certo celebrados pela Administração. Assim, nos casos em que, vencido o limite de um ano, cada relação contratual foi ou é prorrogado até conjuntamente perfazer mais de 3 anos de trabalho, os contratos iniciais convertem-se em contratos sem termo (Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27.02, art.ºs 44.º, n.º 2 e 47.º por força do art.º 9.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 184/89). Por seu lado, a caducidade destes contratos confere aos trabalhadores o direito a uma compensação de dois dias de remuneração de base por cada mês completo de duração (Decreto-Lei n.º 64-A/89, art.º 46.º, n.º 3). E o pessoal contratado nesta modalidade é beneficiário dos organismos de segurança social para os quais a Administração remete mensalmente a sua quota parte de contribuições em paridade com as demais entidades patronais do sector privado e do sector público não abrangido pela Caixa Geral de Aposentações.

6. Para o satisfatório desempenho das funções que o pessoal citado assegura, não poucas vezes a Administração suporta encargos com a sua frequência de cursos de formação profissional, geral e específica. A formação profissional, a par com o conhecimento da organização onde trabalham e a experiência no tratamento e ultrapassagem das situações de trabalho ali verificadas, constituem apreciável recurso de que a Administração, enquanto respeitadora do princípio de boa gestão, não pode abrir mão sem provocar sérias perturbações no normal funcionamento dos serviços e sem agravar os encargos decorrentes do treino e formação de novo pessoal que venha substituir o anterior.

7. Facilmente se conclui que a celebração de contratos a termo certo e ou de prestação de serviços para realização de trabalho subordinado não constitui solução adequada para a Administração Pública. Para os contratados, é fonte de incerteza e, para os serviços, de instabilidade e de acréscimo de despesas.

8. Cumpre por isso adoptar as medidas que contribuam para reduzir ao absolutamente indispensável as situações descritas sem afectar o normal funcionamento dos serviços. Tal passa pelo correcto dimensionamento dos quadros de pessoal dos serviços, o que só aparentemente contribui para um aumento de despesas com pessoal.

9. Mas foram entretanto criadas numerosas situações funcional e socialmente perturbadoras. Tal veio a público com particular evidência e incomodidade após a dispensa de cerca de 10.500 contratados a prazo, em funções não docentes, pelo Ministério da Educação, os quais viram rescindidos os seus contratados em 31.08.94. Sobre essa matéria tive já oportunidade de me dirigir à Ministra da Educação em ofício de 19.09.94, de que junto cópia. Mas também nos restantes Ministérios se verificam situações paralelas. Por exemplo, no Ministério da Saúde, os Hospitais de São João e de Santa Maria vêm tentando manter ao seu serviço numerosos contratados a prazo que desempenham funções de secretariado clínico indispensáveis ao normal funcionamento dos serviços hospitalares. O mesmo se diga dos serviços administrativos das regiões e sub-regiões de saúde.

10. A regularização destas situações, no interesse dos serviços e dos contratados, não resultará da abertura de concursos externos porque o procedimento tendente à aprovação e distribuição das quotas de descongelamentos é inevitavelmente moroso e a data de conclusão dos concursos é aleatória para além de, através deles, não ser garantida a absorção dos contratados, sem que tal seja devido ao não preenchimento por eles de requisitos ou do perfil adequado.

11. Torna-se imperioso aprovar uma medida legislativa de natureza excepcional que simultaneamente regularize as situações existentes e alargue os quadros aprovados por forma a absorvê-las.

Por isso, RECOMENDO:

que promova a aprovação do diploma legal que determine a integração automática nos quadros, consequentemente alargados, do pessoal contratado a termo certo, em regime de prestação de serviços ou a qualquer outro titulo idêntico que perfaça um mínimo de 3 anos de desempenho continuado de funções no mesmo estabelecimento ou serviço.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL