Director Geral dos Serviços Prisionais

Rec. nº 164/A/94
Proc.: R.2218/92
Data: 1994-10-14
Área: A5

ASSUNTO: PRISÕES

Sequência: Parcialmente Acatada

I

Na sequência de uma queixa apresentada por um grupo de reclusos, determinei inspecção ao Estabelecimento Prisional de Caxias, tendo-se realizado visitas, ainda em Maio de 1994 à Secção de Regime Aberto de Monsanto e ao Hospital S. João de Deus, visando o funcionamento em geral e, em particular, as circunstãncias do falecimento do recluso …, cuja morte por enforcamento se verificou em 3.8.92.

II

Quanto ao funcionamento em geral dos ditos estabelecimentos, atingiram-se as conclusões seguintes:


Manifesta sobrelotação de reclusos e falta de pessoal, que abrange guardas, educadores, mestres de oficina e psicólogo. Particularmente grave é a falta de um médico e um enfermeiro que assegurem a assistência durante as horas para além do expediente, nas férias e feriados, no Estabelecimento Prisional de Caxias.


Falta de espaço e de instalações suficientes, encontrando-se os detidos preventivos e os condenados a conviver nas mesmas celas e camaratas.


Gestão descentralizada que deixa nos reclusos a imagem de anarquia e de falta de autoridade e conduz a demasiada demora no acesso dos mesmos ao director e à informação sobre os seus requerimentos e pretensões.


Falta de estruturação das oficinas e actividades, designadamente por não haver orientação da produção para o exterior nem salãrios próximos do valor da lei da oferta e da procura.


A secção de regime aberto de Monsanto encontra-se em funcionamento virado à ressocialização e reinserção, mas com um total de 23 reclusos, aquém da ocupação plena da capacidade de 60 (30 para o exterior e 30 para o interior).


O Hospital S. João de Deus funciona de forma aceitãvel e globalmente positiva, mas verifica-se a inexistência de um sector próprio para as mulheres; a direcção queixa-se da falta de pessoal de vigilância e administrativo e assinala a carência das instalações.


A proximidade do Hospital S. João de Deus e Estabelecimento Prisional de Caxias não tem proporcionado vantagens recíprocas e para o sistema prisional em geral.

III

Quanto à morte do recluso … concluiu-se que:


O referido, após se encontrar em liberdade condicional, foi colocado em prisão preventiva no E. P. de Caxias em 1.7.92, por transferência do E.P. da Polícia Judiciária, vindo a obter várias consultas de clínica geral e psiquiátrica, e a ser sujeito a exames radiológicos, revelando-se como notório toxicodependente, profundo e antigo, muito exigente, em permanente agitação e ansiedade.


Em 27.7.92 foi à consulta de psiquiatria, ensaiou uma tentativa de evasão e foi levado ao Hospital de S. Francisco Xavier, ainda no mesmo dia, queixando-se de ter engolido objectos, o que se revelou ser falso.

Sem ouvir o detido, a directora em exercício (por o titular se encontrar de férias) … , aplicou-lhe a “medida de internamento em cela de habitação por 10 dias”, impondo-lhe o pagamento de 1.000$00 pela deslocação injustificada ao hospital.


Em 29.7.92, no Hospital S. João de Deus, tentou evadir-se e foi recapturado no exterior.


No dia 3.8.92, de manhã, ouvido no inquérito pela tentativa de evasão, declarou:
“Sente-se mal em recintos fechados, sente medo e foge das pessoas que o rodeiam; que se sente mal neste estabelecimento… Referiu, ainda, que o melhor que lhe podia ter acontecido era ter levado um tiro, para não estar de novo preso”.


No dia 3.8.92, pelas 17 horas e 30 minutos, o recluso apareceu pendurado de um retalho de lençol, suspenso da grade da janela da cela, morto, depois de 7 (sete) dias de isolamento, sem qualquer assistência médica.

No próprio dia, gritou pedindo um médico, durante várias horas e engoliu um cabo de colher, como forma de protesto, por não ser clinicamente assistido.


O recluso não foi informado do resultado de vários pedidos que formulou para mudar para o Estabelecimento Prisional de Lisboa, assim como do defecho de um protesto contra as condições da assistência médica.


Não tendo sido examinado, nem antes, nem durante os sete dias de internamento, por qualquer médico, nem tendo sido ouvido pela dita subdirectora quanto à medida de internamento, sofrida em situação de grande ansiedade e depressão, pode concluir-se que a direcção praticou uma dupla ilegalidade (violação das prescrições dos artºs 131º e 137º do D.L. nº 265/79, de 1/8).


É ilegal, por violar o comando do artº 137º do D.L. nº 265/79, de 1/8, o entendimento da direcção, então em exercício no E.P. de Caxias, ao ter como dispensável a audição do médico e por ter omitido assistência clínica antes e durante o isolamento.


A morte do recluso … verificou-se no quadro de ansiedade e depressão provocado pelo isolamento em cela individual durante sete dias e sem qualquer assistência médica.

10ª
Considera-se que os factos integram, por parte da direcção do estabelecimento, a prática de infracção disciplinar prevista no artº 24º, nº 1, al. e) do Estatuto Disciplinar, amnistiada por força do artº 1º, al. jj) da Lei nº 15/94, de 11/5.

11ª
Acresce que a dita subdirectora … não terá responsabilidade agravada já que não se apurou o nexo causal entre a omissão dos deveres funcionais e o resultado.

Face à prova produzida e conclusões enumeradas, quanto ao funcionamento em concreto dos três estabelecimentos prisionais centrados em Caxias e à actuação a ter lugar em casos de isolamento e morte de reclusos, e ao abrigo da competência que me é conferida pelo artº 20º, nº 1, al. a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, formulo a V.Exª a seguinte

RECOMENDAÇÃO:

1ª Que se proceda à separação entre reclusos condenados e preventivos, cumprindo-se o disposto no artº 210º, nº 5, do D.L. nº 265/79, de 1/8.

2ª Que se torne obrigatória e efectiva a informação ao detido, em 24 horas, sobre os despachos, deliberações ou decisões que o afectem e em cinco dias, sobre o andamento das petições apresentadas.

3ª Que seja colocado pessoal em número suficiente nos Estabelecimentos Prisionais de molde a assegurar o horário para além do expediente, faltas, fins de semana e férias, designadamente directores, subdirectores, guardas, educadores, mestres de oficina e psicólogo, além de um médico e enfermeiro em serviço permanente.

4ª Que seja aproveitada a proximidade entre o Estabelecimento Prisional de Caxias e o Hospital S. João de Deus, com vantagens recíprocas, para aquele receber os reclusos em tratamento ambulatório neste, assim libertando camas, fornecendo-lhe este Hospital médico e enfermeiro permanentes por forma a economizar meios ao sistema prisional.

5ª Que seja encarada a possibilidade de activar e pôr em funcionamento o pavilhão gémeo do “reduto norte” para suprir a falta de instalações do Estabelecimento Prisional de Caxias, destinado a criação de novos espaços administrativos e actividades de reclusos e proporcionar a abertura de refeitório e sala de convívio.

6ª Que seja criada uma secção feminina no Hospital S. João de Deus e particularmente no anexo psiquiátrico.

7ª Que seja ocupada, segundo adequados critérios, com um número não inferior a 60 reclusos (30 exteriores e 30 interiores) a secção de regime aberto de Monsanto, por esta ser a capacidade desejada para um funcionamento adequado.

8ª Que sejam esclarecidos os directores e seus substitutos da necessidade de cumprir o seguinte:

a) em relação aos presos preventivos, a colocação em isolamento só dever ocorrer mediante ordem de incomunicabilidade do magistrado que tenha assinado o mandado de internamento, conforme decorre do disposto no artº 211º, nº 1, al. a), do D.L. nº 265/79, de 1 de Agosto;

b) no caso de algum recluso vir a falecer, dever proceder-se a comunicação nos termos dos artigos 470º, nº 1 e 478º do Código de Processo Penal ao Tribunal competente para a execução da pena que é, em principio, o Tribunal da aplicação da medida ou que tenha sido proferida a condenação;

c) no caso de aplicação de medida de incomunicabilidade, isolamento ou disciplinar de internamento deve previamente chamar-se o médico a fim de ter lugar a sua audição prévia escrita e, posteriormente, prestar controle clinico diário rigoroso de acordo com os artºs 137º e 211º do D.L. nº 265/79 de 1/8 e 38º, nº 1, das Regras Penitenciárias Europeias adoptadas pela Recomendação R(87)3 do Conselho da Europa.

Solicito a V.Exª se digne manter-me informado sobre a sequência destas Recomendações, nos termos do artº 38º, nº 2,da Lei nº 9/91 de 9 de Abril.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel