Presidente do Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo
Número: 128/A/95
Processo: R. 2312/92
Área: A3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL – LAR – ENCERRAMENTO.

Sequência:

1. Integra o relatório elaborado na sequência da reunião que teve lugar nesta Provedoria de Justiça no passado dia 29 de Junho, no âmbito da acção em curso sobre a situação das pessoas idosas internadas em lares lucrativos do Distrito de Lisboa, um conjunto de propostas de actuação entre as quais se conta a de assegurar a representação da Provedoria de Justiça em próximas acções de fiscalização a efectuar por esse Centro Regional.

2. Com efeito, num momento em que são conhecidos os resultados obtidos no decurso da actividade do Comité de Gestão do Programa de Idosos em Lar e os mesmos permitem encarar de forma positiva a possibilidade de se pôr termo a algumas situações particularmente graves, entendeu-se que seria oportuna a visita a alguns estabelecimentos, no sentido de se ter a percepção da realidade existente da qual, até agora, temos tido conhecimento através de vários estudos e relatórios que os diversos responsáveis têm elaborado sobre esta problemática.

3. Depois de estabelecidos os contactos necessários com a Coordenadora do Núcleo de Fiscalização dos Estabelecimentos Lucrativos foram acordadas duas visitas, uma à Casa de Repouso de Alvalade, a outra à Casa de Repouso da Rua da Fé, em que estariam presentes duas Assessoras da Provedoria de Justiça que designei para o efeito.

4. Tratando-se de lares que têm sido objecto de acompanhamento regular por parte dos Serviços de Fiscalização desse Centro Regional, sobre os quais têm sido apresentados relatórios exaustivos e, apesar de estes serem naturalmente do conhecimento de V. Exª, não deixarei de juntar em anexo à presente Recomendação os documentos em que as suas signatárias relatam as impressões colhidas nas visitas que efectuaram.

5. A leitura atenta dos testemunhos que me foram dados a conhecer permite concluir claramente que a situação de ambos os estabelecimentos não é substancialmente diferente, sendo particularmente graves os aspectos que se prendem com a desadequação das instalações, a ausência de condições de segurança, a falta de salubridade e higiene e a insuficiência dos cuidados de assistência médica.
E o mesmo se diga quanto à falta de preparação e formação do pessoal.
Em qualquer dos casos é visível a falta de qualidade no atendimento prestado a pessoas cuja situação física e psíquica é normalmente de extrema vulnerabilidade, carecidas de meios de defesa que lhes permitam reagir contra a actuação de quem, tem por isso mesmo, maior responsabilidade na protecção que lhes é devida.

6. Face à gravidade dos problemas detectados que se vêm mantendo há já algum tempo sem evolução favorável, não poderá V. Exª consentir que os mesmos permaneçam sem qualquer perspectiva de solução, sob pena de a passividade do Centro Regional enquanto entidade de tutela, conduzir à ocorrência de danos graves e irremediáveis atentatórios da saúde e dignidade dos utentes.

7. Competirá a V. Exª encontrar as soluções alternativas adequadas a cada caso que, eventualmente, poderão passar pela ocupação de vagas criadas ao abrigo do Programa Idosos em Lar cujo número – 417 segundo os dados fornecidos – permitirá encontrar resposta de alojamento imediato dos idosos que, face à sua situação familiar e social não tenham possibilidade de beneficiar de outro tipo de respostas mais humanizadas nomeadamente, serem acolhidos pela própria família como seria desejável.

Aliás, cumprir-se-á assim um dos objectivos que presidiu à criação do Programa mencionado que conta entre as suas prioridades resolver “as situações de disfunção social graves” detectadas em rigorosa análise dos serviços locais desse Centro Regional e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Pelo exposto ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º da Lei nº 9/91 de 9 de Abril

RECOMENDO

1. Que por esse Centro Regional sejam adoptadas as providências adequadas no sentido de, com a urgência que a gravidade das situações requer, sejam efectivados, nos termos do diposto no artigo 38º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, os encerramentos dos Lares – Casa de Repouso de Alvalade e Casa de Repouso da Rua da Fé.

2. Ficarei ao dispôr de V. Exª para a promoção de iniciativas que eventualmente se mostrem necessárias para se assegurar a participação das Instituições Particulares de Segurança Social, manifestada inequivocamente no decurso das várias reuniões realizadas nesta Provedoria com o objectivo de se encontrarem soluções alternativas à permanência de idosos em lares lucrativos que pelo seu funcionamento devam ser encerrados.

Agradeço a V. Exª que se digne informar-me sobre a sequência dada a este assunto, aproveitando para lhe apresentar os meus melhores cumprimentos

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL

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RELATÓRIO DA VISITA À CASA DE REPOUSO DE …

A visita a este estabelecimento teve lugar no dia 10 de Outubro pelas 11 horas e nela participou a signatária que acompanhou a Coordenadora do Núcleo de Fiscalização dos Lares Lucrativos, Drª … e a técnica Drª … .

– Identificação do Estabelecimento e Denominação – Casa de Repouso de … .
– Morada – Rua …, nº …, Lisboa.
– Proprietário – M…
– Lotação – Actualmente encontram-se alojadas no estabelecimento 16 idosos, não se verificando alteração em relação à última visita efectuada pelos Serviços de Fiscalização em 23.05.95.

Dois dos utentes encontram-se quase permanentemente acamados embora a sua condição física lhes permitisse estarem temporariamente sentados, o que não sucede por não haver nos quartos sofás e os poucos que existem noutra dependência estão em muito mau estado de conservação.

– Instalações e Funcionamento

O estabelecimento ocupa os 3º, 4º e 5º pisos de um prédio de habitação, não se detectando que tenha sofrido qualquer tipo de obras, adequando-o ao facto de nele se encontrarem pessoas idosas com as dificuldades inerentes à sua idade e situação física e psíquica.

Chamou especialmente a atenção o aspecto geral do espaço, desprovido de qualquer conforto. O mobiliário é extremamente pobre e em mau estado, notando-se, nomeadamente, que os colchões são muito estreitos, apresentando covas profundas e, o único com a aparência de ter sido adquirido recentemente, encontrava-se ainda envolto em plástico.

Tratando-se de pessoas idosas algumas com problemas de saúde que requerem, como é óbvio, pela sua débil condição física camas especialmente adaptadas, é especialmente chocante a situação que se nos depara, por se adivinhar o sofrimento das pessoas que ali se encontram internadas.

De uma forma geral, é visível a degradação e o mau estado de conservação das habitações, notando-se que as janelas se encontram na sua quase totalidade fechadas, encontrando-se avariados os fechos, tal como as persianas exteriores.

A falta de arejamento e as deficientes condições de higiene tornam o ambiente extermamente pesado, sentindo-se um cheiro intenso a urina, sobretudo no 3º e 4º andares, onde se encontram situadas a cozinha, 2 salas e alguns dos quartos.

Verificou-se que alguns roupeiros têm os espelhos partidos (segundo nos foi dito há já algum tempo) e não há sequer a preocupação de os retirar, apesar do risco que isso representa para os utentes, sobretudo os mais idosos e com problemas de locomoção.

Existe um quarto individual no sotão (5º andar), esconso, sendo a iluminação e o arejamento feitos por duas janelas no telhado que, na altura se verificou não poderem ser abertas.

Outro quarto, é utilizado como dispensa onde se amontoam roupas e os mais variados objectos.

Os vãos do telhado, no sotão, são utilizados como depósitos de colchões usados e outros utensílios constituindo permanente risco de incêndio.

O revestimento do chão é plastificado, encontrando-se danificado em alguns pontos o que constitui risco grave para a segurança dos idosos, tal como já foi por diversas vezes salientado pelos Serviços de Fiscalização.

A maior parte dos candeeiros existentes nas mesas de cabeceira dos quartos não funciona.

As escadas de acesso entre os vários pisos são estreitas, causando inegáveis dificuldades aos utentes.

Pessoal

O pessoal é constituído por um responsável (gerente do lar), uma funcionária de apoio aos idosos, uma cozinheira e três empregadas de limpeza, em qualquer dos casos, sem formação adequada.

A assistência médica e medicamentosa processa-se em termos deficientes, não estando assegurada a regularidade da visita do médico assistente, nem tão pouco de pessoal de enfermagem.

É, aliás, constrangedor o aspecto das instalações do que se intitula de “Gabinete Médico”, um cubículo, extremamente desorganizado, sendo visível a insuficiência de medicamentos e de outro material necessário à prestação de cuidados básicos de assistência médica.

Aspectos Gerais

O lar encontra-se em funcionamento há 12 anos, sem se encontrar licenciado, por não reunir as condições de habitabilidade e funcionamento exigidos pelo Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro que regula a concessão do respectivo alvará.

O estabelecimento foi objecto de inspecção pela Direcção-Geral de Inspecção Económica, que concluiu pela necessidade de ser determinado o seu encerramento, por não possuir condições para funcionar.

Também os bombeiros se pronunciaram, face á situação do mesmo, tendo elaborado parecer em que concluem pela não existência de condições mínimas de segurança.

Os moradores do prédio, dirigiram já uma exposição ao senhorio, manifestando-se contra a permanência do lar no prédio em que habitam.

Houve igualmente uma participação dos mesmos inquilinos à Câmara Municipal de Lisboa, em que se queixam dos prejuízos e incómodos provenientes das deficientes condições de funcionamento do estabelecimento e que se reflecte na sua própria situação enquanto moradores, atribuindo à falta de condições de higiene do mesmo, o mau cheiro, a existência de ratos nas escadas, infestação de parasitas, baratas, percevejos, etc.

Um aspecto que merece especial atenção e que não era até então conhecida dos próprios Serviços de Fiscalização, respeita ao facto de se encontrarem já em curso obras de beneficiação, pelo menos em uma das dependências do 3º andar, pois o proprietário prepara-se para deixar de explorar o lar para passar a utilizar as instalações para residência de estudantes.

A situação é particularmente grave, não só pelos incómodos e perigos que representa para a saúde dos utentes a realização das obras em curso, como, pela situação que se avizinha de o proprietário, (que, aliás, parece ter já entregue a exploração a outro indivíduo) poder, com todos os inconvenientes daí resultantes, escapar à intervenção das autoridades com competência para o responsabilizar pela sua actuação à frente do lar.

Uma das empregadas com quem falámos, mostrou-se especialmente receosa pelas “manobras” que o Sr. … estará já a preparar para levar o pessoal a despedir-se deixando assim de cumprir as suas obrigações enquanto entidade patronal.

CONCLUSÕES

O estabelecimento funciona em instalações inadequadas e os aspectos descritos evidenciaram o seu mau funcionamento, pondo em causa o conforto, segurança e bem-estar dos utentes.

Os Serviços de Fiscalização já por diversas vezes propuseram à Direcção do Centro Regional o seu encerramento e, desse facto deram também conhecimento à entidade proprietária que não tem dado cumprimento às orientações dos Serviços.

Pelo exposto, considera-se que o lar deverá ser encerrado, sob pena de o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo se ver confrontado com a situação que a todo o custo deverá ser evitada, de o proprietário conseguir concretizar o objectivo, aliás já comunicado ao Centro Regional em carta de 24 de Agosto último, de cessar a actividade de exploração do estabelecimento.

Receia-se de facto que, por essa forma, os idosos venham a ser colocados noutros estabelecimentos, possivelmente com condições idênticas ou piores do que aquelas que actualmente enfrentam, perdendo-se assim a oportunidade de solucionar os casos das pessoas ali internadas e a esperança de se poder, pelo menos naqueles casos, de se conseguirem soluções alternativas, que pela sua qualidade, permitam aliviar, na medida do possível o sofrimento que lhes é imposto dada a situação em que se encontram.

A ASSESSORA PRINCIPAL

RELATÓRIO DA VISITA EFECTUADA AO LAR DE IDOSOS SITO NA RUA … , Nº … , EM LISBOA
Ver RELATÓRIO DO PROVEDOR DE JUSTIÇA À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 1995, p. 415.