Secretário de Estado da Segurança Social

Rec. nº 43/A/93
Proc.: R-846/89
Data: 23-04-93
Área: A 3

ASSUNTO:SEGURANÇA SOCIAL – REGULAMENTO ESPECIAL DAS PENSÕES DE SOBREVIVÊNCIA – TRATAMENTO DESIGUAL PARA CÔNJUGES SOBREVIVOS – ALTERAÇÃO LEGISLATIVA.

Sequência: Não acatada

1. Com fundamento no indeferimento da pensão de sobrevivência, que requereu, por morte de sua mulher, ao Centro Nacional de Pensões, o reclamante solicitou intervenção do Senhor Provedor de justiça no sentido de ser revista a sua situação, alegando que o preceito legal em que se baseou a decisão tomada – o n° 3 do artigo 3° do Regulamento Especial do Regime das Pensões de Sobrevivência, aprovado por despacho ministerial de 23 de Dezembro de 1970 – além de inconstitucional, viola claramente o disposto no nº 4 do artigo 51º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto.

2. Em termos genéricos pode dizer-se que o que está em causa é, fundamentalmente, o facto de continuar a ser aplicável em matéria de atribuição das pensões de sobrevivência da Segurança Social o disposto na norma citada, que estabelece para o cônjuge sobrevivo do sexo masculino um tratamento menos favorável do que aquele de que beneficia o cônjuge sobrevivo do sexo feminino, cujo direito à pensão não está condicionado pela verificação dos requisitos que são exigidos quando o titular da pensão é do sexo masculino.

3. Importa, de facto, reconhecer que a questão da manifesta contradição da norma citada com o princípio da igualdade consignado no art.º 13º da Constituição da República e da própria Lei nº 28/84, que, no seu art.º 5º., nº 4 colheu idêntico princípio, mantém inteira pertinência face ao actual enquadramento legal das pensões de sobrevivência contido no Decreto-Lei nº 332/90, de 18 de Outubro.

4. E isto porque, apesar dos imperativos de ordem constitucional e legal a que me referi, decorreria largo tempo até que pelo citado Decreto-Lei nº 332/90 fosse eliminada a situação de desigualdade de tratamento entre os cônjuges no que respeita à definição da titularidade do direito às pensões de sobrevivência – se bem que com a expressa delimitação do seu âmbito de aplicação às situações ocorridas após a data da sua entrada em vigor, conforme resulta do disposto no seu art.º 15º.

5. Nesta conformidade, afastada deliberadamente a possibilidade de aplicação retroactiva do novo regime legal – que, aliás, seria inteiramente justificada perante o injusto e discriminatório tratamento resultante da aplicação do disposto no nº 3 do artigo 3º anteriormente citado aos cônjuges sobrevivos do sexo masculino de beneficiários falecidos anteriormente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 322/90, ainda que requerida posteriormente – importa que se retome a apreciação dessas situações.

6. Ora, em relação às pensões requeridas após a entrada em vigor da Lei n° 28/84, como é, concretamente, a da queixosa, afigura-se não existirem razões que possam obstar ao seu deferimento, porquanto, no nº 4 do seu artigo 5°, se exprime com clareza o princípio da igualdade e não discriminação, ao dizer que ele consiste na eliminação de quaisquer discriminações, designadamente, em função do sexo.

7. Não creio, por isso, defensável a posição que a Direcção-Geral de Segurança Social vem assumindo a propósito deste assunto, ao considerar obrigatória a aplicação do nº 3 do artigo 3º do R.E.P.S., no âmbito da vigência daquela Lei de Bases, invocando, nesse sentido, a necessidade de regulamentação das condições de atribuição das pensões de sobrevivência ao abrigo do seu artigo 25º.

8. De facto, essa razão teria peso se, na hipótese de inaplicação do n° 3 do artigo 3° do Regulamento Especial das Pensões de Sobrevivência, surgisse alguma lacuna ou aspecto carenciado de regulamentação positiva, em termos de se passar a não conhecer, integralmente, a definição dos pressupostos de atribuição da pensão de sobrevivência.

9. Mas não considero ser esse o caso.
0 artigo 3°, nº 1 do Regulamento em causa começa por estabelecer, genericamente, que têm direito à pensão de sobrevivência:

a) 0 cônjuge sobrevivo:

Esta regra geral é que é depois restringida pelo nº 3 do mesmo artigo nos termos do qual os cônjuges sobrevivos do sexo masculino só teriam direito à pensão se tivessem mais de 65 anos de idade ou estivessem totalmente incapacitados para o trabalho.
Da não aplicação desta restrição apenas resulta, pois, a automática integração dos cônjuges sobrevivos na regra geral da al. a) do nº 1 do mencionado artigo 3°.

10. E nem é sequer de imaginar que o legislador pretendesse porventura, ao regular esta matéria, nos termos do artigo 25º da Lei nº 28/84, vir a tornar extensiva uma restrição do tipo da contida no nº 3 do artigo 3º do Regulamento a todos os cônjuges sobrevivos, homens ou mulheres.
É que o legislador tem, sem dúvida, um pensamento sistemático.
A isso o obriga, aliás, a própria Constituição, ao apontar no sentido da uniformização dos regimes de segurança social (artigo 63º nº 2).

11. Ora, é sintomático o facto de o Estatuto das Pensões de Sobrevivência aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março que consagrava no artigo 43º nº 3 uma restrição idêntica à do nº 3 do artigo 39 do Regulamento das Pensões de Sobrevivência, tenha sido posteriormente, alterado pelo Decreto-Lei nº 191-B-/79, de 25 de Junho que aboliu para o funcionalismo tal limitação.
Assim, é decerto nesse sentido – e não no inverso – que se orientará o legislador, ao fixar os requisitos das pensões de sobrevivência da segurança social.

12. Acresce ainda, em abono da posição defendida, que o artigo 83º da Lei nº 28/84, estipula que se mantêm em vigor “as disposições complementares e regulamentares das Leis n° 2115 e 2120 que não contrariem o preceituado na presente lei”.

Ora, o n° 3 do artigo 3° do Regulamento das Pensões ele Sobrevivência é norma regulamentar das leis citadas, mas que contraria o disposto no nº 4 do seu artigo 5°.

Em face do exposto, e atendendo à competência que me é conferida pelo artigo 20°, n° 1 als. a) e b) da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, formulo a Vossa Excelência a seguinte RECOMENDAÇÃO:

Que se considere o n° 3 do artigo 3° do Regulamento Especial do Regime das Pensões de Sobrevivência revogado pela Lei nº 28/84 (artigos 5 n° 4 e 83º nº 2) não devendo, por isso, já hoje ser aplicado.
Que, em conformidade com este entendimento, sejam transmitidas ao Centro Nacional de Pensões as instruções necessárias no sentido de ser reapreciado o caso do beneficiário (e os demais similares), procedendo-se ao pagamento da pensão de sobrevivência a partir da data em que mesma foi requerida.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL