Secretário de Estado dos Recursos Educativos

Rec. nº 75/A/1993
Processo: R-3261/91
Data: 01-06-1993
Área: A4

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA – CARREIRA – PROFESSOR – NOVO SISTEMA RETRIBUTIVO

Sequência: Não Acatada

Recomendação Legislativa Sobre as Disposições Transitórias do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro e legislação complementar, elaborada nos termos e para os efeitos do artº. 20º, nº. 1, alínea b), da lei nº 9/91, de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça)

EXPOSIÇÃO DE MEIOS

1. A partir do início da vigência do Decreto-Lei nº. 290/75, de 16 de Junho, a carreira do pesssoal docente do ensino básico, preparatório e secundário passou a desenvolver-se segundo um regime faseado.

O último diploma publicado de acordo com este regime foi o Decreto-Lei nº. 100/86, de 17 de Maio. A carreira ficou estruturada em seis fases para os professores dos ensinos preparatório e secundário (artº. 1º, nº. 1) e no mesmo número de fases para os professores do ensino primário e educadores de infância (artº. 2º, nº. 1). Este regime assentava, ainda, na diferenciação de categorias através de níveis de qualificação, pelo que os vencimentos se diferenciavam de acordo com as habilitações de cada um dos docentes.

2. O Decreto-Lei nº. 409/89, de 18 de Novembro, introduziu alterações consideradas como estruturantes na referida carreira dos citados graus de ensino. Assim, o regime de fases foi eliminado passando a adoptar-se um outro, por escalões, sendo certo que na vigência do regime jurídico referido em 1. existiam seis fases e no novo regime dez escalões. Isto, por um lado. Por outro, enquanto no primeiro a progressão pelas seis fases dependia apenas do tempo de serviço prestado (exeptuando o acesso às 5ª. e 6ª. fases, dentro do nível de qualificação 1, que exigia, respectivamente, habilitação académica de grau superior de pelo menos, licenciatura) (1) já no segundo, a progressão pelos referidos escalões depende não só do decurso do tempo de serviço efectivamente prestado em funções docentes, como também da avaliação do desempenho e da frequência com aproveitamento de módulos de formação (artº. 9º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 409/89, de 18 de Novembro) .

Outra diferença entre os dois regimes consiste no prolongamento da duração da carreira que de 25 passa para 29 anos. Estas diferenças de regime tiveram também repercussões ao nível salarial.

3. O diploma de 18 de Novembro de 1989, no seu artº. 10º, veio dispôr que o acesso dos docentes ao 8º. escalão passava a depender de aprovação em processo de candidatura a formular no decurso dos 6º. ou 7º. escalões e em termos a regulamentar mediante portaria do Ministro da Educação, acrescentando-se que a produção de efeitos da candidatura só se verificaria depois de concluído o módulo de tempo de serviço prestado para o 7º. escalão. Acresce que o artº. 11º deste diploma de 1989, para acesso ao último escalão, veio exigir a qualificação de docentes profissionalizados com grau de licenciado ou com habilitação académica superior, prevendo-se ainda esta última ascensão para os bacharéis que entretanto tivessem adquirido formação complementar equiparável à licenciatura ou a habilitação superior, em termos a regulamentar por portaria.

4. Se o diploma de 1989 não se referisse a urna carreira existente, isto é, se dispusesse apenas para uma futura carreira, nenhum problema de injustiça relativa se levantaria. Só que assim não aconteceu e, por isso, o capítulo IV do sempre mencionado diploma de 1989 procurou disciplinar as situações desenvolvidas e constituidas na vigéncia do regime anterior. E foi nesta tentativa que se verificaram resultados manifestamente injustos, tendo em conta o disposto nos capitulos fundamentais do novo regime (capitulos II e III).

Assim, e considerando que no regime anterior o topo da carreira se atingia com 25 anos e que a progressão se verificava tendo em conta, fundamentalmente, o decurso do tempo, o legislador sentiu a necessidade de tratar nas disposições transitórias das respectivas transições, mas fê-lo por forma desastrada.

5. O parecer anexo do Prof Dr. Sérvulo Correia resume em dois quadros as situações dos dois regimes e, por isso, se transcrevem:

I – Professores do Ensino Primário *

Regime de 1986
Anos de Serviço

1ª fase – 1º, 2º, 3º, 4º, e 5º

2ª fase – 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11º

3ª fase – 12º, 13º, 14º, 15º, 16º e 17º

4ª fase – 18º, 19º, 20º e 21º

5ª fase – 22º, 23º, 24º e 25º

6ª fase – mais de 25

Regime de 1989
Anos de Serviço

1º. escalão – 1º, 2º e 3º

2º. escalão – 4º, 5º e 6º

3º. escalão – 7º, 8º, 9º, 10º e 11º

4º. escalão – 12º, 13º, 14º e 15º

5º. escalão – 16º, 17º, 18º e 19º

6º. escalão – 20º, 21º, 22º e 23º

II – Professores do Ensino Preparatório e Secundário *

Regime de 1986
Anos de Serviço

1ª fase – 1º, 2º, 3º, 4º e 5º

2ª fase – 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11º

3ª fase – 12º, 13º, 14º, 15º, 16º e 17º

4ª fase – 18º, 19º, 20º e 21º

5ª fase – 22º, 23º, 24º e 25º

6ª fase – mais de 25

Regime de 1989
Anos de Serviço

3º escalão (índice 88) – 1º, 2º, 3º, 4º, e 5º

4º escalão – 6º, 7º, 8º e 9º

5º escalão – 10º, 11º, 12º e 13º

6º escalão – 14º, 15º, 16º e 17º

7º escalão (índice 200) – 18º, 19º e 20º

7º escalão (índice 226) – 18º, 19º e 20º

6. Destes quadros resulta imediatamente uma não correspondência entre os professores antigos, no que respeita aos anos de serviço e os novos, ou sejam, aqueles que iniciam a carreira na vigência da lei nova.

É que a situação dos primeiros nunca poderá ser a mesma dos mais novos, tanto no que se refere à experiência pedagógica como aos anos de serviço prestados.

Todavia, o referido regime transitório não faz qualquer diferença entre os dois estatutos de professores, já que, como se refere no parecer anexo (vd.pág. 12) (no processo da presente recomendação), são fixados os mesmos escalões e as mesmas escalas indiciárias para as duas situações. De onde, e procurando concretizar um pouco mais, resultam ordenados iguais para professores com “notáveis diferenças de anos de serviço prestado e de conhecimentos pedagógicos adquiridos. “(2)

A antiguidade que era praticamente o único critério atendido no regime anterior para a progressão na carreira, continua a ser primordial, ainda que não exclusivo, no novo regime, mas nas normas de direito inter-temporal deixa-se de parte o critério do número de anos de serviço prestado para operar a transição.

7. Em face do exposto nos nºs. 4. a 6. precedentes, parece bem clara a infracção ao princípio da igualdade incrito nos artºs. 13º e 59º, nº. 1 alínea a), da Constituição (nas suas vertentes da proibição do arbítrio e da obrigação de diferenciar).

8. De facto, os quadros atrás transcritos mostram terem sido mais atingidos os dois extremos da carreira, ou sejam, os professores do ensino básico e os que já se encontravam na parte final das carreiras, nomeadamente aqueles que já tenham atingido o seu topo.

É certo que o artº. 24º parece ter tido a intenção de atenuar a referida desigualdade, mas para pouco servirá por fixar uma data arbitrária e um limite de dois anos, tornando-se, assim, pouco significativo e, sobretudo, insusceptível de retirar a infracção ao principio da igualdade mencionado.

9. Ainda é de considerar um outro tipo de inconstitucionalidade quanto da regime de transição, ou seja, a inconstitucionalidade orgânica. Na verdade, o artº. 36º, nº. 2, da lei de bases do sistema educativo (Lei nº. 46/86, de 14 de Outubro) prescreve o seguinte:

“A progressão na carreira deve estar ligada à avaliação de toda a actividade desenvolvida, individualmente ou em grupo, na instituição educativa, no plano da educação e do ensino e da prestação de outros serviços à comunidade, bem como às qualificações profissionais, pedagógicas ou científicas”.

Ora, o regime de transição atrás analisado infringe este preceito na medida em que não dá relevo às diferentes qualificações dos professores no desenvolvimento da sua carreira, tal como já se disse.

A ser assim e porque as bases do Sistema de Ensino são da reserva absoluta da competência da Assembleia da República – artº. 167º, alínea e), da Constituição – o Decreto-lei nº. 409/89, de 18 de Novembro, infringe o citado preceito constitucional.(3)

10. Por seu turno, o Decreto-Lei nº. 184/89, de 1 de Junho (diploma autorizado pela Assembleia da República, o qual fixa alguns princípios do regime jurídico da função pública), no seu capítulo IV (princípios gerais sobre remunerações) estabelece a regra da chamada equidade interna, assim definida:

“A equidade interna visa salvaguardar a relação de proporcionalidade entre, as responsabilidades de cada cargo e as correspondentes remunerações e, bem assim, garantir harmonia remuneratória entre cargos no âmbito da Administração”.

Procurou-se, por esta forma, estabelecer justiça relativa nas remunerações, ou seja, procurar um critério para respeitar o princípio constitucional da igualdade, quer no aspecto positivo, quer no negativo, isto é, de ponderar igualmente situações iguais e diferentemente situações desiguais.

Como se viu já, o regime de transição do Decreto-Lei nº. 409/89, de 18 de Novembro, não respeita este princípio.

Acresce que o artº. 40º do Decreto-Lei nº. 184/89, de 2 de Junho, designadamente o seu nº. 2, preceitua que “em caso algum pode resultar da introdução do novo sistema retributivo redução da remuneração que o funcionário ou agente já aufere ou diminuição das expectactivas de evolução decorrentes quer das carreiras em que se insere, quer do regime de diuturnidades”.

Por isso mesmo, este princípio inserido em diploma autorizado pela Assembleia da República é que deveria ter inspirado o regime transintório em causa, mas o contrário veio a suceder, como consta do parecer anexo.

Aliás, já MARCELLO CAETANO (4) ao tratar do direito à carreira e sua progressão definia este direito como “a faculdade garantida por lei ao funcionário que ingresse num quadro de progredir em vantagens profissionais, segundo a sua capacidade e o seu tempo de serviço (sublinhado não inserido no texto).

Flagrante violação desta regra, como resulta do exposto, encontra-se no regime transitório do Decreto-Lei nº. 409/89, de 18 de Novembro, ao tratar da mesma forma carreiras de 25 e 29 anos (no mínimo).

Nestes termos, as normas do capítulo IV do Decreto-Lei nº. 409/89, de 18 de Novembro, contrariam o chamado princípio da equidade interna (artº. 14º, do Decreto-Lei nº. 184/89, de 2 de Junho) e a proibição de diminuição das expectativas na evolução da carreira (artº. 40º, idem).

Quer um quer outro dos princípios são da reserva de competência relativa da Assembleia da República, pelo que para serem desvirtuados precisavam de autorização parlamentar.

11. Importa ainda considerar o Decreto-Lei nº. 139-A/90, de 28 de Abril, que aprova o Estatuto da Carreira Docente. No artº. 142º. deste último prevê-se a publicação de uma portaria com o objectivo de minorar o desfasamento da passagem do regime anterior para o actual, isto é, do regime de fases para o regime de escalões.

Contudo, essa portaria (nº 1218/90, de 19 de Dezembro) agravou os termos do regime transitório, pois verifica-se nos mapas anexos à mesma, não só o alargamento da carreira, como também a maior dificuldade dos docentes abrangidos pelo antigo regime de atingirem o topo da nova carreira, sobretudo para aqueles que já tinham atingido a parte final da 6ª fase e, ainda, os que estavam na 5ª.

CONCLUSÕES

a) Pelos fundamentos expostos na primeira parte

RECOMENDA-SE

a substituição de todo o capítulo IV do Decreto-Lei nº. 409/89, de 18 de Novembro, por outra solução legislativa que tome em conta, para a integração nos vários escalões os anos de serviço prestado por cada docente na vigência do anterior sistema, seguindo-se o critério do número de anos de serviço e não o do “forçado nivelamento entre fases e escalões não correspondentes aos mesmos anos de serviço”.

b) Nos termos do artº. 29º, nº. 4 da Lei nº. 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça) queira Vossa Excelência informar-me, COM URGÊNCIA, no prazo de quinze dias sobre as medidas eventualmentes tomadas em relação à situação descrita, sem embargo da observância do prazo previsto no artº. 38º, nº 2, do mesmo diploma, quanto ao acatamento da Recomendação ora formulada.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel

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* Dados apresentados em duas colunas no original da presente Recomendação.

(1) cfr. nº. 1 da pág. 1 do parecer do Prof. Dr. Sérvulo Correia em anexo (no processo da presente recomendação).

(2) cfr. a doutrina e a jurisprudência citados no parecer anexo,(no processo da presente Recomendação) designadamente, a págs. 14 e 15.

(3) cfr. doutrina citada na nota 14 da pág. 26 do parecer do Prof. Dr. Sérvulo Correia.

(4) Manual de Direito Administrativo, 10ª. Ed., 2ª. Reimp., Tomo II, Coimbra, Liv. Almedina, pág. 786.