Ministro da Educação
Número: 81/A/98
Processo :R- 2530/94
Data:28.12.1998
Área: A2

Assunto: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS – ATRASO NO PAGAMENTO A PARTICULARES – JUROS DE MORA – NÃO ACATAMENTO DA RECOMENDAÇÃO N.º 33/A/97.

Sequência: Acatada

I

1. Na sequência de reclamação apresentada nesta Provedoria de Justiça, relativa ao ressarcimento de danos decorrentes da demora no pagamento de dívidas a particulares, formulei a Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Educativa a Recomendação n.º 33/A/97, de 29 de Abril, cuja cópia tomo a liberdade de anexar.

2. Dirigida, como referi, a Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Educativa, foi-me enviada pela respectiva Chefe de Gabinete – o que não posso deixar de estranhar – uma “informação sobre a Recomendação”, que igualmente anexo, e que pretenderá constituir resposta à mesma.

3.1. Contém tal “informação”, sucinta, os alegados fundamentos de inexequibilidade da Recomendação supra referida, por falta de “enquadramento jurídico”.

3.2. Na minha Recomendação pugnava pela ressarcibilidade dos prejuízos decorrentes para o queixoso do atraso com que lhe foram pagas quantias devidas, matéria sobre a qual foi recentemente proferida orientação concordante com a minha Recomendação por Sua Excelência o Ministro das Finanças, divulgada por todos os Serviços através de Despacho que tomo a liberdade de anexar.

4.1. Analisando, também sucintamente, os argumentos apresentados, cumpre esclarecer que existe inexecução ou incumprimento de uma obrigação quando o devedor, aquele que se encontra obrigado a praticar um determinado acto, nada faz, ou fá-lo tardiamente, denominando-se a falta de cumprimento temporária, mas ainda possível, por “mora”, “atraso” ou “retardamento” (art.ºs 792.º e segs. do Código Civil).

4.2. O dever de prestar, resulte de estipulação negocial ou da lei, quando violado, implica a responsabilidade do lesante pelos prejuízos que possam resultar da “mora” (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, Almedina, 1989, p. 490).

4.3. Nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros legais a contar do dia em que o devedor se encontrava obrigado a prestar, sendo idêntico o regime da obrigação de indemnização, independentemente da sua fonte legal ou contratual (art. 562.º e segs. do Código Civil; vd PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Almedina, 1995, p. 41).

4.4. Não faz, pois, sentido o exposto no ponto 1 da referida “informação” enquanto fundamento por o não acatamento da minha Recomendação: ainda que se tratasse de responsabilidade extracontratual – e a questão está longe de ser pacífica na doutrina – nada há que a possa afastar no caso concreto.

5.1. Relativamente à invocação da ilegalidade do pagamento de juros a título de mora decorrente do regime de retroactividade do acto administrativo contido no art.º 128.º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, cumpre-me afirmar a Vossa Excelência ser tal argumento dificilmente contraditável, por incompreensível (vd. n.º 4 da referida “informação”)…

5.2. É precisamente porque o acto administrativo que determina o pagamento é retroactivo que existe a separação temporal entre a constituição da obrigação de pagar e o seu efectivo cumprimento, separação essa que constitui a mora e que é, exactamente, o fundamento para o pagamento dos juros de mora.

6.1. A obrigação de pagamento de juros de mora, como obrigação de indemnizar que é, constitui, aliás, direito fundamental dos administrados, que vincula directa e imediatamente as entidades públicas (arts. 22.º, 271.º, 17.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa), dispondo a Constituição que “O Orçamento é elaborado ….tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato” (art. 105.º, n.º 2) e prevendo a lei que devem ser orçamentadas verbas para “compensação de danos causados a terceiros” (art. 1.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 74/70, de 2 de Março).

6.2. O exposto no ponto 2. da “informação” da Senhora Chefe de Gabinete representa, pois, a completa inversão da lógica que constitucional e legalmente preside às relações entre o Estado e os cidadãos nesta matéria, pelo que é obviamente inaceitável como fundamento para o não acatamento da minha Recomendação n.º 33/A/97: se a verba não está cabimentada, a solução não é não pagar, mas sim providenciar pela cabimentação.

7. Parece-me por isso cristalino que, não só não existe qualquer impossibilidade jurídica de execução da Recomendação n.º 33/A/97, como os princípios gerais de Direito a impõem (vd documentos anexos, relativos à orientação seguida em idênticos casos pelo Ministério das Finanças).

III

Pelo exposto, não vislumbrando a pertinência das afirmações sobre a falta de enquadramento legal da Recomendação n.º 33/A/97, de 29 de Abril, é meu dever reiterá-la, e RECOMENDO:

que, de acordo com a orientação aceite pelo Ministério das Finanças, seja assumida a responsabilidade pelo pagamento ao Senhor ………. dos juros, à taxa legal, respeitantes ao período que medeou entre o vencimento da obrigação e a data em que se procedeu ao efectivo pagamento das quantias em dívida para com o mesmo.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel