Presidente do Conselho de Administração da Electricidade de Portugal, SA.

Rec. n.º 14/A/92
Proc.:R-2101/90
Data:30-03-1992
Área: A 2

ASSUNTO: CONSUMO – ENERGIA ELÉCTRICA – CORTE SEM AVISO – VER TAMBÉM REC N.º 65/A/1993.

Sequência:

A reclamante … apresentou reclamação nesta Provedoria alegando que o corte de energia lhe foi feito sem qualquer aviso e sem saber que tinha dívidas de consumo em atraso.

Mais alegou que tentou pagar a dívida perante o piquete, o que não pôde fazer pelo facto de tal serviço não ter instruções para o efeito.

Ouvida a EDP veio alegar que a Reclamante tinha tais facturas em dívida no tempo do corte do fornecimento de energia, e que respeitavam aos meses de Janeiro, Abril e Junho de 1990, sendo certo que o corte teve lugar em 4 de Setembro do mesmo ano.

Mais alegou a EDP que a Reclamante deu instruções para que as facturas lhe fossem introduzidas por debaixo da porta da sua residência.

Dos autos concluiu-se, ainda, que o diferendo foi submetido à arbitragem do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo, tendo, em consequência, sido restituídas à reclamante as importâncias pagas para o estabelecimento do fornecimento de energia.

0 corte de energia efectua-se a contar do 10.º dia da data de apresentação da factura (cfr. art.° 3.º n.º 3 do Dec-Lei 103-C/89, de 4 de Abril).

Nos termos do art.° 3.º, n.° 1, deste diploma legal, para os grandes consumidores a comunicação da dívida é efectuada por carta registada, telegrama ou telex com indicação da eventual suspensão do fornecimento da energia, mas para os consumidores domésticos é suficiente a apresentação da factura.

Poder-se-ia pensar na violação do princípio da igualdade e a lei nessa parte estaria ferida do vício da inconstitucionalidade.

Todavia, as situações e os interesses em jogo não são exactamente iguais e daí não se sufragar a tese da existência do vício (pense-se na hipótese de corte de energia por sectores comerciais ou industriais em contraposição ao corte de energia numa habitação).

Em todo o caso, parece-me que o corte de energia para um consumidor doméstico só pode ter lugar quando de forma inequívoca a factura tenha chegado ao poder do consumidor.

Sem essa certeza não há mora do devedor e não pode legalmente proceder-se ao corte da energia.

Ora, essa certeza s6 pode ter lugar ou pelo seguro do correio ou pela entrega pessoal por parte do funcionário da EDP ao consumidor.

Por outras palavras: quando se trate de entrega pessoal da factura torna-se necessário que na falta de pagamento haja a certificação da entrega.

No caso concreto, as facturas eram entregues por baixo da porta da reclamante, e, por isso, antes do corte da energia, era necessário obter-se do cobrador a comprovação, por certidão, da entrega da factura.

Nesta parte, pois, é de esperar que de futuro o corte de energia seja antecedido de documento comprovativo da entrega efectiva da factura ao consumidor.

Outro aspecto que merece reparo é o facto de o Serviço de Piquete não poder receber as importâncias em dívida para estabelecer o fornecimento de energia.

Na verdade, atendendo à natureza de bem essencial que deve ser atribuído à energia eléctrica na sociedade actual, o corte deve ser rodeado das garantias aduzidas, mas o restabelecimento deve, outrossim, ser garantido sem peias burocráticas.

Por isso, entende-se recomendar à EDP que os Serviços de Piquete sejam munidos de notas dos débitos e instruídos para poderem receber as importâncias em dívida por qualquer meio idóneo de pagamento, de forma a restabelecer o fornecimento no mais curto espaço de tempo possível, ou mesmo evitar o corte do referido fornecimento.

Nestes termos, tenho por bem formular RECOMENDAÇÃO no sentido de:

1.° O corte do fornecimento de energia eléctrica só dever ser efectuado quando haja a certeza de ao consumidor ter sido entregue a factura respeitante a qualquer consumo em dívida;
2.° Os Serviços de Piquete poderem receber as quantias como forma de evitar o corte ou restabelecer o fornecimento de energia eléctrica.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL