Presidente da Câmara Municipal do Crato

Processo:R.63/95
Rec. nº 46/A/95
Data:1995-05-16
Área: A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – FALTA DE LICENÇA DE CONSTRUÇÃO – CONTRA-ORDENAÇÃO – DEMOLIÇÃO – REINTEGRAÇÃO DA LEGALIDADE URBANÍSTICA.

Sequência:Acatada

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1.Admitiu a Câmara Municipal do Crato, em esclarecimentos prestados à Provedoria de Justiça, por ofício recebido em 4 de Maio p.p., a ilegalidade de obras efectuadas pelo proprietário do prédio correspondente ao nº 15 da Rua …, em Gáfete.

2.Com efeito, procedeu o infractor à abertura de janelas em parede de meação com o prédio sito no nº 21, assim como construiu terraço sobranceiro ao logradouro deste último imóvel, o qual é utilizado como quintal.

3.Anteriormente, havia V.Exa. informado esta Provedoria, em 1 de Fevereiro p.p. (ofício nº 281) do resultado da vistoria realizada
na véspera, onde se confirmava a edificação do aludido terraço, a abertura de um vão de porta para o mesmo, a partir do sótão da habitação e ainda, a construção de “um pequeno muro de guarda, em alvenaria de tijolo 30x20x7, com cerca de 1.5 m de comprimento e 0.80 m de altura.

4.Mais resultava da mencionada vistoria “que o acesso ao terraço e respectiva guarda são de construção recente, pois ainda se encontra o reboco à vista e sem pintura”. Tudo isto, no entanto, sem que houvesse licença de construção ou sequer, tivesse dado entrada na Câmara Municipal o correspondente projecto.

5.Bem concluiu o município pois, quando após constatar a infracção ao disposto no art. 54º, nº 1, alínea a) do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, instaurou processo contra-ordenacional.

6.Pondero no entanto que esta medida possa não ser suficiente para a completa reposição da legalidade urbanística e adequada reintegração dos interesses legítimos de terceiros, independentemente de coima que venha a ser aplicada, do seu montante e até de sanção acessória que eventualmente venha a justificar-se.

7.Na verdade, a instauração de processo contra-ordenacional não faz precludir o exercício dos poderes que assistem às câmaras municipais, nos termos do art. 165º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, a saber: “a demolição ou o embargo das obras executadas em desconformidade com disposto nos artigos 1º a 7º”.

8.Também o art. 58º prevê poderes de demolição das obras realizadas sem a respectiva licença, quando for caso disso, por parte do presidente da câmara municipal.

9.”Já que sendo a ordem de demolição uma medida de protecção da legalidade urbanística, a mesma tem por função tutelar a
legalidade urbanística através da reintegração da realidade física ilegalmente alterada, e não sancionar a conduta de quem constrói sem prévia licença” (ALMEIDA, António Duarte de et al. in Legislação Fundamental de Direito do Urbanismo, Vol.II, Ed. Lex, Lisboa, 1994, p. 950).

10.Trata-se,como bem se vê,de um poder discricionário. 0 município através dos seus órgãos competentes – a câmara, no caso de violação do RGEU, o respectivo presidente, no caso de violação do Regime de Licenciamento de obras Particulares – avalia os pressupostos de facto e decide em ordem à boa prossecução do interesse público local sobre o mérito da demolição de obra ilegal.

11. Contudo, certo é que este mesmo poder discricionário sofre uma importante limitação por via de quanto se estabelece no
art. 167º do citado RGEU. Ali se reduz a discricionariedade a uma de duas alternativas: ou o presidente da câmara municipal
ordena a demolição de obra ilegal ou reconhece que a mesma é “susceptível de vir a satisfazer aos requisitos legais e
regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade”, devendo para tal efeito, obter do interessado a
legalização.

12. Por outras palavras, nada resta à câmara ou ao presidente senão ordenar a demolição da obra, caso esta não possa vir a
ser legalizada e não venha a sê-lo efectivamente.

13. É esta a posição que justamente tem recolhido consenso no Supremo Tribunal Administrativo, ilustrada no Ac. da 1ª Secção, de 11.VI.1987 (in Acórdãos Doutrinais, 322, pp. 1176 e sega.).

14.É também neste sentido que deve entender-se o que resulta do Acórdão do STA, de 06.XI.1990 (Procº 28440, in AJ, nos 13-14,
p.35), quando se afirma que “caso os particulares ou pessoas colectivas procedam a construções sem licença ou com
inobservância das condições desta, dos regulamentos, posturas municipais ou planos directores, de urbanização ou de pormenor em vigor, devem as câmaras municipais, no exercício de um poder vinculado, ordenar a demolição dessas construções”.

15.Isto significa, em conclusão, que caso não seja exercido o poder de legalização a posteriorí (art. 167º do RGEU), a
discricionariedade optativa do art. 165º do RGEU – entre ordenar a demolição ou legalizar – fica reduzida a um poder-dever de ordenar a demolição.

CONCLUSÕES

Em face de quanto fica exposto, entende o Provedor de Justiça exercer o poder que lhe é conferido no art. 209, nº 1, alínea a) da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, e como tal, RECOMENDAR:

que V.Exa avalie, tome posição e delibere sobre a viabilidade de legalizar a obra edificada sem licença, nos termos e para os efeitos do art. 167º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, e ordene a sua demolição, caso conclua pela inviabilidade, nos termos do art. 589, nº 1, do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, e do art. 53º, nº 2, alínea 1) do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, cumprindo, para o efeito, o procedimento disciplinado no Decreto-Lei nº 92/95, de 9 de Maio.
Recordo, por fim, que a presente Recomendação constitui V.Exa, Senhor Presidente da Câmara Municipal do Crato, de acordo com o que se dispõe no art. 38º, nº 5 da Lei n9 9/91, de 9 de Abril, no dever de comunicar a este órgão do Estado, nos próximos sessenta dias, a posição que venha a assumir perante as respectivas conclusões.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel