Secretário de Estado das Obras Públicas

Rec. nº 9/A/93
Proc.:287/87
Data:22-03-1993
Área: A 4

ASSUNTO:FUNÇÃO PÚBLICA – TRABALHO EXTRAORDINÁRIO .

Sequência:

1. Pende nesta Provedoria de Justiça um processo relacionado com a queixa da Senhora A e do Senhor B, ambos meteorologistas do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica (INMG), na qual reclamam de não lhes ter sido remunerado como trabalho prestado em dias de descanso semanal e complementar, o serviço que prestaram nos dias 5, 6, 12, 13, 19 e 20 de Abril, 26 e 27 de Julho e 2 e 3 de Agosto, todos do ano de 1986 (fotocópia anexa ao processo da presente recomendação).

1.1. Estes dias, todos eles coincidentes com sábados e domingos, intercalaram-se numa sucessão de dias em que os ora reclamantes estiveram deslocados em serviço, em Alvega e no Pêgo, dando execução a uma encomenda de prospecção de baixa troposfera, feita pela EDP àquele Instituto.

1.2. A fim de obterem o pagamento daquela remuneração, os ora reclamantes apresentaram oportunamente requerimentos a Sua Excelência o Ministro dos Transportes que foram indeferidos por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado das Vias de Comunicação de 26/11/86, com fundamento na Informação nº API 053/86-2437 do INMG( que se anexa por fotocópia no processo da presente recomendação).

2. Resulta dos autos que a recusa do pagamento da remuneração daqueles dias como trabalho prestado em dias de descanso semanal ou complementar assentou fundamentalmente no seguinte:

a) Circular nº 836/A da Direcção Geral da Contabilidade Pública relativa ao pagamento de trabalho extraordinário cumulativamente com o abono de ajudas de custo;
b) Ausência de autorização para a realização de tal trabalho, já que o despacho que recaiu sobre as informações elaboradas a respeito da encomenda da EDP (fotocópia anexa ao processo da presente recomendação) é de simples autorização da realização da campanha não cobrindo “a prestação de trabalho extraordinário aos sábados e aos domingos, uma vez que não se vê qualquer referência expressa à
correspondente situação”;
c) Inexistência da intenção de autorizar a prestação daquele trabalho, que se existisse o “Senhor Director-Geral teria indicado expressamente no seu despacho que concedia tal autorização e que o fazia no exercício de poderes delegados.

3. 0 Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio, em vigor à data em que ocorreram os factos, distingue o trabalho extraordinário (regulado na secção I do seu capitulo III e que pode ser definido, como regra geral, como o prestado fora do
período normal diário de trabalho) do trabalho prestado em dias de descanso e feriados, este tutelado no artigo 18º e 19º.

3.1.De comum, estas duas formas de prestação de trabalho têm:

a) As condições da sua admissão, ou seja, desde que necessidades do serviço, imperiosamente o exijam em virtude da acumulação anormal de trabalho ou urgência na realização de trabalhos especiais (cfr. artigo 18º nº 1);

b) 0 processo burocrático que precede a sua realização, isto é, carece de autorização do membro do governo competente, sem prejuízo de em casos de excepcional premência poder ser autorizada a sua realização pelo dirigente do serviço e confirmada no prazo de 48h pelo membro do governo respectivo (cfr. artigo 25).

3.2. A forma da sua compensação é porém diversa – o trabalho extraordinário dá apenas lugar a um acréscimo de remuneração, enquanto que o trabalho prestado em dias de descanso para além do acréscimo da remuneração, mais elevado que o de trabalho extraordinário, atribui, no caso de ser prestado ao dia de descanso semanal, em regra coincidente com o domingo, o direito a descansar num dia da semana seguinte.

Diferentes são também a sua natureza, características, penosidade e sacrifícios que envolvem.

4. De diferença de regimes e até da própria sistematização do Decreto-Lei nº 110-A/81, conclui-se de forma inequívoca, que o trabalho extraordinário e o trabalho prestado em dias de descanso constituem realidades jurídicas distintas não se subsumindo este último no conceito de trabalho extraordinário.

4.1. Este mesmo entendimento se retira da situação dos funcionários e agentes que gozam de isenção de horário, que não têm direito à remuneração por trabalho extraordinário mas já têm pelo trabalho prestado nos dias de descanso (cfr. artigo 3º do Decreto-Lei nº 465/88, de 14 de Outubro e artigo 8º do Decreto-Lei nº 191-F/79, de 26 de Julho e ainda Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 4/2/64 e 12/3/68, in A.D.S.T.A., nºs 29 e 77 respectivamente).

5. Assim sendo, o despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado das Vias de Comunicação, de 26/11/86 que indeferiu os pedidos dos ora reclamantes, exarado no Parecer identificado no antecedente ponto 1.2., informa de ilegalidade por errada interpretação e aplicação da lei.

5.1. É que apropriando-se aquele despacho da fundamentação do parecer em que foi exarado faz uma interpretação errada da lei ao classificar como trabalho extraordinário o trabalho prestado em dias de descanso e ao negar, em consequência disso, o acréscimo da remuneração devida pelo trabalho prestado naqueles dias e o direito a descansar num dia da semana seguinte.

6. Não pode objectar-se contra este pagamento, tal como se fez no aludido parecer, com a ausência de autorização expressa para a prestação de trabalho naqueles dias.
E isto porque tal autorização já tinha sido dada anteriormente, conforme se conclui das Informações, que se anexam por fotocópia ( ao presente processo ), elaboradas a propósito da encomenda da E.D.P.

Destas Informações constavam os dias exactos em que se desenvolveria a actividade, com a menção expressa de que se incluíam os sábados e domingos intercalados, que seriam remunerados nos termos do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 10 de Maio. Sobre estas informações exarou o Senhor Director Geral do I.N.M.G. o despacho de “autorizo” sem nada acrescentar em contrário aquilo que se referia no seu texto.

7. Não colhe, também, contra o pretendido abono a alegada falta de menção expressa ao despacho de delegação de poderes.

E isto porque de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo(cfr. Acórdão do Tribunal Pleno de 22/6/83 e da 1ª Secção de 28/1/86, in A.D.S.T.A, nos 263 e 296-297) “a falta da menção expressa da delegação de poderes degrada-se em formalidade não essencial, quando for atingido o fim a que se destina aquela menção”, transformando-se, deste modo, em simples irregularidade e como tal não afecta a validade do acto.

8. E finalmente, não procede também o argumento de que só em casos de elevado grau de excepcional idade se deverá aceitar o pagamento cumulativo de ajudas de custo e remuneração por trabalho extraordinário ou em dias de descanso.

É que tal entendimento é contrário à natureza e objectivos daqueles abonos: as ajudas de custo destinam-se a comparticipar as despesas com alojamento e alimentação, ou só alojamento ou só alimentação que o funcionário faz quando deslocado em serviço da sua residência oficial, o outro destina-se a remunerar trabalho prestado fora das horas normais de serviço ou em dias em que normalmente não há a obrigação de prestar serviço:

De referir ainda que o “titulo muito excepcional”, exigido na Circular nº 836/A, da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, não pode ser outro que a excepcionalidade própria do trabalho extraordinário e do prestado em dias de descanso como, aliás, parece ser entendimento da Direcção-Geral da Administração Pública (cfr. Revista da Administração Pública n°- 2, Out./Dez 1978, pág. 365 e nº 4, Abril/Junho 1979, pág. 380-381).

9. De tudo o exposto concluí-se que o trabalho prestado pelos queixosos aos sábados e domingos intercalados na deslocação em serviço para execução da campanha de prospecção da baixa trospofera encomendada pela EDP ao INMG e por este autorizada, deve ser compensado nos termos do artigo 18º do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio, não podendo de forma alguma ser compensado como trabalho extraordinário que não foi. Isto sem prejuízo das ajudas de custo a que tinham direito por aqueles dias.

10. Termos em que ao abrigo do disposto no artigo 20º da Lei 9/91, de 9 de Abril formulo a Vossa Excelência a seguinte RECOMENDAÇÃO :

Que revogue o despacho de 26/11/86 e mande abonar aos reclamantes a remuneração correspondente ao trabalho prestado nos dias 5, 6, 12, 13, 19 e 20 de Abril, 26 e 27 de Julho e 2 e 3 de Agosto de 1986, (todos os sábados e domingos), nos termos fixados no artigo 18º, nº 1) do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL