Presidente da Junta de Freguesia dos Mosteiros
Número: 23/A/98
Processo: 2144/97
Data: 06.04.1998
Área: Açores

Assunto: URBANISMO E OBRAS – DESMANTELAMENTO DE PORTÃO – COMPETÊNCIA DAS FREGUESIAS – LICENCIAMENTO – INCOMPETÊNCIA – FALTA DE ATRIBUIÇÕES – ACTO NULO – SERVIDÃO DE PASSAGEM

Sequência: Não Acatada

I – Exposição de Motivos

1. Em … .1997 foi aberto processo neste Órgão do Estado (Extensão da Região Autónoma dos Açores) em virtude de reclamação relativa a deliberação autárquica de desmantelamento de um portão existente no prédio rústico denominado “…”, sito na Rua do … ou … , em Mosteiros.

2. A queixa referia que, não obstante ter sido licenciada a obra de colocação do mencionado portão, o proprietário fora, em … /97, notificado para proceder ao seu desmantelamento.

3. Ainda nos termos da reclamação, a deliberação de desmantelamento proviera da Junta de Freguesia de Mosteiros.

4. Atendendo ao facto das juntas de freguesia não disporem de competências no âmbito do licenciamento de obras particulares, a autarquia visada foi inquirida, pelo ofício n.º…, de …/97, sobre as razões que haviam conduzido à reclamada deliberação.

5. A Junta de Freguesia de Mosteiros respondeu informando ter sido aberto inquérito sobre os mesmos factos, o qual fora arquivado “por inexistência de facto punível”, conforme decisão do Ministério Público. Esclarecida a autarquia sobre a irrelevância, em termos estatutários, daquele procedimento judicial para a actuação do provedor de justiça (cfr. ofício n.º …, de … /98, deste Órgão do Estado), a Junta de Freguesia de Mosteiros veio explanar o seu entendimento sobre a inexistência de licenciamento camarário da obra de construção do portão, nada adiantando sobre a alegada deliberação de desmantelamento do portão.

6. Entretanto, a Câmara Municipal de Ponta Delgada prestou os seguintes esclarecimentos sobre os factos controvertidos:

a)A obra de construção de um portão no prédio rústico denominado “…”, sito na Rua do … ou …, em Mosteiros) “foi autorizada conforme despacho de … de 1996” [cfr. alínea a) do ofício n.º … , de … /98)];

b) “Não houve lugar a licenciamento” [alínea b) do mesmo ofício];

c) “O desmantelamento do portão existente não foi determinado [pela] Câmara” [alínea c)].

7. O Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro – cuja redacção foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro – estabelece o regime jurídico das obras particulares e define, como princípio geral, a obrigatoriedade de licenciamento camarário de todas as obras de construção civil, designadamente a construção de novos edifícios e a reconstrução, a ampliação, a alteração e a reparação de edificações [cfr. art. 1º, n.º 1, alínea a)].

8. Nos termos do disposto no art. 50º-A, ao processo de licenciamento das obras de demolição de edificações aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime fixado para as restantes obras.

9. Nos termos do disposto no art. 2º, do regime jurídico do licenciamento de obras particulares, o licenciamento de obras de construção civil compete à câmara municipal. Também o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, dispõe que a execução de novas edificações “não pode ser levada a efeito sem prévia licença das câmaras municipais, às quais incumbe também a [sua] fiscalização” (cfr. art.s 1º e 2º).

10. A tramitação do processo de licenciamento vem definida no Capítulo II.

11. O art. 51º, do citado Decreto-Lei n.º 445/91, atribui às câmaras municipais a incumbência de fiscalizar o cumprimento das disposições do regime legal urbanístico, em colaboração com as autoridades administrativas e policiais. Assim, era também competência da Junta de Freguesia de Mosteiros, a fiscalização da legalidade urbanística na âmbito da obra em causa, incluída em área da sua jurisdição.

12. Não estamos, no âmbito do presente processo, perante uma situação enquadrável na previsão do art. 52º. Com efeito, os actos administrativos que decidam pedidos de licenciamento apenas são anuláveis nos termos do n.º 1 do art. 52º quando não tenham sido precedidos de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigíveis.

E apenas estão feridos de nulidade, nos termos do disposto no n.º 2, os actos administrativos que decidam pedidos de licenciamento que não estejam em conformidade com os pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações legalmente exigíveis, que violem planos regionais de ordenamento do território, planos municipais de ordenamento do território, normas provisórias, áreas de desenvolvimento urbano prioritário, áreas de construção prioritária ou alvarás de loteamento em vigor ou sem que o requerente apresente documento comprovativo da aprovação da administração central, se necessária.

É apenas quanto a estes actos que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 53º (epigrafado “participação”), “quem tiver conhecimento de actos administrativos nulos ou anuláveis, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo anterior, deve deles informar o Ministério Público, para efeitos de interposição do competente recurso contencioso (…)”.

13. Mas mesmo que se entenda estar excluída a possibilidade, fora dos casos atrás descritos, de ser suscitada a intervenção do Ministério Público, a Junta de Freguesia de Mosteiros poderia ter promovido a anulação, mediante impugnação em recurso contencioso, da deliberação camarária que julgava inválida. E, nos termos do disposto no art. 27º, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público, mediante vista dos autos ou em requerimento, poderia ter intervindo naquele procedimento.

14. Alternativamente, poderia a Junta de Freguesia de Mosteiros ter comunicado à Câmara Municipal de Ponta Delgada o seu entendimento relativamente ao licenciamento camarário da obra de construção do portão. E porque em desacordo com a decisão de licenciamento, poderia a Junta, nos termos da lei e no âmbito das suas atribuições, ter solicitado à Câmara Municipal a reapreciação da matéria em apreço. Tal circunstância teria possibilitado a revogação, em tempo, do acto que autorizara a construção do referido portão.

15. Apesar da Câmara Municipal de Ponta Delgada distinguir entre autorização e licenciamento – afirmando ter sido dada a primeira inexistindo o segundo (cfr. ofício n.º …, de … /98) – estamos na presença, no que concerne a actuação da câmara municipal, de um acto de licenciamento anulável.

Na terminologia de FREITAS DO AMARAL (cfr. Direito Administrativo III) trata-se de uma situação de incompetência por falta de competência, ou incompetência relativa: prática, por um órgão administrativo, de um acto incluido na competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva. Na realidade, a competência para licenciar as obras de construção civil é da câmara municipal, nos termos do disposto na n.º 1 do art. 2º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e não pode ser exercida por um vereador, isoladamente.

16. O que a Junta não poderia ter feito era deliberar sobre o desmantelamento do portão e comunicar a sua decisão – correspondente a uma intimação para um comportamento – ao proprietário.

17. Porque relativo a matéria estranha às atribuições da Junta de Freguesia, o acto que decidiu o desmantelamento do portão é nulo, nos termos do disposto no art. 133º, n.º 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo. Com efeito, esta incompetência absoluta, ou incompetência por falta de atribuições (cfr. FREITAS DO AMARAL, ob. cit.), existe quando o vício consiste na prática, por um órgão administrativo, de um acto incluido nas atribuições de pessoa colectiva distinta daquela em que o órgão está integrado.

18. Esta situação corresponde, igualmente, à previsão constante da alínea a) do n.º 1 do art. 88º, do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março.

19. Uma vez que resulta da instrução do processo que o proprietário desmantelou o referido portão, deve a Junta de Freguesia de Mosteiros providenciar pela sua reposição, suportanto os respectivos custos.

20. Devo esclarecer, por fim, que o presente processo não averiguou a controvertida questão da servidão de passagem. O objecto da reclamação foi, tão somente, a da validade dos actos administrativos de licenciamento da construção de portão, e do respectivo desmantelamento. A alegada servidão constitui matéria que deve, se for esse o entendimento dos interessados, ser resolvida em sede judicial.

II – Conclusões

21. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artº 20º, n.º 1, alínea a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

A. Que a Junta de Freguesia de Mosteiros providencie a reposição da situação existente antes do desmantelamento do portão erigido no prédio rústico denominado “…”, sito na … ou …, em Mosteiros;

B. Que a Junta de Freguesia de Mosteiros, caso entenda existir uma servidão de passagem no local onde foi construído o mencionado portão, faça uso dos meios judiciais próprios para fazer valer o direito eventualmente violado.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL