Primeiro Ministro

R-2279/90 ( DI-43 )
Rec. nº 28/B/95
Data:19.07.95
Área: A1

Assunto:DIREITO COMUNITÁRIO – TRANSPOSIÇÃO DE DIRECTIVA – PUBLICAÇÃO DO TEXTO NA ÍNTEGRA – NÃO REMISSÃO PARA O TEXTO.

Sequência:Não acatada

1-EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
A) Dos factos

A Portaria nº 725/90, de 21 de Agosto ( que alterou o anexo I da Portaria nº 1009/89, de 21 de Novembro e que veio a ser revogada pela Portaria nº 906/92, de 21 de Setembro ) visava a alteração de algumas das condições de aplicação da Directiva nº 88/76/CEE por forma a compatibilizá-la com as disposições constantes da Directiva nº 89/485/CEE, que fixa os valores limite dos gases de escape provenientes de veículos automóveis de cilindrada inferior a 1400 cm3 e estabelece o alinhamento daqueles valores para as restantes cilindradas, sem no entanto proceder à publicação dos seus textos.

A Portaria nº 1070/90, de 24 de Outubro, ao pretender transpor para o Direito nacional a Directiva nº 88/320/CEE, relativa à inspecção e verificação das boas práticas de laboratório, remete a dada altura para as boas práticas de laboratório especificadas no anexo 2º da decisão do Conselho da OCDE de 12 de Maio de 1981, sem as reproduzir.

A Portaria nº 223/95, de 27 de Março, transpõe para o ordenamento jurídico nacional as directivas identificadas nos seus anexos I e II, sem dar a conhecer o seu conteúdo.

B) Do Direito

Como se sabe, as directivas são instrumentos de Direito Comunitário que vinculam o Estado membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais, a competência para decidir quanto à forma e aos meios mais adequados para atingir o objectivo pretendido (obrigação de resultado).

Pelas suas características, as directivas são instrumentos privilegiados na harmonização das legislações dos diversos Estados membros, já que promovem a adopção de soluções semelhantes relativamente a matérias que não são objecto de políticas comuns.

As portarias em apreço entraram em vigor quando o Tratado CEE ainda não havia sofrido as alterações que mais tarde lhe seriam introduzidas pelo Tratado de Maastricht.

Assim, à data, as directivas eram obrigatoriamente notificadas aos Estados destinatários, sendo a sua publicação no Jornal Oficial da Comunidade Europeia facultativa – hoje em dia, com a nova redacção dada ao art. 191º do Tratado de Roma, prevê-se que as directivas adoptadas de acordo com o procedimento a que se refere o art. 189-B, bem como aquelas que são dirigidas a todos os Estados membros, serão obrigatoriamente publicadas no JOCE, e as restantes notificadas aos respectivos destinatários.

Pelo que atrás fica exposto, necessário é concluir que o conhecimento por parte dos cidadãos nacionais dos Estados membros do texto das directivas está bastante dificultado.

Com efeito, se é difícil à generalidade das pessoas o acesso ao JOCE (por vezes, até mesmo aos profissionais forenses), mais difícil será ainda o acesso às notificações, no caso em que o texto das directivas não foi publicado.

Tem o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias entendido que produzem efeito directo na esfera individual dos cidadãos as disposições de uma directiva que sejam incondicionais e suficientemente precisas para poderem ser invocadas pelas pessoas interessadas contra qualquer disposição legislativa, regulamentar ou administrativa do direito nacional não conforme à directiva (vide, entre outros, Acórdão de 26.1.1984, proc. nº 301/82, Col. p. 251).

Ora, a dificuldade na tomada de conhecimento, por parte dos cidadãos, do texto das directivas, inviabiliza que o efeito directo vertical das disposições a que acima se fez referência possa ser invocado – razão que porventura determinou a necessidade de publicação oficial das directivas após a entrada em vigor do Tratado de Maastricht.

E o problema surge ainda nos casos em que se vislumbra que algumas das disposições das directivas têm aplicabilidade directa. O que sucederá quando aquelas sejam prescritivas, suficientes (ou seja, quando não é necessário adoptar no quadro comunitário ou na ordem jurídica nacional medidas regulamentares ou legislativas destinadas a completá-las) e claras (vide, entre outros, acórdão de 4 de Dezembro de 1994, nº 41/74, Col. p. 1348).

Os mesmos fundamentos que levaram o legislador constituinte a sancionar com a ineficácia (art. 122º da Lei Fundamental) os actos cuja publicação obrigatória no jornal oficial não fosse respeitada, bem como todos aqueles que sendo de conteúdo genérico e emanados de órgão de soberania, das regiões autónomas e do poder local, não fossem publicitados, deverão prevalecer também no caso em apreço.

É que o que se pretende naquela sede, e aqui se sustenta, é ser o principio da publicidade dos actos de conteúdo genérico indissociável da ideia de Estado de Direito Democrático.

Aliás, não esqueçamos que está o direito dos cidadãos à informação jurídica constitucionalmente consagrado como direito fundamental (art. 20º da Lei Fundamental) sendo certo que o mesmo ficará vazio de conteúdo caso inexistam condições de facilidade de acesso ao conteúdo dos textos transpostos.

De facto, não poderão os cidadãos agir e reagir legitimamente se desconhecem o conteúdo dos actos que lhes são directamente aplicáveis .

Assim sendo, parece-me que, atento o disposto nas normas constitucionais atrás invocadas poderá estar ferida de ineficácia a disposição legal de direito interno que transpõe uma directiva sem reproduzir o seu texto, já que não está a publicitar o conteúdo do acto genérico em si (já que o acto genérico, neste caso, e na prática, acaba por ser o texto da directiva que fica por dar a conhecer oficialmente).

Saliente-se que é de algum modo paradoxal o facto de se exigir a publicação, na íntegra, de projectos de regulamentos (vide art. 118º do Código do Procedimento Administrativo), ao mesmo tempo que se assiste à transposição de actos de Direito Comunitário por mera remissão.

Ainda a este propósito, não posso deixar de recordar as palavras de Antunes Varela proferidas numa prelecção subordinada ao tema Problemas de Redacção e Estilo (in A Feitura das Leis, vol. II, p. 151 e seguintes) quando defende que a norma deve ser clara e precisa, espelhando sem ambiguidades o pensamento do legislador.

Aliás, e na esteira do que aqui é defendido, já se pronunciou o Centro de Estudos Técnicos e Apoio Legislativo da Presidência do Conselho de Ministros (estudo da autoria de Ana Sasseti da Mota e José Santana Lopes) no sentido de:

“As mesmas razões que impedem uma directiva de ser invocada como lei habilitante para a emissão de um acto interno de natureza regulamentar implicam também que não possa ser aceitável uma fórmula genérica de transposição.”

Acrescentando em nota de rodapé: “como é o caso do projecto de diploma que continha uma única norma estatuindo que “É transposta para a ordem jurídica portuguesa a Directiva…” -seguia-se indicação das referências do acto de Direito Comunitário a transpor”.

E prossegue: “No campo dos princípios a razão principal para este impedimento diz respeito ao facto de as disposições das directivas não serem directamente aplicáveis nas ordens jurídicas dos Estados seus destinatários. Por isso necessitam de transposição, não só formal (do acto em si) mas sobretudo da matéria nelas contida: a transposição só é satisfatória se nos Estados destinatários de cada directiva, passar a haver normas jurídicas que estabeleçam a disciplina legal de cada matéria de modo completo e compatível com o Direito Comunitário.”

É esta ordem de razões que leva a considerar a imprescindibilidade de uma maior publicitação do texto das directivas, o que poderia ser levado a cabo com a sua publicação integral no Diário da República (mais não seja em anexo ao acto de transposição) até porque, não descortino inconveniente sério que a isso obste.

II-CONCLUSÕES

São estas as motivações, Senhor Primeiro-Ministro, pelas quais, ao abrigo do disposto no art. 20º, nº 1, al. b) da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, através de Vossa Excelência, RECOMENDO
ao Governo que:

1-A transposição de directivas comunitárias, ainda que publicadas no JOCE, não se opere por mera remissão para o articulado das mesmas, mas seja acompanhada da publicação do seu texto, na íntegra.

2-Sejam republicadas a Portaria Nº 1070/90 de 24 de Outubro, assim como a Portaria nº 223/95, de 27 de Março, introduzindo-se-lhes as alterações supra sugeridas. De resto, a primeira remete para um acto extra-comunitário, como se observou.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel