Director-Geral dos Impostos

Número: 2/A/98
Processo: 1480/91
Data: 28.01.1998
Área: A2

Assunto: CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – IRS – DESPESAS DE SAÚDE – QUOTIZAÇÕES – INSTITUIÇÕES PRESTADORAS DE SERVIÇOS MÉDICOS.

Sequência: Acatada

No âmbito de processo aberto na Provedoria de Justiça com base em queixa de um cidadão versando sobre o tema em epígrafe, foram comunicados a este órgão do Estado os fundamentos da posição adoptada pela DGCI quanto aos encargos suportados com quotizações para organizações que prestam serviços médicos aos respectivos associados.

No caso em apreço, tratava-se da organização designada “…, Lda.”, tendo sido remetida à Provedoria de Justiça, a este respeito, a informação n.º … 95, procº … 91, da DSIRS.

Na douta informação em apreço, a recusa de aceitação, como despesas de saúde, dos encargos suportados com as quotizações para aquela instituição, é justificada pelo facto de tais quotizações não consubstanciarem nem um acto curativo, nem uma medida destinada a prevenir uma doença nem, por último, um serviço de reabilitação.

Distinguindo entre o pagamento da quota e o pagamento da prestação do serviço médico que aquela instituição efectua quando para tal é solicitada pelos respectivos associados ou por terceiros, tem a administração fiscal vindo a considerar que apenas a segunda (a contraprestação de um serviço médico concreto) é susceptível de abatimento ao rendimento do agregado familiar como despesa de saúde, ao abrigo do disposto no artigo 55º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, enquanto que o pagamento da quota, por não ter subjacente qualquer acto médico curativo, preventivo ou de reabilitação, ficaria de fora da previsão legal constante da mesma disposição legal (cfr. pontos 14. A 17. da informação IRS-1137/95, supra mencionada).

Ocorre que, no caso concreto da sociedade “… Lda.”, o pagamento da quota (actualmente no valor de 1.300$00 mensais) dispensa o associado do pagamento de qualquer outro valor a título de contraprestação pelo serviço médico que lhe seja prestado pelos respectivos médicos, quer tal serviço seja prestado ao domicílio, quer seja prestado nas instalações da referida instituição.

Pelo contrário, se os mesmos serviços médicos forem prestados a não sócios, será cobrada uma contraprestação pela prestação de tais serviços, de valor que actualmente se situa nos 8.000$00, para serviços prestados até à meia-noite, e nos 10.000$00, para serviços prestados a partir daquela hora.

Temos, pois, que da aplicação da doutrina até agora perfilhada pela DGCI acerca deste assunto resulta que o cidadão que efectua o pagamento da quota mensal para a organização “… Ldª”, ainda que seja assistido pelos respectivos médicos várias vezes por ano, não poderá nunca apresentar qualquer valor a título de despesas de saúde relacionadas com tal assistência, enquanto que o cidadão não associado – obrigado, por isso, a efectuar o pagamento das consultas à medida que vai recorrendo aos serviços dos médicos daquela instituição – poderá inscrever na sua declaração de IRS, a título de despesas de saúde, o valor despendido como contrapartida da prestação dos mesmos serviços e com o objectivo de protecção do mesmo bem: a saúde.

É por crer que as desigualdades e injustiças decorrentes desta interpretação e aplicação do conceito de despesas de saúde podem ser evitadas, que me dirijo agora a V. Exª.

No caso da instituição acima mencionada, o pagamento da quota apresenta-se como um encargo directamente ligado à prestação de serviços médicos concretos, já que dispensa o associado do pagamento de qualquer outra contraprestação relativamente aos actos médicos de que venha a beneficiar.

Por outro lado, o principal – senão único – objectivo subjacente ao pagamento da quota, é assegurar a prestação de serviços médicos por um preço fixo, sem que do seu pagamento advenham quaisquer outros benefícios ou vantagens.

Não pode, pois, deixar de concluir-se que, ao efectuar o pagamento da quota, o associado da organização ” …, L.da.”, está, no fundo, a efectuar o pagamento de um acto médico, ao qual não corresponderá qualquer outra contraprestação para além da realizada mediante o pagamento da quota. O mesmo é dizer que, ao receber do associado o valor da quota, a referida organização mais não faz do que cobrar um valor fixo pela realização – ainda que eventual – de um ou mais actos médicos.

Mas é ainda possível ir um pouco mais longe. Conforme já foi sobejamente afirmado, no caso concreto da associação “…, L.da.”, o pagamento da quota dispensa o associado do pagamento de qualquer outro valor a título de contrapartida pela prestação de cuidados médicos.

Porém, ainda que assim não seja (isto é, mesmo que, para além da quota, o associado seja obrigado a efectuar o pagamento – total ou parcial – de cada acto médico de que venha a beneficiar), desde que o pagamento da quota se apresente como condição essencial à obtenção dos serviços prestados pela instituição que a cobra, sempre será inegável a estreita conexão entre o pagamento dessa quota e a obtenção dos cuidados médicos que o associado quer garantir, pelo que também os encargos com o pagamento deste tipo de quotas devem ser considerados despesas de saúde.

Pela estreita ligação a este último caso, cabe aqui mencionar algumas considerações tecidas numa outra informação da Direcção de Serviços do IRS, à qual foi atribuído o n.º …/91, proc. n.º …, E.G. n.º …/91 e que foi sancionada por despacho de … 91, do Exmº Subdirector-Geral.

Muito embora tal informação tenha sido elaborada com o objectivo de apreciar os exactos termos em que os encargos com tratamentos ministrados em estabelecimentos termais seriam de considerar despesas de saúde para efeitos de IRS, as conclusões alcançadas acerca do assunto partiram de uma análise prévia do conceito de “despesas de saúde”, relevante para o caso vertente. Aí se afirma que:

” … o conceito indeterminado de “despesas de saúde” abarca todas as importâncias directamente decorrentes da obtenção de cuidados no âmbito da medicina preventiva, curativa e de reabilitação, bem assim como as resultantes de actos conexos que se revelem indissociáveis da fruição desses benefícios.” (sublinhado meu).

É este mesmo critério de conexão e indissociabilidade que permite – e bem – que os encargos com deslocações, por exemplo, sejam também considerados, em determinados casos, despesas de saúde.

Da aplicação do mesmo critério ao caso em apreço, resulta que o pagamento de quotas não pode deixar de ser considerado despesa de saúde sempre que essas quotas sejam condição essencial à obtenção dos cuidados médicos que o associado quer garantir, por ser manifesta, neste caso, a conexão existente entre o pagamento da quota e a obtenção dos cuidados de saúde prestados pelos profissionais da associação que recebe o valor da quota.

Dito de outra forma, e recorrendo à terminologia da informação supra citada, parece-me não haver dúvidas quanto ao facto de o pagamento da quota consubstanciar um acto conexo e indissociável da fruição dos cuidados médicos que o cidadão quer assegurar.

A não aceitação destes encargos como despesas de saúde não poderá, tão pouco, ser fundamentada por preocupações de prevenção e combate da evasão fiscal.

Concordo, evidentemente, com a importância de prevenir e combater a evasão fiscal, conhecidos que são os seus efeitos em termos de decréscimo da confiança dos cidadãos no sistema fiscal e de criação de situações de desigualdade entre os contribuintes.

Creio,porém,que a prossecução de tal objectivo não pode ser sinónimo de interpretação restritiva de normas como a agora em apreço, nem, tão pouco, de excessiva rigidez na definição de conceitos legais.

A prevenção e o combate de situações de evasão fiscal concretizar-se-ão com menor risco de criação de desigualdades e injustiças, se forem antes privilegiadas as acções de fiscalização destinadas a apurar se as despesas declaradas pelos contribuintes decorreram, efectivamente, da satisfação de necessidades do tipo das que o legislador considerou merecedoras de protecção.

Essencial será, no caso em apreço, apurar se o abatimento das despesas decorrentes do pagamento de quotas para instituições que prestam serviços médicos consubstancia, ou não, um aproveitamento indevido ou abusivo da norma que prevê a possibilidade de abatimento das despesas de saúde do sujeito passivo e do seu agregado familiar. Ou seja, importa aferir se o abatimento destas despesas desvirtua, de alguma forma, o espírito da norma constante do artigo 55º, n.º 1, alínea a), do CIRS.

A resposta não pode deixar de ser negativa, já que o bem protegido através da realização de tais despesas – a saúde – é indiscutivelmente aquele cuja protecção levou a que fosse introduzida, no Código do IRS, a norma constante do seu artigo 55º, n.º 1, alínea a).

Pelo exposto,

RECOMENDO

Que as quotas pagas a organizações que prestam serviços médicos aos seus associados sejam consideradas despesas de saúde, nos termos e com base nos fundamentos que seguidamente se resumem:

1. Nos casos em que o pagamento de quotas dispensa o sócio do pagamento de qualquer outra contraprestação relativamente aos actos médicos de que venha a beneficiar (como acontece no âmbito da organização “… L.da.”), porque o pagamento de tais quotas consubstancia o pagamento do próprio acto médico, pelo que a sua relevância para efeitos fiscais deve ser equiparada à dos encargos suportados com o pagamento de qualquer outro acto médico concreto.

2. Nos casos em que o pagamento de quotas é condição essencial à obtenção dos cuidados médicos que o associado quer garantir (e ainda que, para além da quota, o associado seja obrigado a efectuar o pagamento – total ou parcial – de cada acto médico de que venha a beneficiar), porque a conexão e indissociabilidade entre o pagamento de tais quotas e a obtenção deste tipo de cuidados são manifestas, tendo plena aplicação o princípio, pacificamente aceite pela administração fiscal, de que as despesas resultantes de actos conexos que se revelem indissociáveis da fruição de benefícios do foro médico deverão ser consideradas despesas de saúde.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL