Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

Rec. nº 118/A/94
Proc.:R-933/94
Data:1994-07-20
Área: A 1

ASSUNTO: JOGOS DE FORTUNA OU AZAR – ATRIBUIÇÃO DE AGÊNCIA DE TOTOLOTO E TOTOBOLA.

1.Foi solicitada a minha intervenção por parte do Senhor … , que contesta o facto de não lhe ter sido atribuída uma agência de Totobola e Totoloto para um
quiosque no estabelecimento similar- hoteleiro – Café Flamingo – sito na Av. 5 de Outubro em Olhão.

2.O reclamante foi vitimado por um acidente de viação em 24 de Outubro de 1992, de que resultou uma tetraplegia com 100% de incapacidade, devidamente confirmada pela Delegação Regional de Saúde de Faro.

3.O reclamante requereu repetidas vezes a instalação da agência de Totoloto e Totobola, tendo os seus sucessivos requerimentos sido indeferidos, porque “atendendo ao elevado número de candidatos com processos em curso e, à reduzida existência de máquinas registadoras foi decidido, superiormente, a não aceitação de mais pedidos para a instalação de novas agências” (5.Fev.1988), porque “o Departamento de Apostas Mútuas não dispõe actualmente de máquinas registadoras para concessão de novas agências” e “existe uma lista de espera, de cerca de 600 pedidos, para localidades onde num raio de vários quilómetros não existe qualquer agência”, pelo que “quando o Departamento estiver em condições de fazer novas nomeações o pedido de V.Exa. será apreciado em conjunto com 38 existentes para essa localidade” (14.Nov.1989), ou porque “o mesmo não pode ser considerado por já terem sido encerradas as inscrições para essa localidade” (10.Fev.1994).

4. Posteriormente, o reclamante pediu ao Secretariado Nacional de Reabilitação que intercedesse junto de V.Exa., por forma a que a referida agência lhe fosse atribuída.
De acordo com informação prestada pelo Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia àquele Secretariado, o pedido havia sido recusado porque “a área em que se localiza o estabelecimento já se encontra suficientemente coberta, existindo a cerca de 70 metros uma agência de totoloto, não sendo por isso viável a concessão da autorização solicitada”.

5. Inconformado, o reclamante recorreu à Provedoria de Justiça, alegando:

1º- Que o seu quiosque sito na Av. 5 de outubro se encontra a mais de 200 metros dos que se encontram localizados na Praça Patrão Joaquim Lopes e na Travessa Mouzinho de Albuquerque, pelo que o argumento de que se encontrava situado a menos de 70 metros dos outros não procedia.

2º- Que o mesmo argumento da necessidade de uma distância determinada de outras agências não procedia igualmente, já que a 200 metros do local em que se localiza o quiosque do reclamante existem 3 quiosques equidistantes em cerca de 50 metros com agências de totoloto e totobola.

6. A Provedoria de Justiça procurou, então, informar-se junto de V.Exa. sobre os critérios que presidiam à atribuição das agências de Totoloto e Totobola e mais uma vez confirmar as razões por que a agência, dados os argumentos do reclamante, não tinha sido atribuída ao mesmo.

O Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia respondeu que “a escolha do candidato a nomear, para os locais indicados pelo estudo de mercado feito e pelos nossos resultados e conhecimentos da actividade, é feita depois do exame das características físicas e da localização do estabelecimento, do ramo de actividade e das capacidades dos candidatos”. E concluía que “o pedido do reclamante foi indeferido por:

– estar numa zona suficientemente coberta por outros agentes, não se justificando a abertura de uma nova agência.

– o estabelecimento do candidato não satisfazer o padrão pretendido, visto não ter condições para os apostadores nem montra para dar publicidade aos nossos avisos e cartazes”.

7.Mais uma vez, a Provedoria de Justiça procurou confirmar junto do candidato a realidade destes factos, pedindo, inclusivamente, fotografias do estabelecimento, que agora se juntam.

Em resposta, alegou o reclamante:

1º- A zona em que as outras três agências estão instaladas é uma zona nobre, dada a concentração comercial de lojas e boutiques.

2º- Esta zona situa-se a mais de 200 metros do quiosque do reclamante.

3º- O quiosque do reclamante está situado numa zona ribeirinha, junto ao mar, na Av. 5 de Outubro, zona de escoamento de trânsito automóvel que se dirige à estrada nacional 125, junto de mercados municipais – aliás o estabelecimento do reclamante situa-se em frente a estes – e do cais de embarque para as ilhas; beneficia ainda do facto de haver grande afluência de pessoas que visitam os mercados, armazéns de pescado, cafés e restaurantes.

4º- É, portanto, uma artéria bastante concorrida, e até de parqueamento automóvel fácil.

5º- 0 quiosque dispõe de boas condições para os apostadores; o estabelecimento em que está inserido dispõe de duas portas de acesso – vide foto 3 ( anexo ao processo da presente recomendação ) -, sendo uma delas quase exclusiva de acesso ao balcão do quiosque, aliás bastante comprido – vide foto 2 ( anexo ao processo da presente recomendação ).

6º- 0 quiosque tem uma boa montra para o exterior – vide foto 1 ( anexo ao processo da presente recomendação ).

7º- 0 placard ou montra para dar publicidade aos avisos, de que aliás o reclamante já dispõe, será fixa entre as duas portas de entrada – vide foto 1 ( anexo ao processo da presente recomendação ) – local onde, na fotografia, se encontra o reclame da “Olá”.

8º- 0 reclamante dispõe-se a instalar outra montra internamente, caso se revele necessário.

8. Das fotografias do estabelecimento e dos argumentos aduzidos pelo reclamante não posso deixar de tirar a conclusão de que houve, por parte do Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, uma má aplicação ao caso do reclamante dos critérios que o mesmo Departamento diz, agora, depois de várias explicações diferentes, terem presidido à preterição do candidato.

9.0 Regulamento dos Agentes e Outros Intermediários das Apostas Mútuas, publicado na 3ª Série do “Diário da República” de 11 de Janeiro de 1984, refere no art.º 9º que “Ocorrendo motivos que o justifiquem, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa reserva-se o direito de indeferir a admissão de agentes, ainda que os candidatos reunam as condições mínimas exigidas”.

10. Nunca a Santa Casa da Misericórdia pôs em causa que o reclamante preencha as condições mínimas exigidas, previstas no art.º 6º do referido Regulamento.

Depreende-se, portanto, que o indeferimento da candidatura do reclamante resulta apenas do uso do direito que é atribuído à Santa Casa da Misericórdia pelo art.º 9º do mencionado Regulamento.

11. Não posso deixar de notar, porém, que, se esse artigo permite à Santa Casa da Misericórdia usar de discricionariedade no indeferimento de pedidos, não lhe permite o puro e simples arbítrio, não só porque o indeferimento só é possível “ocorrendo motivos que o justifiquem”, mas também porque, tendo o próprio Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia estabelecido discricionariamente os critérios genéricos para o indeferimento de pedidos, fica depois vinculado a respeitá-los enquanto os não alterar genericamente.

12. Ora, do exposto decorre inequivocamente que o Departamento de Jogos tem vindo a alterar a seu bel-prazer os fundamentos invocados para o indeferimento da pretensão do reclamante, como parece claro que fez uma incorrecta aplicação ao caso do reclamante dos critérios por si definidos na resposta enviada à Provedoria de Justiça.

13. Nestes termos, e no uso dos poderes que me são conferidos pelo art.º 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO:

que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, fazendo uma rigorosa aplicação dos critérios por si definidos para a atribuição de agências de Totobola e Totoloto, revogue a sua anterior decisão e defira o requerimento do reclamante, atribuindo-lhe a agência pretendida.

14. Solicito a V. Exa.. que, nos termos do art.º 38º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, me dê conhecimento do seguimento que vier a ter esta minha Recomendação.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSE MENERES PIMENTEL