Presidente da Câmara Municipal da Horta
Número: 6/A/98
Processo: 3003/97
Data: 20.02.1998
Área: Açores

Assunto: URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – LICENÇA DE CONSTRUÇÃO – CONTRA-ORDENAÇÃO – PODER VINCULADO DA CÂMARA MUNICIPAL – LEGALIZAÇÃO

Sequência: Acatada

I – Exposição de Motivos

Os factos

1. Foi aberto processo neste Órgão do Estado (Extensão da Região Autónoma dos Açores) em virtude de reclamação relativa a obras particulares realizadas no edifício sito na Rua …, na Horta.

2. A queixa referia terem sido realizados trabalhos de construção de dois terraços (um, cujo parapeito incidia directamente sobre o prédio contíguo e, outro, que alegadamente desrespeitava as disposições urbanísticas sobre afastamentos).

3. Acrescidamente, era reclamada a ausência de resposta a requerimento apresentado, em …/96, sobre esta questão (os exponentes eram a senhora D. M… e o senhor R…).

4. Através do ofício n.º …, de …/97, a Provedoria de Justiça solicitou esclarecimentos à Câmara Municipal da Horta, sobre:

– O licenciamento das obras reclamadas (dois terraços no n.º … da Rua …) e a data de emissão do respectivo alvará de licença de construção;

– A data de início dos trabalhos;

– Os procedimentos tomados em ordem à reposição da legalidade urbanística, caso a obra tivesse sido iniciada em período anterior ao licenciamento;

– A resposta ao requerimento apresentado em …/96.

5. A resposta da Câmara Municipal da Horta, constante do ofício n.º …, de …/97, informou que:

a) A licença de construção relativa àquela obra de alteração de moradia e substituição de cobertura de anexo foi emitida pela Câmara Municipal da Horta em …/96;

b) Os serviços camarários comprovaram, na sequência de queixa dos vizinhos, o incumprimento dos termos do projecto de construção civil previamente aprovado;

c) Não foi instaurado procedimento contra-ordenacional (o supra citado ofício da Câmara Municipal da Horta apenas refere ter sido a proprietária “notificada de que deveria respeitar o projecto aprovado”, sendo totalmente omissa quanto ao processo por ilícito de mera ordenação social).

6. A mesma comunicação camarária refere que:

“- Em … de 1996 foi apresentado um pedido de informação prévia para alteração do projecto, tendo-lhe sido indicadas quais as condições a que o mesmo deveria obedecer. Em … de 1996 foi apresentado o projecto de arquitectura respeitante às alterações o qual foi aprovado em … .

– Em … do mesmo ano foi apresentada nova reclamação pelo que em … a fiscalização voltou ao local, verificando que a obra prosseguia sem projecto aprovado, notificando a dona da obra uma vez mais.

– Em … de 1997 foram apresentados (…) os projectos de especialidade relativos à arquitectura aprovada em … de 1996. Na sequência, a fiscalização deslocou-se uma vez mais à obra mas foi-lhe impedida a entrada. Contudo através do prédio vizinho comprovou que a obra recomeçara a nível do terraço, mantendo-se as infracções iniciais.

Face a esta verificação foram a dona da obra e o engenheiro responsável notificados para comparecer a uma reunião, o que só se verificou relativamente ao segundo que declarou não lhe ter sido possível fazer cumprir o projecto”.

O Direito

7. O Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro – cuja redacção foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro – estabelece o regime jurídico das obras particulares e define, como princípio geral, a obrigatoriedade de licenciamento camarário de todas as obras de construção civil, designadamente a construção de novos edifícios e a reconstrução, a ampliação, a alteração e a reparação de edificações [cfr. art. 1º, n.º 1, alínea a)].

8. O Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, dispõe que a execução de novas edificações “não pode ser levada a efeito sem prévia licença das câmaras municipais, às quais incumbe também a [sua] fiscalização” (cfr. art.s 1º e 2º).

9. Também o art. 51º, do citado Decreto-Lei n.º 445/91, atribui às câmaras municipais a incumbência de fiscalizar o cumprimento da disciplina legal urbanística.

10. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 54º, deste diploma, a execução de obras de construção civil em desconformidade com o projecto aprovado constitui contra-ordenação, punível com coima graduada de 50.000$00 até ao máximo de 20.000.000$00, no caso de pessoa singular, ou até 50.000.000$00, no caso de pessoa colectiva (cfr. n.º 3 do preceito em causa).

11. Assim, a verificação da execução de trabalhos de construção civil em desconformidade com o projecto aprovado não pode deixar de conduzir, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 54º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, à instauração de processo contra-ordenacional.

12. A decisão de instaurar o competente procedimento contra-ordenacional constitui, perante a verificação dos necessários pressupostos, poder vinculado da câmara municipal.

13. Da conjugação das disposições dos art.s 51º e 54º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e do art. 2º, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, resulta que o processamento de contra-ordenação assume, na situação em apreço, carácter vinculado uma vez que sendo a Câmara Municipal da Horta competente para o processamento da respectiva contra-ordenação e tendo comprovado a violação do disposto no art. 1º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, não pode deixar de instaurar aquele procedimento.

14. Não obstante, nos termos do disposto no art. 167º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, pode ser requerida a legalização dos trabalhos realizados em desrespeito pelas pertinentes disposições urbanísticas.

15. No entanto, a legalização destes trabalhos de construção civil apenas poderá ocorrer caso se “reconheça que são susceptíveis de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade” (cfr. art. 167º, n.º 1, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951).

16. A legalização das obras realizadas em desconformidade com os termos da licença é o único meio de evitar a demolição dos trabalhos ilicitamente erigidos (cfr. corpo do mencionado art. 167º) mas somente se se verificar a susceptibilidade dos trabalhos realizados virem a conformar-se com as disposições relativas a urbanização, estética, segurança e salubridade. Caso não possa ser evitada, nos termos do disposto no mencionado artigo, por não estarem reunidas as condições para a legalização, a consequência será, obrigatoriamente, a demolição dos trabalhos realizados sem a necessária licença camarária, ao abrigo do disposto no art. 165º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

17. Importa lembrar V.Exa. que a legalização das obras (prevista no Regulamento Geral das Edificações Urbanas) constitui uma faculdade diferente do aditamento ao projecto inicial (que segue os trâmites do Regime Jurídico do Licenciamento das Obras Particulares) ou da apresentação de novo projecto.

18. No caso em apreço, tendo sido realizadas obras particulares em desconformidade com os termos do alvará de licença existe a possibilidade de legalização das obras, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 167º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, caso se “reconheça que são susceptíveis de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade” (cfr. 167º, n.º 1, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951).

19. Esta legalização das obras realizadas em desconformidade com a licença é o único meio de evitar a demolição dos trabalhos ilicitamente erigidos (cfr. corpo do mencionado art. 167º).

20. Nos termos do disposto no art. 57º, V.Exa., senhor Presidente da Câmara Municipal da Horta, é competente para embargar as obras executadas em violação à disciplina constante do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro. Acresce que, nos termos do disposto no art. 59º, do mesmo diploma, o desrespeito do acto administrativo que determine o embargo constitui crime de desobediência.

21. Por fim, chamo a atenção de V.Exa. para a necessidade de ser assegurada a efectivação dos direitos de participação e de colaboração da Administração com os particulares (vide art.s 7º e 8º, do Código do Procedimento Administrativo), para além da concretização do direito à informação (art. 61º e seg.s) o que, no caso em apreço, se concretiza mediante resposta escrita às solicitações dos interessados.

II – Conclusões

22. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do ponder que me é conferido pelo disposto no artº 20º, n.º1, alínea a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

A) Que seja instaurado processo contra-ordenacional, face à verificação de que a proprietária do edifício sito na Rua … , na Horta, fez obras de construção civil em desconformidade com os termos da licença camarária emitida em …/96;

B) Que seja determinado o embargo das obras executadas edifício sito na Rua …, na Horta, em desconformidade com os termos da licença camarária emitida em …/96;

C) Que, caso tal seja requerido, seja ponderada a susceptibilidade das obras realizadas satisfazerem os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade, por forma a ser promovida a legalização daqueles trabalhos de construção civil;

D) Que, caso não estejam reunidas as condições urbanísticas, de estética, de segurança ou de salubridade indispensáveis para a legalização, seja promovida a demolição dos trabalhos realizados em desconformidade com os termos da licença camarária emitida em …/96.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL