Presidente da Câmara Municipal de Gondomar
Número: 33/A/98
Processo: 742/89
Data: 20.05.1998
Àrea: A1

Assunto: URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – ALVARÁ DE LOTEAMENTO – ALTERAÇÃO – PARECER OBRIGATÓRIO – NULIDADE – DEMOLIÇÃO

Sequência: Acatada

I – Exposição de Motivos

1. Foi apresentada neste Órgão do Estado uma queixa contra a construção de dois anexos no lote… do loteamento da Rua do … em Baguim, freguesia de Rio Tinto, concelho de Gondomar.

2. Na instrução do processo procedeu-se à audição da Câmara Municipal de Gondomar, da Direcção Geral do Ordenamento do Território, e da Comissão de Coordenação da Região Norte, tendo-se concluído o seguinte:

a) Em … de 1978, a Câmara Municipal de Gondomar deliberou autorizar o loteamento sito na Rua do … , em Baguim, freguesia de Rio Tinto, ficando prevista a divisão do terreno em quatro lotes destinados a habitação com construção em dois pisos.

b) Tal deliberação teve como fundamento a informação final prestada em … de 1978 pelos Serviços Técnicos de Obras da Câmara Municipal de Gondomar, a qual determinava em nota d) que “as construções obedecerão rigorosamente à implantação e cérceas aprovadas, assim como ao Regulamento Geral das Edificações Urbanas”. Tal nota afirmava ainda “Admitir-se-à a construção de anexos ou garagens desde que a área não exceda 8% do talhão”.

c) Na sequência de tal deliberação foi emitido o alvará de loteamento n.º … /78 que titulou a operação de loteamento referida.

d) Com base na informação final que veio a ser incorporada na deliberação da Câmara Municipal de Gondomar de aprovação do loteamento em causa, os proprietários dos lotes construiram anexos; o proprietário do lote … terá começado por construir dois anexos, um para garagem, outro para arrumos, com a área total de 28 m2, a qual não excedia os 8% da área do lote.

e) Posteriormente o referido proprietário do lote … veio a construir outros dois anexos, alegadamente para arrumos e adega, com uma área de 9,00 x 7, 50m.

f) As obras de construção destes últimos anexos foram iniciadas sem licença, tendo sido embargadas em … de 1987.

g) Em … de 1987, o proprietário foi notificado para proceder à sua legalização apresentando projecto de construção no prazo de 30 dias.

h) Tendo o proprietário apresentado o projecto requerido, em … de 1987, foi o mesmo aprovado em … de 1987, e licenciados os anexos para arrumos e adega em … de 1988 (licença n.º …/88).

2. O acto de legalização veio a ser contestado em 1989, sem que, até à data, e não obstante as múltiplas diligências efectuadas junto dessa Câmara Municipal pela Provedoria de Justiça, pela Direcção-Geral do Ordenamento do Território e pela Comissão de Coordenação da Região Norte, fossem obtidos quaisquer resultados.

3. O departamento jurídico da Câmara Municipal de Gondomar considera por informação datada de Dezembro de 1996, que a legalização do referidos anexos se traduz numa alteração ao alvará de loteamento n.º … /79, à qual se aplica o disposto no Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro.

Reconhecendo a ilegalidade do acto de aprovação do pedido de licenciamento ex post, aquele departamento jurídico afirma que o Decreto-Lei n.º 400/84 “não comina com a nulidade tal tipo de situação, nem parece enquadrar-se nos tipos de actos nulos previstos no art. 133º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 15 de Novembro – CPA”, para concluir que, sendo o acto apenas anulável, não pode ser revogado pela Câmara Municipal por já ter decorrido mais de um ano desde a sua emissão.

Estranha se vem a revelar esta posição, porquanto ao longo dos diversos anos que durou a instrução do processo, sempre havia esse órgão autárquico considerado improcedente a queixa com fundamento na validade do acto de legalização.

4. Não é esta, porém, a conclusão a extrair dos factos acima enunciados, como veio a reconhecer o departamento jurídico da Câmara Municipal de Gondomar na informação citada. Face aos factos descritos, torna-se evidente que a licença de legalização n.º …/88 viola uma das condicionantes da aprovação da operação de loteamento, uma vez que a área dos anexos autorizados excede os 8% de área de implantação do lote previstos na alinea d) das notas da informação jurídica que esteve na base da deliberação de concessão do alvará de loteamento.

5. As prescrições constantes da informação jurídica referida constituem os condicionamentos da operação de loteamento, os quais devem ser respeitados pela entidade licenciadora na concessão de licenças de construção para a área sujeita à operação de loteamento.

6. Como se sabe, a licença de loteamento tem nesta medida efeitos que excedem o da mera autorização de divisão do terreno em lotes funcionando como parâmetro conformador das obras de construção civil que venham a ser realizadas na área em questão. Por outras palavras, as prescrições constantes do alvará de loteamento constituem um dos parâmetros aferidores da validade das licenças de construção que venham a ser emitidas. “Na medida em que define a disciplina urbanística aplicável a uma determinada parcela do território, a licença de loteamento assume verdadeira natureza regulamentar própria de um instrumento de planeamento urbanístico” (ALMEIDA, António Duarte de, et al Legislação Fundamental de Direito do Urbanismo, II, 1994, p. 641).

7. Significa isto que o acto de licenciamento “ex post” da Câmara Municipal de Gondomar que legalizou uma construção em violação dos condicionamentos impostos no licenciamento da operação de loteamento não pode deixar de ser considerado ilegal, devendo colocar-se a questão de saber se estamos perante um acto meramente anulável ou perante um acto nulo.

8. Contrariamente ao afirmado pela Câmara Municipal de Gondomar na informação anexa ao ofício n.º … , de … .97, o Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, o acto de legalização contestado é nulo, por aplicação do disposto nos arts 53º, n.ºs 1 e 2, e 65º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 400/84. Na medida em que a operação de loteamento concernente ao alvará n.º … /78, estava sujeita a parecer prévio da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, nos termos do art. 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, a licença de construção envolveu também desrespeito por aquele parecer.

As prescrições constantes do alvará de loteamento podem ser alteradas a requerimento do interessado, a qualquer momento, devendo, porém, a alteração seguir o processo previsto para o requerimento inicial da licença de loteamento (art. 53º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 400/84). Como a operação de loteamento em análise obteve parecer prévio favorável da extinta Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, o processo de alteração não podia dispensar nova audição do competente serviço da Administração Central.

9. Não contendo o Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril, norma idêntica aquela que actualmente se encontra contida no art. 52º, n.º 1, alínea b), do regime aprovado Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, que comina com a nulidade os actos administrativos que violem o disposto em alvará de loteamento, e por aplicação da doutrina de que a nulidade só ocorria nos casos expressamente previstos na lei, seriam meramente anuláveis por vício de violação de lei, na vigência do regime de licenciamento de obras particulares constante do Decreto-Lei n.º 166/70, os actos administrativos que dispusessem contra as prescrições do alvará de loteamento.

10. Sendo o regime da cominação com a nulidade constante do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, exclusivamente aplicável aos actos de licenciamento praticados em data posterior à da entrada em vigor deste diploma, nem prejudicando, com isso, a sanação dos correspondentes vícios de actos anteriores à sua vigência, certo é que no âmbito do Decreto-Lei n.º 166/70, constituía entendimento pacífico do Supremo Tribunal Administrativo e da Procuradoria-Geral da República, que o licenciamento de obras desconforme com as prescrições do alvará de loteamento implicitamente procedia a uma alteração daquelas prescrições, pelo que lhes seria aplicável a norma que determinava a nulidade dos actos respeitantes a operações de loteamento urbano que não fossem precedidos de parecer da competente entidade da administração central (Acordão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.7.1987, in AD, XXVII, Abril de 1988, n.º 316, p. 454, e Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 124/90, in DR, 2ª série, n.º 155, p. 7190).

11. Desta forma se pronunciou em … , de 1994 (Informação n.º … /94/…), a Direcção-Geral do Ordenamento do Território a propósito do acto de legalização contestado. Ali se referia que estando a operação de loteamento sujeita a parecer prévio da ex-DGPU, “as licenças de construção não poderiam deixar de observar os termos definidos naquele parecer – sob pena de, através desse estratagema, se proceder, de facto, a uma alteração às condições do licenciamento do loteamento, tal como foram autorizadas pela ex-DGPU. Assim, o acto camarário que licenciou a construção, violou o disposto no art. 53º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 400/84, sendo nulo nos termos previstos no art. 65º, n.º 1, do mesmo diploma”.

12. Não foi, contudo, a Câmara Municipal de Gondomar sensível à argumentação acima expendida nos diversos contactos mantidos, nem com a Direcção-Geral do Ordenamento do Terrritório nem com a Comissão de Coordenação da Região Norte, nem tão pouco com a Provedoria de Justiça no decurso da instrução do processo ora concluída.

13. Não posso, porém, deixar de insistir junto de V. Exa. para que sejam adoptadas as medidas de tutela da legalidade urbanística que o caso reclama. Não se trata, apenas, de uma questão formal, de respeito pela legalidade vigente. Com efeito, a densidade de ocupação de solo que veio a ser autorizada ao proprietário infractor, excede em cerca de 50% aquela que é permitida para os demais lotes. “Ora essa situação é, do ponto de vista urbanístico, incorrecta e inaceitável e, ganha foros de absurdo, ao constatar-se que a área dos anexos é superior à da própria habitação” (Informação de … .95, da DROT/DGT). Sendo objectivamente inaceitável do ponto de vista urbanístico, o acto administrativo em questão viola, também, de forma flagrante o princípio da igualdade, porquanto aos proprietários de lotes iguais são permitidas densidades de ocupação do solo perfeitamente díspares, sem que haja qualquer fundamento que justifique esta diferença de tratamento.

14. Sendo nulo o acto de legalização dos anexos, deve a Câmara Municipal de Gondomar declarar a respectiva nulidade (art. 134º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo) e dessa declaração extrair os correspondentes efeitos. Deixando de se encontrar fundadas no acto de legalização e por serem materialmente ilegais, as construções não podem subsistir, nada mais restando à Câmara Municipal que ordenar a respectiva demolição (art. 165º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei 38.382, de 7 de Agosto de 1951, e art. 58º, do Regime Jurídico do Licenciamento Municipal de Obras Particulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro).

II – Conclusões

De acordo com o exposto, e no uso dos poderes que me são conferidos pelo art. 20º, n.º 1, al. a), do Estatuto do provedor de justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO,

1º Que, de acordo com o disposto no art. 134º, n.º 2, do Código do Procedimento administrativo, seja declarada a nulidade da licença n.º … /88, que legalizou as obras contestadas;

2º Que seja instaurado o procedimento de demolição das construções, com fundamento em quanto se dispõe no art. 58º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e no regime contido no Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio, que regula a execução das ordens de demolição.

Recordo, por fim, a V. Exa. o dever contido no art. 38º, n.º 2, do referido Estatuto do Provedor de Justiça, para o qual me permito pedir a melhor atenção.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL