Presidente da Câmara Municipal do Porto

Rec. nº 172A/94
Processo: 2172/94
Data: 1994-12-02
Área: A3

ASSUNTO: SEGURANÇA SOCIAL

Sequência: Não Acatada

1. Através de queixa apresentada na Provedoria de Justiça pela Senhora D. …, fui alertado para a situação em que se encontram alguns pensionistas da Caixa Cristiano de Magalhães de Socorros e Aposentações do pessoal dos Serviços Municipalizados Gás e Electricidade do Porto que, desde Junho último, deixaram de receber as pensões e/ou complementos de pensão que lhes vinham sendo pagos pela referida Caixa.

2. Na sequência da reclamação apresentada, tive então ocasião de enviar a V. ExA o ofício nº …, de 20 de Julho último, no sentido de obter a solução do assunto, dirigindo-me na mesma data e, com idêntica finalidade, ao Conselho de Administração da E.D.P. à qual, por instrumento celebrado em 92/05/29, foi concedida a distribuição de energia eléctrica em baixa tensão na área do Município do Porto, antes a cargo dos Serviços Municipalizados de Gás e Electricidade da mesma cidade.

3. Perante o facto de as respostas obtidas não terem conduzido, como seria desejável, à resolução do assunto, procedeu-se à análise do mesmo, tendo em vista determinar qual a entidade sobre quem impende a obrigação legal de assegurar o pagamento dos benefícios devidos pela Caixa Cristiano de Magalhães.

4. O primeiro aspecto que importa ter em conta é que a Caixa Cristiano de Magalhães, criada por deliberação da Comissão Administrativa dos S.M.G.E., de 2 de Maio de 1934, aprovada em sessão da Câmara Municipal do Porto, de 24 de Maio do mesmo ano, é uma instituição de previdência que, como tal, integra os quadros da classificação legal estabelecida na Lei nº 1884, de 16 de Março de 1935, pertencendo às instituições da 2ª categoria, dentro das quatro previstas na citada Lei.

A sua constituição pode dizer-se que correspondia a um imperativo legal, face ao disposto no artigo 16º do Decreto-Lei nº 13350, de 25 de Março de 1927, que impunha a “todas as Câmaras que houvessem municipalizado serviços a obrigação de instituir em cada uma, caixas de reformas e pensões para seu pessoal”.

5. Tendo mantido ao longo dos anos a sua actividade dentro dos fins para que foi criada e, não tendo sido extinta nem tão pouco tendo sido negociado qualquer processo tendente à sua articulação ou mesmo à sua integração em qualquer instituição da segurança social, é, pois, inquestionável que a Caixa Cristiano de Magalhães tem existência jurídica.

Compete-lhe, assim, nos termos dos respectivos Estatutos, assegurar os benefícios estabelecidos em que se incluem pensões de invalidez e velhice aos seus associados e pensões de sobrevivência aos familiares que reunam as condições estatutariamente previstas.

6. (7. no original) Para o efeito, dispunha a referida Caixa das receitas previstas no artigo 4º dos seus Estatutos em que, entre outras, se incluem: as provenientes de uma jóia resultante de uma taxa cobrada no vencimento do pessoal inscrito; uma quotização mensal determinada pela Comissão Administrativa dos S.M.G.E; uma contribuição mensal obtida por uma percentagem sobre o produto de venda de gás e electricidade; uma subvenção anual dos S.M.G.E. correspondente a uma percentagem dos lucros ou saldos de gerência da exploração de gás e electricidade.

7. (8. no original) Atendendo às alterações verificadas no regime de exploração da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão na área do Município do Porto e, nomeadamente, por força do já aludido contrato administrativo celebrado entre essa Câmara e a E.D.P., a questão principal sobre a qual importa tomar posição, é a de saber qual a entidade a quem deve ser legalmente exigida a contribuição prevista no citado artigo 4º, nºs 9º e 10º, dos Estatutos da Caixa Cristiano de Magalhães.

8. (9. no original) No domínio do regime anterior à celebração do contrato da concessão e, nos termos do mesmo artigo 4º, os Serviços municipalizados de Gás e Electricidade contribuiam para a Caixa, mensalmente, com determinada percentagem da venda do gás (artigo 4º, nº 9) e, anualmente, com uma percentagem correspondente a 5% dos lucros de amortizações (artigo 4º, nº 10, ambos do estatuto da Caixa Cristiano de Magalhães).

Poderá concluir-se que os S.M.G.E. da Câmara Municipal do Porto se constituiram em obrigação perante os associados na prestação periódica daqueles encargos financeiros, os quais eram assumidos como encargos de exploração.

9. (10. no original) No entanto, do contrato de concessão nada consta sobre os direitos dos ex-funcionários e seus familiares, quer nas disposições relativas ao pessoal dos S.M.G.E. (arts. 11º, nº 2 e 47º), quer em outras disposições de carácter genérico relativas à assunção de obrigações respeitantes a actos e contratos anteriormente celebrados (artigo 45º).

Com efeito, o artº 47º refere-se, expressamente, a pessoal do activo e, mesmo quanto a este, só garante remunerações líquidas, devendo outros direitos compatibilizarem-se com os atribuídos ao pessoal da E.D.P.. Este entendimento é corroborado pela própria empresa quando refere que em anexo ao contrato de concessão se relacionou, por listagem, todo o pessoal cujos direitos ficariam garantidos, não constando de tal listagem os ex-trabalhadores dos SMGE, e seus familiares, aposentados e pensionistas.

Por outro lado, não existe norma genérica relativamente à assunção, pela EDP, de obrigações emergentes de actos e contratos anteriores à concessão. Esta matéria apenas está prevista no artº 45º do contrato de concessão relativamente a actos e contratos respeitantes à distribuição.

10. (11. no original) É, assim, de concluir que as obrigações não foram transferidas para a EDP se mantiveram como encargo dessa Câmara, na medida em que os S.M.G.E. eram um serviço dela dependente cuja actividade principal foi concessionada à EDP.

Com efeito, é entendimento da doutrina (cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 8ª edição, Tomo II, p. 1030) que a situação jurídica e obrigações do concessionário se aferem pelo acto ou contrato de concessão, já que se traduzem em limitações da sua liberdade e em encargos que deve suportar.

11. (12. no original) Finalmente, considero ser manifestamente inaceitável a posição defendida no parecer da Divisão de Serviços Jurídicos ao afastar qualquer responsabilidade pelas obrigações contraídas pela Caixa Cristiano de Magalhães, enquanto caixa privativa dos S.M.G.E., por estes terem sempre gozado de autonomia administrativa e financeira.

Apesar de legalmente lhe ser reconhecida essa autonomia (artigo 164º do Código Administrativo), os Serviços Municipalizados carecem de personalidade jurídica diferenciada do corpo administrativo que os criou, pelo que, citando Marcelo Caetano, constituem “órgãos mais ou menos autónomos da Câmara a qual responde pela sua actuação”.

De facto, o Município assume a qualidade de entidade titular dos referidos Serviços como se pode ver no contrato de concessão celebrado com a E.D.P. em que essa Câmara interveio, como lhe competia, como representante dos Serviços Municipalizados de Gás e Electricidade do Porto.

12. (13. no original) Pelo que fica exposto, permito-me formular a V. Exª ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º da Lei nº 9791, de 9 de Abril a seguinte

RECOMENDAÇÃO

Que sejam adoptadas providências no sentido de serem atribuídas à Caixa Cristiano de Magalhães as verbas necessárias por forma a que possa garantir o pagamento dos benefícios sociais devidos aos ex-funcionários dos Serviços Municipalizados de Gás e Electricidade do Porto e seus familiares cujos direitos foram total ou parcialmente cerceados, por não terem ficado expressamente salvaguardados no contrato de concessão celebrado entre a Câmara do Porto e a E.D.P..

Solicito a V. Exª que se digne informar-me sobre a sequência dada a esta recomendação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel