Presidente do Conselho de Administração da LIPOR

Rec. n.º 247A/93
Proc:R-3166/93
Data:17-12-1993
Área: A 2

Assunto: CONTRATAÇÃO PÚBLICA – CONCURSO PÚBLICO – LIPOR II.

Sequência: Não acatada

1. Quatro consórcios concorrentes ao Concurso Público de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LIPOR II, apresentaram-
-me reclamação contra o acto pelo qual o Conselho de Administração da LIPOR manifesta a intenção de adjudicar a empreitada ao consórcio constituído pelas empresas CNIM/ESYS-MONTENAY.

2. A queixa dos reclamantes fundamenta-se, essencialmente, nos seguintes pontos:

– a proposta do consórcio CNIM/ESYS-MONTENAY contém elevado número de propostas de derrogação ao Caderno de Encargos do Concurso, quando é certo que tais derrogações não são admissíveis, no caso concreto;
– essa proposta não respeita aspectos essenciais constantes do Processo do Concurso, designadamente do Anúncio e do Caderno de Encargos, na medida em que não garante à LIPOR a propriedade da estação a partir da sua construção, e, por outro lado, não faz recair a responsabilidade pelo financiamento exclusivamente sobre o adjudicatário;
– a metodologia de classificação das propostas que foi adoptada, já depois da abertura das mesmas, e incorrecta e privilegia indevidamente a proposta da CNIM/ESYS-MONTENAY;
– o “Relatório Final de Avaliação de Propostas” é tendencioso, na medida em que omite aspectos essenciais negativos da proposta da CNIM/ESYS-MONTENAY;
– o Conselho de Administração da LIPOR não deu conhecimento, aos concorrentes, de todos os elementos relevantes do processo de decisão, nomeadamente do Relatório da empresa HIDROPROJECTO, S.A.

3. Analisadas as reclamações apresentadas e ouvido o Conselho de Administração da LIPOR, chegou-se à conclusão de que essas reclamações são, pelo menos parcialmente, fundadas.

4. De acordo com o disposto no artigo 62.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 235/86, de 18 de Agosto, só é possível a apresentação de propostas de derrogações ao Caderno de Encargos se o Programa do Concurso o permitir expressamente. Ora, no caso, o Programa do Concurso nada diz sobre o assunto, donde se conclui que essas propostas de derrogações não são permitidas.

Sendo assim, e nos termos dos artigos 76.º e 81.º, alínea d) do mesmo Decreto-
-Lei, a proposta da CNIM/ESYS-MONTENAY não deveria sequer ter sido tomada em consideração.

Dir-se-á que o ponto 3. (1). b) do Caderno de Encargos permite que o título contratual altere o estabelecido no Caderno de Encargos ou no Programa do Concurso, inscrevendo-se as alterações ao Caderno de Encargos propostas pela CNIM/ESYS-MONTENAY na lógica dessa disposição. No entanto, tal argumento não procede, na medida em que essa cláusula do Caderno de Encargos é, pelos motivos já expostos, claramente ilegal, não podendo pois ser considerada.

5. Quanto à propriedade da instalação, parece decorrer do Caderno de Encargos, nomeadamente quando prevê a recepção da estação, que a propriedade desta passaria para a LIPOR após a conclusão da obra. É aliás isso que é assumido pelo “Relatório Final de Avaliação de Propostas” (pag. 249) e corroborado no “Relatório da Comissão de Acompanhamento” (pag. 10).

Por outro lado, o Anúncio do Concurso é claro quando dispõe que o financiamento será assegurado pelo Adjudicatário (ponto 8 alínea a)).

Ora, a proposta da CNIM/ESYS-MONTENAY contém duas variantes. Na primeira variante, a propriedade da estação passa efectivamente para a LIPOR, mas é esta que deve assegurar integralmente o financiamento da empreitada. Na segunda variante, constituir-se-ia uma sociedade de capitais mistos com a participação da LIPOR e do consórcio adjudicatário, sendo que essa sociedade seria responsável pelo financiamento e receberia a propriedade da instalação.

Face a isto, não é difícil de concluir, como faz, aliás, o “Relatório Final de Avaliação de Propostas” (págs. 251-252), que a proposta da CNIM/ESYS-MONTENAY não cumpre o que é exigido pelo Processo de Concurso.

6. Da leitura do “Relatório Final de Avaliação de Propostas” resultam algumas fundadas dúvidas sobre a bondade dos critérios (micro critérios) de classificação adoptados e da sua aplicação.

Desde logo se dirá que, embora não sendo a adopção desses micro critérios imposta por lei, a verdade é que, tendo eles sido adoptados, e sendo a sua adopção uma exigência de razoabilidade da decisão e da sua fundamentação (e nesta, mesmo da sua legalidade, na medida em que a sua ausência poderia configurar insuficiência de fundamentação), não se pode agora invocar aquela falta de imposição legal para desculpar a iniquidade ou má aplicação desses micro critérios.

Nesta mesma perspectiva se dirá também que, a adoptarem-se micro critérios, tal adopção se deveria sempre fazer antes da abertura das propostas, e nunca depois.

Quanto às dúvidas concretas sobre os micro critérios e sua aplicação, dar-se-á apenas um exemplo, bem elucidativo e relevante. Quando se trata de definir a metodologia da avaliação económica, o “Relatório Final de Avaliação de Propostas” (Anexo A) parte do pressuposto de que o valor residual da instalação
no fim do contrato (para efeitos de cálculo do custo efectivo das diferentes propostas para a LIPOR) será igual a zero, na medida em que a instalação se encontrará obsoleta, do ponto de vista técnico e de compatibilidade com a legislação ambiental, e os seus custos de conservação e manutenção terão aumentado significativamente.

Quando se trata de avaliar a energia produzida, os concorrentes com maior capacidade de produção são, não obstante isso, penalizados, dado o eventual impacto dessa maior produção na durabilidade e fiabilidade do equipamento (“Relatório Final de Avaliação de Propostas”, pág. 86 e quadro H.2.). Isto não obstante todos os concorrentes serem igualmente classificados quanto ao tempo de vida útil das diferentes componentes da instalação (quadro H.2., igualmente).

Ora, há aqui uma contradição evidente. Se o valor residual da instalação é, em qualquer caso, nulo, quer aquela produza muita ou pouca energia, então não faz sentido penalizar, e sobretudo penalizar na óptica da produção de energia, os concorrentes que mais produzem, com o argumento de que depreciam a instalação. Isso pressuporia que a instalação teria um valor residual, o que, precisamente, é afastado aquando dos cálculos financeiros.

7. Parece ainda provada a alegação dos reclamantes de que o Conselho de Administração da LIPOR não lhes deu conhecimento de todos os elementos relevantes do processo de decisão, nomeadamente, do Relatório da empresa HIDROPROJECTO, SA.

O próprio Conselho de Administração admitiu que não deu conhecimento desse Relatório, com o argumento de que se tratava de um Relatório particular por ele encomendado que não fundamentou a decisão da Comissão de Acompanhamento em que, por sua vez, se baseou a decisão do próprio Conselho de Administração.

Só que, como reconhece a Comissão de Acompanhamento (pág. 5 do seu Relatório), esta teve conhecimento do Relatório da HIDROPROJECTO, SA, pelo que é impossível dizer, honestamente, que ele não foi tomado em consideração na deliberação da Comissão. Além de que, sob pena de a encomenda desse Relatório ser considerada inútil e um puro desperdício de dinheiros públicos, é impossível considerar que a própria aceitação pelo Conselho de Administração da proposta da Comissão de Acompanhamento não foi de forma alguma condicionada pela existência desse Relatório “particular” da HIDROPROJECTO,SA.

Assiste, pois, toda a razão aos reclamantes quando dizem que este Relatório lhes deveria ter sido facultado.

8. Finalmente, referir-se-á que a proposta de preço do consórcio CNIM/ESYS-MONTENAY é muito clara ao referir o valor de 4.260$00 por tonelada. Todavia, parece que posteriormente à apresentação e abertura das propostas, terá sido entregue pelo consórcio um conjunto de Anexos à referida proposta, os quais alteram o valor real daquele preço.

A ser assim, ter-se-ia violado, para além do disposto no art.º 73.º do Decreto-
-Lei n.º 235/87, de 18 de Agosto, o disposto no Programa do Concurso e seu Anexo PC1, na medida em que se teria criado uma incerteza quanto ao prego real apresentado.

9. Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º l, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e sem prejuízo de ulteriores tomadas de posição que se venham a revelar necessárias, formulo desde já a seguinte

RECOMENDAÇÃO:

Que o Conselho de Administração da LIPOR não proceda à adjudicação da Empreitada de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LIPOR II, permitindo derrogações e incumprimentos do Caderno de Encargos e do Processo de Concurso em geral, em clara violação das disposições legais citadas; e ainda, sem proceder previamente a uma reanálise de todo o processo de classificação das propostas, e sem dar conhecimento prévio aos concorrentes de todos os elementos efectivamente tomados em conta no processo de decisão, em termos de os concorrentes poderem tomar utilmente uma posição sobre eles.

10. Digne-se V. Ex.ª. prestar urgentemente, antes da adjudicação, as informações respectivas, sem prejuízo do disposto no art.º 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL