Ministro da Administração Interna
Número: 126/A/95
Processo: IP-9/95
Data: 25.10.95
Área: A5

Assunto: DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS – RECLUSOS – CONDIÇÕES DE DETENÇÃO – ESQUADRA DE POLÍCIA – INSPECÇÃO.

Sequência: Acatada

I

A Provedoria de Justiça recebe regularmente queixas que imputam às forças de segurança actuações censuráveis ou mesmo ilegais.

Do conjunto dessas queixas relevam, especialmente, situações ocorridas em esquadras da Polícia de Segurança Pública (P.S.P.) da área da Grande Lisboa, as quais se prendem, não raras vezes, com alegadas violações dos direitos que assistem às pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção.

Tendo em conta o sumariamente exposto, determinei que fossem efectuadas, ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 21º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, visitas de inspecção a esquadras da P.S.P. da cidade de Lisboa e área circundante.

As referidas inspecções vieram a ter lugar nos dias 26/27 de Maio de 1995 e 06/07 de Julho do mesmo ano.

Elaborados os respectivos relatórios, deles entendo dever dar conhecimento a Vossa Excelência, aos quais acrescento as seguintes considerações e recomendações, nos termos e para os efeitos do art.º 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril:

II

1. Resultou particularmente impressivo da visita efectuada em 26/27 de Maio de 1995, e conforme mencionado no número 6 das conclusões do relatório respectivo, o facto de, na quase totalidade das esquadras de Lisboa, os detidos aguardarem transporte para as instalações do Comando Metropolitano, no átrio de entrada, por vezes algemados aos bancos ali existentes e à vista do público.

Conforme então ali se referiu, tal situação é susceptível de provocar tensões e conflitos desnecessários entre detidos e ofendidos, para além de poder constituir um tratamento humilhante para os primeiros.

RECOMENDO

pois, que sejam as esquadras progressivamente dotadas de locais próprios para a permanência de detidos, devendo tal aspecto ser devidamente considerado nas que estão projectadas ou em fase de restruturação e que, até lá, se processe o transporte para os locais de detenção com a máxima celeridade.

2. O atendimento ao público é prejudicado pelo facto de, na maioria dos casos, as esquadras não disporem de equipamento informático, antes sendo o expediente relativo às queixas assegurado com recurso a formulários preexistentes, quase sempre preenchidos em máquinas de escrever antiquadas, em número insuficiente e em mau estado de conservação, conforme se apontou no número 7 das conclusões do relatório da inspecção supra mencionado.

Embora se tenha registado na inspecção seguinte, com agrado, não ser a situação descrita extensível a todas as esquadras (cfr. número 9 das conclusões do relatório da inspecção de 07 de Julho), resulta evidente que está ainda longe de ser a desejável.

RECOMENDO

que sejam adoptadas medidas com vista à introdução gradual de equipamento informático nas esquadras ou à aceleração de programas eventualmente existentes visando esse objectivo por forma a reduzir o tempo de espera de atendimento do público e aumentar a qualidade do serviço prestado e a operacionalidade da função policial.

3. A visita efectuada às instalações do Comando Metropolitano de Lisboa afectas à permanência de indivíduos detidos revelou a existência de carências várias, ao nível das instalações, conforme descrito no título IV do relatório elaborado e sintetizado no número 10 das conclusões respectivas.

Entendo aqui dever sublinhar a conclusão geral de falta de condições mínimas de privacidade e de conforto, referindo-se, a título exemplificativo, a ausência de luz natural, deficiente ventilação, falta de colchões nos catres e, em alguns casos, a existência destes sem condições adequadas a cada pessoa.

Por outro lado, tendo resultado, ainda, a suspeita de que frequentes vezes se excederia a lotação das celas, solicitou-se ao Comando Metropolitano que facultasse a relação do registo de detidos relativa ao mês de Maio de 1995 (em anexo), do que resultou a verificação de efectivamente ocorrerem com frequência, sobretudo aos fins de semana, situações de sobrelotação.

RECOMENDO

assim, que sejam adoptadas medidas com vista à melhoria das instalações e condições de detenção do Comando Metropolitano da P.S.P. de Lisboa afectas à permanência de indivíduos detidos.

4. Das oito esquadras visitadas em 06/07 de Julho de 1995, metade dispunha de instalações próprias para a permanência de detidos: Almada, Miraflores, Oeiras e Sintra.

Conforme se aponta no relatório respectivo (v. número 10 das conclusões), com excepção das instalações da esquadra de Sintra, foram todas as demais consideradas inadequadas.

Mais precisamente, e pelas razões expostas no título IV do relatório citado no parágrafo antecedente, concluiu-se que as celas das esquadras de Miraflores e Oeiras patenteavam condições de higiene e salubridade más – sujidade, deficiente ventilação, falta de luz eléctrica em algumas celas, mau estado do equipamento – tendo-se feito referência, no caso da esquadra de Almada, a condições de higiene e salubridade muito más.

Não posso deixar de referir ser especialmente censurável os casos das esquadras de Miraflores e Oeiras, dado estas serem de construção relativamente recente, devendo-se certamente a falta de condições, à ausência de manutenção regular e adequada.

Solicitados esclarecimentos ao Comando-Geral da P.S.P. sobre a eventual utilização das celas da esquadra de Cascais – as quais não foram sequer objecto de tratamento no relatório da respectiva inspecção (levada a cabo em 06/07 de Julho de 1995) por se terem por desactivadas – obteve-se a resposta constante do ofício n.º … , de 21 de Setembro de 1995, do Ex.mo. Senhor Director da Direcção de Ética e Disciplina Policial da P.S.P. (em anexo) que aqui se dá por reproduzida.

Sucede que, tendo em conta o verificado, as celas da esquadra de Cascais não possuem condições mínimas por forma a permitirem a utilização, ainda que por curtos períodos de tempo.

RECOMENDO

a total, efectiva e imediata desactivação das celas actualmente existentes na esquadra de Cascais e a urgente adopção das medidas úteis e necessárias à melhoria das condições de higiene e salubridade das celas das esquadras de Miraflores e Oeiras.

5. Das inspecções realizadas – com particular destaque para a de 26/27 de Maio de 1995 – resultaram, em matéria de controlo de identidade, dúvidas sobre a adequação da actuação da P.S.P. face ao preceituado na Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro (Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identificação).

É que, conforme bem se refere no relatório respectivo, atentos os condicionalismos impostos pela lei citada quanto à possibilidade de os agentes das forças de segurança exigirem a identificação das pessoas e, sobretudo, quanto à possibilidade de as fazerem conduzir às esquadras por falta de identificação, difícil se torna conceber como legais algumas das situações presenciadas no decurso da inspecção referida no parágrafo antecedente (cfr. número 3, do título V do relatório mencionado).

Melhor precisando, não é legalmente admissível que se façam conduzir aos postos policiais indivíduos portadores de documento de identificação válido e suficiente (quase sempre o Bilhete de Identidade), apenas a pretexto de um qualquer procedimento de identificação, seja o do art.º 3º, n.º 1, do diploma citado ou qualquer outro.

Permito-me sublinhar que a condução ao posto policial para efeitos de identificação é uma medida que se reveste, nos termos da lei citada, de carácter excepcional e subsidiário, conforme claramente resulta do art.º 4º, da Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro.

RECOMENDO

que sejam transmitidas instruções aos agentes da P.S.P. para que apliquem os procedimentos de identificação na exacta e estrita medida permitida por lei.

6. Tendo merecido particular atenção no decurso das inspecções os aspectos relacionados com a detenção e questões conexas, verificou-se que, com algumas excepções, na maioria das situações, foi prestada informação acerca dos direitos que assistem aos detidos.

Resultam dos relatórios dúvidas, em alguns casos, relativamente à forma como se processaram as detenções, havendo incerteza, sobretudo, quanto à hora exacta em que terão ocorrido algumas delas (cfr. número 1 do título V do relatório referente à inspecção de 26/27 de Maio e o número 3 do título V do referente à inspecção de 06/07 de Julho).

De facto, a alusão feita, num caso, a uma pretensa “voz de detenção”, a ocorrer em momento diverso daquele em que efectivamente se terá consumado a mesma e a falta generalizada de um registo fidedigno, de modelo único, a atestar a hora exacta da detenção, são susceptíveis de causar dúvidas e eventuais abusos, face aos limites temporais impostos pelos artigos 250º, n. 3 e 254º, alínea a), do Código de Processo Penal.

RECOMENDO

o estudo e posterior execução de um sistema único, fiável e extensível a todos os postos da P.S.P. a certificar o momento exacto da detenção por forma a dar a possibilidade aos indivíduos detidos de contestarem a hora indicada.

7. No decurso das inspecções efectuadas, detectaram-se 4 (quatro) casos de alegados maus tratos infligidos a detidos por agentes da P.S.P. .

Destes, apurou-se estar um a ser objecto de investigação judicial, tendo um outro sido oportunamente participado pela Provedoria de Justiça ao Ex.mo. Senhor Director de Ética e Disciplina Policial da P.S.P., conforme documento junto em anexo para melhor esclarecimento.

Permanecem por averiguar as condições em que ocorreram as detenções de J… e L…, ambos menores, detidos no dia 06 de Julho de 1995 e conduzidos à esquadra da Amadora, sita na Av. Movimento das Forças Armadas, 14 (cfr. número 3 do título V do relatório respectivo, pp. 11 e 12).

RECOMENDO

a determinação das competentes e necessárias averiguações, com vista a apurar da legalidade da actuação dos agentes da P.S.P. em causa, durante e após as detenções dos supra identificados.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL