Secretário de Estado da Agricultura

Processo: R-1602/94
Rec.nº 34A/95
Data:1995-04-05
Área: A2

ASSUNTO: DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS – ABATE DE ANIMAIS – BRUCELOSE – DESPACHO – ACTO CONSTITUTIVO DE DIREITOS – INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Não Acatada.

1.A Provedoria de Justiça recebeu uma reclamação do Senhor …, contestando o facto de só lhe ter sido paga pelo abate de um animal bovino afectado de brucelose a indemnização de 145.800$00, em lugar de 270.000$00.

0 reclamante descreveu a situação do seguinte modo:
– Em 1992, foi detectado pelos serviços competentes um caso de brucelose num animal bovino do reclamante;
– Os serviços de Viseu entregaram ao reclamante em 2/ 7/92 um documento, preenchido pelo IFADAP, onde se avaliava o animal em 270.000$00;

2. Em Janeiro de 1994 é creditada na conta do reclamante apenas a quantia de 145.800$00.
Sobre estes factos, a Provedoria de Justiça contactou a Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral. Este organismo informou que:
– Efectivamente, em 3 de Julho de 1992 foi abatido, por ter brucelose bovina, o mencionado animal, sendo o montante da indemnização de 270.000$00, cujo cálculo foi efectuado de acordo com o Despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da
Agricultura de 19 de Fevereiro de 1992, conjugado com a informação nº …de 29/6/92, o telefax nº … de 7/7/92 e o Boletim SIMA nº 124A;
– Em 15 de Setembro de 1992, a coberto de ofício da Direcção Regional da Agricultura da Beira Litoral, foi enviado ao IFADAP, para liquidação, o processo nº … respeitante ao animal pertença do reclamante;
– Em 3 de Fevereiro de 1993 é dada ordem pelo IFADAP à Caixa Geral de Depósitos de Sátão para ser depositada na conta
nº …, identificada como pertencente ao reclamante, a importãncia de 270.000$00;
– Ao reclamante foi então enviado um aviso de crédito emitido pelo IFADAP, notificando-o de que em 3 de Fevereiro de
1993 seria depositada na sua conta a quantia de 270.000$00;
– Por erro na indicação do número da conta bancária do reclamante, a verba em causa é devolvida ao IFADAP pela Caixa
Geral de Depósitos de Sátão;
– Entretanto, em 1 de Fevereiro de 1993, através de despacho exarado por Vossa Excelência, são imediatamente suspensos os pagamentos dos subsídios atribuídos ao abrigo do despacho exarado também por Vossa Excelência na informação …de 25/6/92 da DGP, o que abrangia o caso do reclamante;
– Determina-se, igualmente, que o novo despacho que substituirá o anterior terá efeitos retroactivos à data da suspensão dos pagamentos;
– Em 29 de Março de 1993, o IFADAP devolveu à Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, entre outros, o processo do reclamante, para rectificação do montante da indemnização; –
– Em 19 de Outubro de 1993, foi enviado ao IFADAP o processo do reclamante, agora já com o valor da indemnização rectificado para 145.800$00, tendo o cálculo sido efectuado de acordo com a circular IPPAA nº … de 10 de Agosto de 1993;
– Em 29 de Janeiro de 1994 é depositada na conta do reclamante a importância de 145.800$00.

3.Resulta claro da instrução do processo que a situação relatada é ilegal, por ser violado o artº 140º do Código de Procedimento Administrativo, já que foi revogado um acto constitutivo de direitos fora das condições previstas nessa disposição legal.
Refere o Prof. Freitas do Amaral (“Direito Administrativo”, Volume III, pág 371) que «são actos constitutivos de direitos todos os actos administrativos que atribuem a outrém direitos subjectivos novos(…)».

4.E não há dúvida de que foi um acto que atribuiu direitos subjectivos novos ao reclamante aquele em que, com base num despacho de Vossa Excelência, a Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral apura e comunica ao reclamante, através do IFADAP, que tem a receber o montante indemnizatório de 270.000$00, em função do abate do animal bovino afectado de brucelose. Aliás, o reclamante só não o recebeu devido a erro na indicação da sua conta bancária.

Este acto, precisamente por ser constitutivo de direitos, é em princípio irrevogável.
É que, acrescenta o Prof. Freitas do Amaral no livro supra citado, «em homenagem ao principio geral dos direitos adquiridos, os actos constitutivos de direitos não são revogáveis pela administração, a menos que sejam -ilegais.
Porque, de acordo com a lei, atribuíram direitos a alguém. A partir desse momento, a pessoa a quem os direitos foram atribuídos tem de poder confiar na palavra dada pela administração e tem de poder desenvolver a sua vida jurídica com base nos ‘direitos que legitimamente adquiriu. É o princípio dos direitos adquiridos, base da confiança na palavra dada».
É nestes termos que o acto fica protegido contra o poder de revogação da administração pública. A menos que, como refere o Prof. Freitas do Amaral, seja ilegal. A esta hipótese se refere o artº 141º do Código do Procedimento Administrativo, que dispõe que os actos inválidos, incluindo os constitutivos de direitos, só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo para interposição do recurso contencioso.
Uma análise da fundamentação do despacho de Vossa Excelência datado de 9 de Fevereiro de 1993, com base no qual

5.foi revogado o acto ora em causa, permite verificar que não foram razões de ilegalidade que levaram à revogação do anterior
despacho e dos actos praticados ao seu abrigo. Lê-se no despacho-que a revisão das indemnizações se deve ao facto de os
anteriores despachos terem sido «objecto de diferentes interpretações com reflexo na sua aplicação e ainda, porque o valor da indemnização agora atribuído pode estar desfazado dos valores de mercado em vigor».
Foram, portanto, razões de oportunidade, e não razões de legalidade, que levaram à revogação do despacho datado de 29/6/92 e dos actos praticados ao seu abrigo, e consequentemente à atribuição de uma indemnização menor ao reclamante. Tudo leva, pois, a

Nestes termos, e no uso da competência que me é atribuída pelo artº 2º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril,
RECOMENDO:

Que Vossa Excelência diligencie no sentido de ser revogado o acto que revogou a atribuição ao reclamante da quantia indemnizatória de 270.000$00, calculada ao abrigo do despacho exarado em 29/6/92 na informação .. da DGP, determinando que lhe seja paga a diferença entre esse valor e a indemnização já recebida de 145.800$00.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel