Secretária de Estado da Cultura
Número: 72/A/98
Processo: R-2958/98
Data:23.11.1998
Área : A1

Assusnto:CULTURA E COMUNICAÇÃO SOCIAL – DANÇA – SUBSÍDIO – CONCURSO PÚBLICO – CRITÉRIOS DE SELECÇÃO – IMPARCIALIDADE – DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO.

Sequência: Parcialmente Acatada

A-Exposição de Motivos

1. Foi objecto de reclamação dirigida a este Órgão do Estado a deliberação do júri do Concurso Para Apoio Anual a Estruturas de Criação e Produção Coreográfica de Carácter Profissional e de Iniciativa Não Governamental para o ano de 1998.

2. No âmbito da instrução do processo aberto na Provedoria de Justiça, foi solicitado ao Gabinete de Vossa Excelência o envio de cópia das actas das reuniões do júri do concurso público mencionado, tendo sido facultada cópia da designada “Acta Final e Decisória” das reuniões do júri, a coberto do ofício n.º ….

3. O procedimento concursal em causa destina-se à selecção, escolha e ordenação dos candidatos à atribuição de um apoio financeiro estatal às actividades a exercer no domínio da criação e produção coreográficas, reconhecendo-se a importância que possa revestir este estímulo para a viabilização e o crescimento dos projectos artísticos apresentados por cada candidato.

4. Não se duvida que o apoio financeiro do Estado às entidades privadas que se dedicam à actividade artística da dança corresponde ao cumprimento do imperativo constitucional de promoção da cultura, constituindo um modo adequado de efectivação do direito dos cidadãos à cultura, à fruição dos bens culturais.

5. Por seu turno, o estabelecimento, por via regulamentar (Despacho Normativo n.º 51/96, de 6 de Dezembro), de um procedimento concursal para a atribuição de apoios à criação e produção coreográfica representa um primeiro e importante passo na clarificação das relações entre os beneficiários desses apoios e a Administração que os presta.

6. Não obstante as garantias que se reputam associadas a um procedimento concursal, as queixas que me têm sido apresentadas por candidatos não contemplados com os subsídios atribuídos indiciam que esta auspiciosa medida não tem sido devidamente aplicada. E os resultados da instrução dos processos abertos na Provedoria de Justiça com base nessas queixas permitiram-me concluir pela sua procedência.

7. A este propósito não posso deixar de recordar o teor da Recomendação n.º 4/A/98, dirigida a V. Exa. em 2 de Fevereiro pp., que teve por objecto os actos de deliberação final dos júris dos concursos para a atribuição de apoios anuais e pontuais à criação e produção coreográfica de carácter profissional e iniciativa não governamental no ano de 1997.

8. Em síntese:
Tendo-se concluído, após análise das actas das deliberações finais de dois concursos públicos promovidos pelo Ministério da Cultura para atribuição de subsídios a projectos na área da dança que I) a fundamentação das deliberações dos júris se mostrava manifestamente insuficiente para reconstituir o “íter” cognoscitivo que conduziu à selecção, exclusão e ordenação dos candidatos, como também ainda para conhecer a motivação que determinou a repartição das quantias a atribuir, que II) a fase deliberatória não foi precedida de fixação de critérios dotados de generalidade e abstracção, por forma a obstar a que, consciente ou inconscientemente, o conhecimento das candidaturas se reflectisse nas decisões adoptadas pelo júri, que III) a escassa densidade do regulamento administrativo aplicável , no ponto respeitante à pré-definição de critérios e a falta de um de concurso, em lugar de terem permitido um menor rigor procedimental, antes deveriam ter inspirado nos júris o cumprimento de um dever de diligência que que ilustrasse a racionalidade e objectividade das suas decisões, IV) pelo que se tratou de preterição de formalidade ad substantiam que não admite a simples renovação do acto sem a realização de todas as diligências instrutórias, próprias dos concursos públicos, que a antecederam, já que, V) de outro modo, não ficam acauteladas as garantias dos administrados em matéria de igualdade e imparcialidade na apreciação dos projectos submetidos a concurso, pelo que VI) Recomendei a revisão dos actos de homologação das deliberações finais dos júris dos dois concursos.

9. Em resposta ao recomendado, veio Vossa Excelência, a coberto do ofício n.º …, comunicar que “a Recomendação (…) não poderá ser plenamente cumprida, mas dela se fará utilização como referência para a correcção e total legitimidade dos concursos que venham a ser abertos seguidamente”.

10. Atente-se agora na deliberação do júri do concurso de apoio anual às actividades artísticas para 1998, a que se teve acesso através da leitura da designada acta final e decisória. Da mesma se retira o seguinte:

11. O júri do concurso anual para apoio a estruturas de criação e produção coreográfica reuniu nos dias 8, 13 e 24 de Novembro para apreciação das vinte candidaturas validamente submetidas ao concurso.

12. Aos critérios de valorização enunciados no Regulamento aprovado pelo Despacho Normativo n.º 51/96, de 6 de Dezembro, os quais aparecem transcritos no ponto 10 da deliberação, entendeu o júri acrescentar os seguintes “factores de análise” das candidaturas:
“- viabilidade do projecto em função dos meios disponíveis;
– prática de intercâmbio com outras estruturas congéneres, potenciando os investimentos artísticos e financeiros;
– inserção do projecto num contexto internacional;
– não dispersão logística dos responsáveis por projectos com objectivos concorrentes;
– no caso das estruturas que são companhias de dança, existência de uma direcção artística autónoma assumida por um profissional da dança.”

13. A escolha do júri recaiu sobre seis candidaturas, com a atribuição de montantes diferenciados, não tendo obtido qualquer subsídio os demais candidatos.

14. Fundamentalmente, três são as questões suscitadas a partir da análise da acta final e decisória do júri deste concurso público. Em primeiro lugar, cumpre averiguar da legalidade e da bondade dos critérios que pautaram a decisão do júri, sobretudo os que foram aditados por sua iniciativa. Em segundo lugar, pondera-se a suficiência ou insuficiência da fundamentação da deliberação do júri quanto a cada uma das candidaturas submetidas à sua apreciação. Em terceiro lugar, há que tomar posição quanto à aplicação ou postergação dos princípios gerais que devem pautar a actuação administrativa, em especial no que concerne aos concursos públicos, o que indissociavelmente se liga aos dois outros aspectos em análise.

15. Como já foi referido, aos critérios de valorização constantes do art. 10º do Regulamento sempre citado, foram aditados os factores de ponderação que o júri entendeu fixar para a apreciação das candidaturas.

16. Poderíamos aqui, desde logo, repudiar, à luz do princípio da estabilidade das regras dos concursos públicos, o estabelecimento pelo júri de novos critérios de decisão. A este propósito MARCELO REBELO DE SOUSA escreveu: “A estabilidade das regras dos concursos administrativos implica a proibição de modificações subsequentes à abertura do concurso, tendo nomeadamente em linha de conta os direitos e interesses legítimos (no sentido de interesses legalmente protegidos) dos potenciais concorrentes ou mesmo destes, uma vez admitidos. Assim, por exemplo, e além das modificações dos pressupostos subjectivos das candidaturas, as atinentes ao prazo de apresentação das propostas, às garantias ou cauções exigidas e aos critérios de apreciação das propostas”.(1)

17. Mas mesmo que assim não fosse, e perfilhando tese mais moderada quanto à admissibilidade da fixação de critérios não contidos no aviso de abertura ou no regulamento do concurso, não posso deixar de verificar que, no caso vertente, assistimos a uma clara violação das regras e princípios concursais pertinentes.

18. A Mário Esteves de Oliveira e a Rodrigo Esteves de Oliveira não repugna admitir a possibilidade de aditamento de critérios pelo júri, considerando que “sempre que a entidade incumbida da apreciação das propostas se confronte com critérios ´standard` de classificação das mesmas (…), ela pode recorrer a sub-critérios que os densifiquem”(2) , mas advertem: “a fixação dos micro-critérios, sendo juridicamente permitida, não é claro, juridicamente livre. Existem, para além de outros, limites temporais e de conteúdo”(3) .

19. Ora, em meu entender, estes limites mostram-se desrespeitados. No que concerne aos designados limites de tempo, a fixação de critérios após o conhecimento das propostas ou candidaturas (como foi o caso) é manifestamente extemporânea. Mais: viola o princípio da imparcialidade administrativa, sendo, por isso, ilegal. É que sempre estará vedado ao júri a escolha de critérios de apreciação em momento posterior ao do conhecimento das candidaturas a apreciar. A não ser assim, mostram-se drasticamente diminuídas as garantias de imparcialidade, de racionalidade e de justiça das escolhas que venham a ter lugar por referência àqueles critérios.

20. Aliás, já teve o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República oportunidade de se pronunciar a este respeito, sendo inequívoco que “decorre da exigência de transparência da actividade administrativa e do respeito pelos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade (…) a imposição, no plano ético-jurídico, de prévia comunicação aos concorrentes da referida “pauta de avaliação” das propostas a apresentar, com todos os micro-critérios que a constituem e respectivos coeficientes de ponderação (…). Proceder de outro modo, seleccionando os micro-critérios e compondo a ´grelha de avaliação` apenas depois da abertura das propostas é, a todos os títulos, prática incorrecta, porque incompatível com aqueles princípios e com a necessidade de transparência na actuação da Administração”(4) .

21. Quanto aos limites intrínsecos ou de conteúdo, deverá notar-se que a validade dos sub-critérios depende da função concretizadora ou densificadora que assumam relativamente aos critérios gerais do concurso. A inovação mostra-se neste campo vedada. Também aqui a deliberação do júri desvirtua o princípio enunciado.

22. O que fica dito é ilustrado com um exemplo paradigmático: o estabelecimento de um factor de ponderação que condiciona as estruturas, quando companhias de dança, a estarem dotadas de uma direcção artística autónoma, assumida por um profissional da dança.

23. Tanto mais que este critério é fundamento de exclusão ou não selecção para apoio financeiro do Estado de apenas um dos candidatos – a Companhia de Dança de Lisboa, cuja direcção é assumida por um licenciado em engenharia.

24. Verifica-se que o júri do concurso adoptou um entendimento restritivo quanto ao conceito de estrutura de criação e produção coreográfica – como decorre da leitura do ponto 5 da acta – reportando-se, porém, à noção contida no art. 3º do Despacho Normativo n.º 51/96, nos termos do qual “entende-se por estrutura qualquer organização profissional legalmente constituída, seja ou não uma companhia de dança, que exerça de forma estável e regular as actividades de criação ou de produção coreográfica, independentemente da sua personalidade jurídica ou dos seus moldes institucionais”.

25. A delimitação subjectiva dos candidatos ao concurso é, assim, o objecto da norma citada. Ao júri compete apenas – tendo em seu poder elementos instrutórios relativos à identificação e indicação da natureza jurídica da estrutura e a indicação dos responsáveis artísticos, obrigatoriamente contidos na candidatura, como prescreve o art. 12º, alíneas a) e b), do Despacho Normativo – verificar se os candidatos preenchem ou não os requisitos regulamentarmente fixados na definição de estrutura, seja ou não uma companhia de dança. O aditamento “a posteriori” de requisitos a respeitar pelos candidatos que sejam uma companhia de dança é, a todos os títulos, inadmissível.

26. Em concreto, o requisito ou factor de ponderação reputado essencial pelo júri para a definição de companhia de dança não encontra qualquer apoio na letra ou no espírito da lei. Com efeito, se atentarmos na noção de estrutura contida no art. 3º do regulamento do concurso devemos concluir pela ilegitimidade da restrição introduzida pelo júri. Não se pode fazer tábua rasa da última parte da referida disposição regulamentar, quando considera irrelevante, para efeitos da sua aplicação, os “moldes institucionais” das estruturas.

27. Assim quando uma companhia de dança, no exercício da autonomia privada em matéria da sua própria organização, tem um director e um conselho artístico (composto por bailarinos e coreógrafos), cujos pareceres são determinantes nas decisões a tomar por aquele, não se vislumbra qual o interesse público que possa ser afectado por este modelo de organização interna, de modo a excluir a companhia de dança do apoio financeiro do Estado.

28. Com isto, passa-se já à análise da segunda vertente das questões suscitadas, tendo em vista a fundamentação da deliberação final do júri do concurso.

29. A conclusão que se retira é a da manifesta insuficiência e falta de clareza da fundamentação expendida relativamente a cada uma das candidaturas.

30. Tratando-se de um procedimento concursal de selecção (e ordenação das candidaturas), isto é, diverso dos procedimentos concursais que se destinam à adjudicação de uma proposta, com exclusão de todas as outras, o dever de fundamentação assume relevância significativa, não apenas quanto às decisões desfavoráveis, mas também no que respeita às favoráveis.

31. Isto porque a fundamentação revela a ponderação, caso a caso, dos critérios seguidos, no âmbito das tarefas de apreciação, comparação e valoração das candidaturas. O dever de imparcialidade traduz-se na obrigação de ponderação comparativa das candidaturas, a qual, nas palavras de MARCELO REBELO DE SOUSA, “implica um apreciável limite à discricionariedade administrativa”(5) .

32. Temos, assim, como momento vinculado do juízo formulado pelo júri a apreciação e classificação das candidaturas, por dever aquele necessariamente revelar a ponderação de todos os critérios previamente fixados (mas, apenas, desses) e de todos os elementos relevantes das candidaturas, sendo “na equação ou relação entre os elementos das propostas e os critérios (…) que se consubstancia o juízo de classificação ou ordenação daquelas”(6) .

33. Ora, a ponderação feita pelo júri pecou por defeito e por excesso. Por excesso, quando faz apelo a critérios diversos dos fixados no regulamento do concurso (como ficou demonstrado com o exemplo da candidatura da Companhia de Dança de Lisboa, no que concerne aos requisitos de organização de uma companhia de dança); por defeito, quando não se conhece do preenchimento dos requisitos de selecção, nem do valor relativo de cada um dos elementos a ponderar, limitando-se o júri a considerar que determinada estrutura “corresponde à maioria dos critérios enunciados”(7) ou que “não corresponde aos critérios enunciados para apoio a uma estrutura por parte do Ministério da Cultura”(8) .

34. Sempre se poderá dizer que os juízos assim formulados são correctos, não lhes subjazendo motivação diversa da inspirada na lei, pelo que não há parcialidade. Note-se, porém: “Não está forçosamente em causa a eleição de um motivo vedado e gerador do desvio de poder, mas a violação da lei por ausência de adequada ponderação dos interesses tutelados”(9) .

35. É que o desvalor associado à deliberação do júri (violação do princípio da imparcialidade) baseia-se tão só na consideração que, “as mais das vezes, a falta de adequada ponderação de interesses será detectada pela insuficiência de fundamentação”(10) , como é o caso.

36. A ilustração do que fica dito melhor é servida com os fundamentos invocados para a rejeição das candidaturas, ou seja, na parte desfavorável da deliberação do júri do concurso.

37. Desde logo, distinguem-se dois tipos de argumentação expendida. Nalgumas situações presentes ao júri, considerou este não serem as mesmas abrangidas pelo regulamento do concurso, na sua definição de estrutura de criação e produção coreográfica (art. 3º, do Despacho Normativo 51/96).
Noutras, os argumentos revelaram-se diversificados.

38. Quanto àquelas(11), e pese embora a escassez dos elementos de facto dados a conhecer na deliberação, certo é que se pode extrair da decisão que recaíu sobre cada uma dessas candidaturas quais os factos tidos por relevantes. Assim, das duas, uma: ou as candidaturas não assentavam em estruturas com uma actividade regular e estável, tal como exigido no art. 3º do regulamento do concurso (daí as expressões utilizadas: “estrutura nova”, “estrutura ainda sem actividade” ou “projecto novo”), sendo, por isso excluídas do âmbito do concurso; ou as estruturas em causa não tinham por principal actividade a criação e produção coreográfica (o que, naturalmente, também corresponde a um dos requisitos enunciados na citada disposição regulamentar, na sua definição de estrutura).

39. Nos outros casos, a argumentação é manifestamente obscura ou insuficiente, ou ambas as coisas. Exemplo paradigmático é o seguinte: entendeu o júri que uma determinada candidatura(12) “não corresponde aos critérios enunciados para apoio a uma estrutura”, sem adiantar nada quanto aos aspectos em que a mesma se afasta desses critérios ou quanto aos próprios critérios tidos por padrão (todos? alguns? os factores de valorização constantes do art. 14º do regulamento? os denominados “factores de análise”?).

40. Acresce que a exclusão desta candidatura do apoio do Estado se fica também a dever à alegada falta de preenchimento de um requisito sobre a direcção das companhias de dança, o qual, como se viu atrás, é ilegal (recordo: trata-se de um critério “extralegem”), pelo que a sua invocação, por si só, fere de ilegalidade a deliberação proferida.

41. Por último, e ainda quanto à recusa de atribuição de um subsídio à Companhia de Dança de Lisboa, fundou-se o júri na consideração de que “o projecto artístico é pouco claro”. Se este é fundamento de exclusão, restará indagar do seu próprio fundamento, ou seja, conhecer as razões que permitiram tal conclusão. Dir-se-ia que a adjectivação escolhida pelo júri melhor qualificaria a sua própria afirmação.

42. Outra ordem de argumentos incide sobre os meios disponíveis em razão das verbas destinadas aos apoios a conceder pelo Estado. Relativamente a duas das candidaturas(13), o motivo explicitado para recusa de atribuição de um subsídio é o do esgotamento das referidas verbas, como se pode depreender da leitura das seguintes afirmações: “Os meios disponíveis não permitiram já contemplar minimamente esta estrutura” e “o júri propõe que transite automaticamente para o concurso para apoio a projectos pontuais de criação, uma vez que as verbas afectas ao presente concurso não permitem já contemplá-la”.

43. Tanto mais merece reparo a fundamentação do júri quanto se tenha em vista o facto de o motivo apresentado em nada se referir às características da estrutura e do projecto artístico submetidos a concurso.

44. Isto por comparação com a apreciação feita do projecto apresentado pelo Ballet Contemporâneo do Norte, sobre o qual foi dito que “afigura-se dimensionado muito acima dos meios disponíveis para apoio por parte do Ministério da Cultura”, pois tal ainda permite conhecer o íter cognoscitivo seguido pelo júri. Com efeito, tal sugere que a atribuição de um subsídio necessariamente muito inferior ao requerido não contribuiria para a viabilização do projecto em causa, sob pena de se desvirtuar o objectivo de viabilização e crescimento das estruturas de dança a prosseguir pelo Estado através da prestação de um apoio financeiro.

45. De todo o modo, não posso deixar de notar que a argumentação expendida neste caso é manifestamente insuficiente, não revelando o júri os elementos de facto que basearam a conclusão retirada, impedindo-se, desta forma a sindicância (nomeadamente em sede de recurso contencioso de anulação) da avaliação feita dos pressupostos de facto. Acresce que o critério enunciado integra-se no elenco dos requisitos aditados pelo júri já conhecidas as candidaturas, sendo, por isso, ilegítimo.

46. Voltando à análise dos fundamentos de exclusão das duas estruturas referidas no ponto 41, a conclusão que se retira é tão só que foram esgotadas as verbas do concurso com os subsídios atribuídos, não podendo já estas estruturas ser contempladas.

47. Se ainda se tiver em vista que as demais considerações tecidas pelo júri a propósito destas se revestem de um tom elogioso (até por apelo aos factores de valorização aplicáveis), não posso deixar de concluir que a fundamentação utilizada não apenas é obscura, por falta de explicitação do motivo determinante da exclusão, mas também incongruente.

48. As questões suscitadas quanto à invocada falta de verbas como motivo determinante (e único?) da não atribuição de um subsídio remetem-nos de novo para a fundamentação da deliberação na sua parte favorável. Não querendo repetir o que ficou dito quanto à sua insuficiência, devo ainda notar que em lado algum se pode retirar o critério da definição e quantificação de cada uma das verbas atribuídas a título de subsídio anual, o que é exigido pelo dever de ponderação comparativa das candidaturas.

49. Mesmo não ignorando a escassez dos meios financeiros afectos ao concurso, o que, aliás, corresponde a uma das preocupações do júri (e, a meu ver, legítima), sempre se insistirá na necessidade de clarificação dos critérios usados na distribuição dos dinheiros públicos. Os princípios da transparência e da racionalidade administrativa a tal obrigam.

50. É doutrina assente que a obscuridade ou insuficiência dos fundamentos corresponde à falta de fundamentação, como aliás se conclui da leitura do art. 125º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro.

51. Uma fundamentação constitucionalmente adequada sempre observará três princípios essenciais:”(a) princípio da suficiência, devendo a fundamentação estender-se a todos os elementos em relação aos quais a Administração dispõe de poder discricionário de escolher (e o exerce), de forma a poder reconstituir-se o íter lógico e jurídico do procedimento que terminou com a decisão final (“motivação ou fundamentação de todo suficiente”); (b) princípio da clareza, de modo que a fundamentação seja inteligível, sem ambiguidades nem obscuridades, tendo em conta a figura do destinatário normal ou razoável que, na situação concreta, tenha de compreender as razões decisivas e justificativas da decisão; (c) princípio da congruência, de tal modo que se verifique existir uma relação de adequação e consonância entre os pressupostos normativos do acto (de facto e de direito) e os motivos do mesmo, devendo, por isso, considerar-se como equivalente à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por contradição, não esclareçam concretamente a motivação do acto” (14).

52. Assim, mostra-se desde logo postergada a função garantística indissociavelmente ligada ao dever de fundamentação dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, assinalando-se que “em relação aos actos praticados no exercício de poderes discricionários a fundamentação é mesmo um requisito essencial, visto que sem ela ficaria substancialmente frustrada a possibilidade de impugnar com êxito os seus vícios mais típicos. Nesse domínio, a fundamentação é uma garantia do próprio direito ao recurso contencioso”(15) . Deverá concluir-se que o exercício de um poder discricionário não isenta a Administração do dever de fundamentação dos seus actos; pelo contrário, antes o “exige especialmente”, nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE(16) .

53. Além de que à fundamentação dos actos administrativos é ainda assinalada uma importante função objectiva , como regra essencial do dever de boa administração, ou “norma de acção administrativa (…) que visa assegurar uma correcta e ponderada realização dos interesses públicos (legalidade, imparcialidade, justiça, eficiência)”(17) .

54. Restará concluir que no domínio dos concursos (mesmo de concorrência, como é o caso), as escolhas e valorações feitas a partir da análise comparativa das candidaturas terão sempre de pautar-se por critérios objectivos que garantam a correcção, imparcialidade e justiça daquelas escolhas. A falta de densificação dos critérios regulamentares não poderia ter sido suprida com o aditamento de critérios novos, como aconteceu. De qualquer forma, a motivação das escolhas feitas pelo júri (como resultado da ponderação comparativa) sempre teria de ser explicitada nos fundamentos aduzidos, quer para a atribuição, quer para a recusa dos subsídios, sob pena de invalidade dessas mesmas escolhas. No que a este concurso se refere, restará concluir pela ilegalidade da deliberação final analisada.

B) Conclusões

De acordo com o que ficou exposto, e em nome da atribuição constitucional que me é conferida no sentido da prevenção e reparação de injustiças (art. 23º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), e fazendo uso dos poderes que me são confiados pelo Estatuto do provedor de justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, no seu art. 20º, n.º 1, alínea a), como tal,

RECOMENDO
A revogação, por ilegalidade, do acto de homologação da deliberação tomada pelo júri do concurso para apoio anual a estruturas de criação e produção coreográfica de carácter profissional e de iniciativa não governamental para o ano de 1998, em reunião ocorrida nos dias 8, 13 e 24 de Novembro de 1997.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel
______________________________________
(1)Cfr. O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo,Lisboa,1994,p. 69
(2)Cfr. Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa – Das Fontes às Garantias,Coimbra,1998,p. 545
(3)Cfr. idem
(4)Cfr. Parecer nº 1/94, de 24 de Junho, publicado in D.R. II Série, de 14-09-1994
(5)Cfr. O Concurso Público na Formação do Contrato administrativo, cit., p. 60
(6)Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et al., Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa – Das Fontes às Garantias, cit., p. 502
(7)Como é o caso da Re.Al(Resposta Alternativa), da Companhia de Dança Contemporânea de Évora e da Passos e Compassos – DançArte
(8)Como é o caso da Companhia de Dança de Lisboa
(9)Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, cit.,p.60
(10)Nas palavras de SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, Vol. I, Lisboa, 1982, p. 255
(11)A saber : avacaria.Associação LP, Lugar Presente; Anjinhos C.A.D.A.;Dança do Noroeste; Projecto Dança de Aveiro; Leviteatro; Centro em Movimento; Acento; Projecto “Pela dança”;Companhia de Dança de Oeiras e Projecto “Ai! A Dança”.
(12) Companhia de Dança de Lisboa
(13) Refiro-me à Norte Dança e ao Núcleo Arquipel de Criação
(14) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra,1993,p. 936
(15) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constiuição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 936
(16)Cfr. O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Coimbra,1991,p.136
(17)Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., loc. cit.