Presidente da Assembleia da República

Rec. nº 158/A/94
Proc.: R-2481/93
Data: 1994-10-11
Área: A2

ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS

Sequência:

Foi solicitada a minha intervenção no sentido de obviar à manutenção de uma situação de manifesta desigualdade de tratamento entre contribuintes que, como se comprovará adiante, se encontram em idêntica situação no que toca ao cumprimento das obrigações declarativas no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).

Trata-se da questão da entrega das declarações anuais de IRS pelos contribuintes que se encontram separados de facto.

No caso concreto exposto à Provedoria de Justiça, um dos cônjuges, na sequência da separação de facto, optou por passar a entregar declaração dos seus próprios rendimentos, nos termos do disposto no artigo 59º, nº 2, do CIRS, enquanto o outro, por ter sido afectado de doença incapacitante a 100%, veio a ser, de facto, integrado no agregado familiar de seus pais, dos quais depende física e, em parte, materialmente, uma vez que aufere rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional mais elevado.

Esta dependência factual do cônjuge separado de facto em relação ao agregado familiar de seus pais, levou a que estes o incluíssem, durante alguns anos, na respectiva declaração anual de rendimentos, como seu dependente, uma vez que o mesmo não fazia, de facto, parte de qualquer outro agregado familiar.

Porque a questão não se apresentava clara e pretendendo esclarecer quaisquer dúvidas acerca da bondade deste entendimento, dirigiram os pais do deficiente em causa, à Direcção de Serviços do IRS, exposição no sentido de clarificar a mesma e obter uma resposta afirmativa da administração fiscal quanto à possibilidade de o cônjuge deficiente continuar a ser incluído na declaração de seus pais, como dependente.

Tal pretensão viria a ser indeferida, por despacho de 31/05/93, do Exmº Senhor Subdirector-Geral das Contribuições e Impostos, “com base na conjugação do disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 14º do CIRS com o disposto no nº 6 do mesmo artigo…”.

Atendendo a que a mera invocação destas disposições legais se revelava insuficiente para a compreensão de uma decisão com a importância da que, por esta forma, se tomava, tanto mais que a informação sobre a qual fora exarado o despacho (Inf. nº 383/93, processo nº 883/93 da Direcção de Serviços do IRS) era no sentido do deferimento do pedido do Reclamante, solicitou a Provedoria de Justiça ao Exmº Senhor Director-Geral das Contribuições e Impostos esclarecimentos adicionais àquela informação, tendo sido remetido a este órgão do Estado, em resposta, o ofício cuja fotocópia se anexa e que, efectivamente, aborda já a questão de forma mais elaborada.

A interpretação sistemática dos artigos 14º e 59º do CIRS defendida pela Administração Fiscal neste documento não merece reparo.

Em bom rigor, nenhum dos dois artigos estipula, directa ou indirectamente, que a separação de facto tem como consequência, para efeitos de tributação, a dissolução do agregado familiar, admitindo-se, tão só, o recurso ao expediente consagrado no artigo 59º, nº 2, a fim de facilitar o cumprimento das obrigações declarativas dos contribuintes separados de facto.

Deste modo, o preenchimento e entrega das declarações anuais de IRS será efectuado pela forma que se apresente mais fácil e que melhor traduza a real situação de cada um, continuando a permitir-se a entrega de uma declaração conjunta mas também, em alternativa, a entrega de declarações autónomas, uma vez que, no plano da realidade factual, cada cônjuge se apresenta como um sujeito passivo autónomo, sem qualquer vínculo de facto que justifique a entrega de uma só declaração conjunta.

Certo é, porém, que a situação do separado de facto a que tenho vindo a fazer referência não foi contemplada pelo legislador. Este, tendo resolvido a questão dos agregados familiares dissolvidos de facto, mas não de direito, nos casos em que os cônjuges podem agir como contribuintes sujeitos a tributação autónoma, permitindo-lhes entregar declarações independentes, não previu a hipótese de algum dos cônjuges – ou ambos – poder agir, em termos de obrigações declarativas, como se de um dependente se tratasse e ser, portanto, incluído na declaração de outro agregado familiar, enquanto dependente.

Nesta situação estão, para além do contribuinte a que tenho vindo a fazer referência, todos os separados de facto que reúnam as condições previstas nas alíneas b) e c), do número 4, do artigo 14º, do CIRS, uma vez que as restantes alíneas prevêem situações não compatíveis com a separação de facto (menores não emancipados e menores sob tutela).

Não deixará, certamente, Vossa Excelência de concluir, como eu próprio, que a referência do artigo 59º, nº 2, do CIRS aos separados de facto, peca por defeito ao permitir apenas aos cônjuges que auferem rendimentos susceptíveis de tributação autónoma a facilidade de entrega de declarações separadas, esquecendo aqueles que, pela situação particularmente difícil em que se encontram, acabam por ser, de facto, reintegrados no agregado familiar ao qual, afinal, pertenceriam se não fossem casados.

Esta situação de desigualdade de tratamento dos contribuintes separados de facto, sendo consequência de factores que não justificam tratamento diferenciado, ou melhor, que a justificarem tratamento diferenciado seria em benefício daqueles que física e materialmente não podem subsistir sem a ajuda de terceiros, razão pela qual o Código prevê a possibilidade de serem considerados dependentes, esta situação de desigualdade manifesta, dizia, não só não tem qualquer fundamento, como não é irremediável.

Pelo exposto, RECOMENDO a Vossa Excelência que diligencie no sentido de ser alterada a actual redacção do artigo 59º, nº 2, do CIRS, de modo a que passem a ser aí previstos, para além dos casos que actualmente o texto do artigo refere, aqueles que não podem ter sido omitidos senão por manifesto lapso do legislador fiscal.

A fim de melhor esclarecer o verdadeiro sentido desta minha Recomendação, permito-me sugerir a Vossa Excelência a redacção que, salvo melhor opinião, julgo traduzir mais claramente o objectivo da alteração proposta:

Artigo 59º do CIRS

« 1 – ………………………………………..

2 – Havendo separação de facto, cada um dos cônjuges pode apresentar declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo, ou ser incluído na declaração apresentada por outro agregado familiar, como dependente, caso reúna os requisitos previstos nas alíneas b) ou c) do nº 4 do artigo 14º.

3 – Quando os cônjuges optem por apresentar declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo, observar-se-á o seguinte:

a) os abatimentos referidos no nº 2 do artigo 55º não podem exceder os menores dos limites nele previstos;

b) Não é aplicável o disposto no artigo 72º;

c) Cada um dos cônjuges terá direito à dedução a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 80º ».

Só assim se alcançará, estou certo, não só a indispensável igualdade de tratamento de situações que, no que ao caso interessa, se apresentam idênticas, como a sempre desejável aproximação entre os regimes aplicáveis a cada caso e a situação de facto que lhe está subjacente.

Nesta data, remeto a Sua Excelência o Primeiro-Ministro e a Sua Excelência o Ministro das Finanças, Recomendação análoga à presente, em cumprimento do disposto na alínea b), do n° 1, do artigo 20° da Lei n° 9/91, de 9 de Abril.

Das diligências levadas a efeito no sentido de concretizar a alteração em causa dar-me-á Vossa Excelência conhecimento imediato.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel