Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo
Número: 5/A/98
Processo: 2537/97
Data: 20.02.1999
Área: Açores

Assunto: AMBIENTE – RUÍDO – ESTABELECIMENTOS SIMILARES – HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO – REGULAMENTO POLICIAL DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES – REGULAMENTO GERAL SOBRE O RUÍDO – NORMA ESPECIAL

Sequência: Sem Resposta

I- Exposição de Motivos

Os Factos

1. Em … 97, foi dirigida ao Provedor de Justiça uma reclamação relativa ao horário de funcionamento da “Sociedade…”, sita na freguesia da Ribeirinha, no concelho de Angra do Heroísmo e, em especial, ao ruído proveniente daquele estabelecimento. A queixa, embora entregue em nome individual, veio acompanhada de um “abaixo-assinado” de residentes nas imediações do estabelecimento reclamado.

2. No âmbito da instrução do processo cuja abertura determinei, foram solicitadas informações à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo.

3. Pelo ofício n.º …, de …/97, a autarquia a que V.Exa. preside respondeu remetendo cópia da informação n.º …/97, do Serviço de Taxas e Licenças.

4. A mencionada informação é do seguinte teor:

“1. O estabelecimento de Bar da Sociedade …, sita ao …, freguesia da Ribeirinha, encontra-se devidamente licenciado por esta Câmara com o alvará de licença de ocupação n.º …, de … 89, o alvará de abertura n.º … emitido por esta Câmara em … 93 e as respectivas licenças de funcionamento anuais.

2. Quanto às condições de isolamento acústico da referida sociedade não existe nada neste serviço que comprove que tenham sido efectuadas medições de ruído naquele estabelecimento.

3. O estabelecimento tem o horário de funcionamento das 07.00 horas às 24.00 horas desde a sua abertura em … 93.
De conformidade com o Regulamento Policial da Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 18/96/A, de 06 de Agosto, art. 21º, n.ºs 1 e 2, alínea a), os estabelecimentos de bar têm como horário de encerramento diário obrigatório as 02.00 horas, podendo funcionar das 07.00 às 22.00 horas, das 22.00 às 24.00 horas e das 24.00 às 02.00 horas e antecipação de horário de abertura para as 06.00 horas.

4. Como já foi referido a Sociedade solicita a renovação anual da licença de funcionamento com o horário de abertura das 07.00 às 24.00 horas. No entanto existem reclamações e abaixo assinados referentes ao horário de funcionamento praticado pela Sociedade”.

O Direito – A Competência Municipal em Matéria de Utilização de Edifícios

5. É da competência das câmaras municipais a concessão de licenças de utilização de edifícios novos, reconstruídos, reparados, ampliados ou alterados ou das suas fracções autónomas, cujas obras tenham sido por elas licenciadas (cfr. art. 26º, n.º 1, do Regime de Licenciamento das Obras Particulares).

6. Nos termos do disposto na alínea j), do n.º 2, do art. 53º, do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/91, de 12 de Junho, tal competência pertence, actualmente, ao Presidente da Câmara.

O Regulamento Geral sobre o Ruído

7. O Regulamento Geral sobre o Ruído (abreviadamente R.G.R.) elenca as categorias de actividades a que se aplica o seu regime jurídico. Assim, nos termos do disposto no art. 2º, a construção de edifícios; a laboração de indústrias, comércio e serviços; o tráfego rodoviário, ferroviário e aéreo e a sinalização sonora, são as actividades compreendidas no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho [cfr. alíneas a) a f), do art. 2º, do R.G.R.].

8. Não obstante esta enumeração, o disposto na alínea g) do mesmo artigo vem submeter à disciplina do R.G.R. todas as “actividades geradoras de ruído (…) que possam causar incomodidade”.

9. O art. 20º, integrado no capítulo relativo às actividades ruidosas, definia os requisitos a que deveria obedecer o licenciamento dos locais destinados a espectáculos, diversões e outras actividades ruidosas.

10. O limite sonoro máximo permitido era de 10 dB (A), uma vez que, nos termos da alínea a) deste art. 20º, a diferença entre o valor do nível sonoro contínuo equivalente, corrigido do ruído proveniente dos locais em questão, e o valor do nível sonoro do ruído de fundo, que é excedido, num período de referência, em 95% da duração deste (L95), deve ser inferior ou igual aquele valor.

11. O Decreto-Lei n.º 292/89, de 2 de Setembro, veio alterar a redacção, entre outros, dos art.s 20º e 21º, deixando inalterado o limite de 10 dB (A).

12. Não obstante, a nova redacção do n.º 2 do art. 20º introduziu uma presunção “juris tantum”, nos termos da qual a licença presume-se concedida sob condição de respeito por aquele limite.

13. O art. 21º, dispondo, como na anterior redacção, sobre as “actividades ruidosas, públicas ou privadas” alargou, no entanto, a natureza dos seus condicionamentos. Nestes termos, só deve ser autorizada a realização de actividades nas proximidades de edifícios de habitação, escolares, hospitalares ou similares e de estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento, quando:

a) Seja respeitado o limite sonoro máximo de 10 dB (A);

b) Ocorra a sua suspensão:

– entre as 22,00 e as 8,00 horas do dia seguinte, de domingo a quinta-feira;

– entre as 24,00 e as 8,00 horas do dia seguinte, à sexta-feira, ao sábado e nas vésperas de dias feriados.

14. O n.º 3 do art. 20º – a que correspondia o anterior n.º 2 – determina que incumbe às entidades competentes para o licenciamento ou autorização, ouvidas as entidades fiscalizadoras, a imposição, expressamente e a título excepcional, dos condicionamentos tendentes ao cumprimento das imposições do R.G.R.

15. O art. 33º, do Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho, dispõe sobre a competência para fiscalizar o cumprimento das disposições do R.G.R.. Os poderes de fiscalização incluem, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 33º, a realização de vistorias e ensaios julgados pertinentes.

16. O n.º 3 do art. 21º – totalmente inovador em relação à redacção inicial do Decreto-Lei n.º 251/87 – impõe a suspensão imediata, pela intervenção da autoridade policial, oficiosamente ou a pedido de qualquer interessado, dos espectáculos ou das actividades que produzam ruído a níveis superiores a 10 dB (A), ou dos que se realizem entre as 22,00 e as 8,00 horas, nos domingos, terças-feiras, quartas-feiras e quintas-feiras, ou entre as 24,00 e as 8,00 horas, às sextas-feiras, sábados e vésperas dos dias feriados.

17. Por outro lado, constituem contra-ordenações, nos termos do disposto no art. 36º, as infracções ao preceituado, entre outros, no n.º 4 do art. 20º (violação das condições de licenciamento) e n.ºs 1 e 2 do art. 21º [realização de espectáculos ou actividades produzindo ruído a níveis superiores a 10 dB (A), depois das 22,00, nos domingos, terças-feiras, quartas-feiras e quintas-feiras, ou depois das 24,00, às sextas-feiras, sábados e vésperas dos dias feriados].

18. Uma vez que o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas no que respeita à disciplina do R.G.R. competem às entidades com superintendência técnica em cada sector, a qual é determinada em razão da matéria (cfr. art. 37º, do R.G.R.), e porque é de competência municipal a concessão de licenças de utilização de edifícios novos, reconstruídos, reparados, ampliados ou alterados ou das suas fracções autónomas, cujas obras tenham sido pelas licenciadas pelas respectivas câmaras municipais [cfr. art. 26º, n.º 1, do Regime de Licenciamento das Obras Particulares e art. 53º, n.º 2, al. j), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/91, de 12 de Junho] e é, igualmente, da competência municipal a emissão da licença de funcionamento dos estabelecimentos similares de hotelaria [art. 16º, n.º 2, al. b), do Decreto Legislativo Regional n.º 18/96/A, de 6 de Agosto], a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo deveria ter exercido as suas competências de polícia administrativa neste domínio.

19. Com efeito, face às diversas reclamações já recebidas, a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo deveria ter fiscalizado o cumprimento das disposições do R.G.R., nos termos do disposto no art. 33º, do Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho, e deveria, nesse âmbito, ter realizado, ou promovido, as vistorias e os ensaios acústicos julgados pertinentes.

20. Atenta a redacção do n.º 3 do art. 21º, a verificação de que ocorre produção de ruído a níveis superiores a 10 dB (A), ou de que se realizam actividades ruidosas entre as 22,00 e as 8,00 horas, nos domingos, terças-feiras, quartas-feiras e quintas-feiras, ou entre as 24,00 e as 8,00 horas, às sextas-feiras, sábados e vésperas dos dias feriados, imporia que a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo solicitasse à autoridade policial a sua suspensão imediata.

O Regulamento Policial da Região Autónoma dos Açores

21. No caso em apreço, é irrelevante que o Regulamento Policial da Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 18/96/A, de 6 de Agosto, permita o funcionamento até às 22,00 horas, às 00,00 horas, às 02,00 horas, às 04,00 horas, ou mesmo autorize o funcionamento contínuo dos estabelecimentos, uma vez que, no que concerne ao exercício de actividades ruidosas nas proximidades de edifícios de habitação, o R.G.R. constitui norma especial em relação ao diploma regional.

22. No entanto, refira-se que o Regulamento Policial da Região Autónoma dos Açores dispõe, no art. 14º (justamente epigrafado “Ruído”) do capítulo relativo aos estabelecimentos hoteleiros e similares, que “as autorizações de abertura de funcionamento dos estabelecimentos abrangidos pelo presente capítulo presumem-se concedidas sob condição de nos mesmos não serem excedidos os limites legais e regulamentares em matéria de ruído”, seguindo de perto o raciocínio do legislador nacional quanto à presunção juris tantum nos termos da qual a licença presume-se concedida sob condição de respeito pelo limite de 10 dB (A) (cfr. art. 20º, n.º 2, do R.G.R.).

23. O Regulamento Policial estabelece, acrescidamente e no que concerne aos estabelecimentos de dança ou onde ocorra a emissão de música ambiente, a obrigatoriedade da autorização administrativa ser precedida de uma vistoria, destinada a comprovar o respeito pelos limites de ruído e a existência de isolamento acústico adequado (cfr. n.º 2 do supra referido art. 14º).

24. Assim, a realização das actividades ruidosas previstas no n.º 1 do art. 21º do Decreto-Lei n.º 251/87, na redacção do Decreto-Lei n.º 292/89 (perto de edifícios de habitação, escolares, habitacionais, hoteleiros e meios complementares de alojamento), deve conformar-se com o disposto no R.G.R., antes de respeitar o Regulamento Policial da Região Autónoma dos Açores. E prevendo aquela norma especial horários mais restritos de funcionamento, devem estes ser obedecidos, sob pena de serem aplicadas as sanções previstas na lei.

II – Conclusões

25. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artº 20º, n.º 1, alínea a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

Relativamente ao funcionamento do estabelecimento “Sociedade…”, sito na freguesia da Ribeirinha, no concelho de Angra do Heroísmo:

A) Que a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo exerça as suas competências de polícia administrativa em matéria de incomodidade resultante da produção de ruído, fiscalizando o cumprimento das disposições do Regulamento Geral sobre o Ruído, nos termos do disposto no art. 33º, do Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho, determinando a realização das vistorias e dos ensaios acústicos que julgar pertinentes;

B) Que a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, caso venha a verificar a ocorrência de infracções, designadamente ao preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art. 21º, do Regulamento Geral sobre o Ruído [realização de actividades produzindo ruído a níveis superiores a 10 dB (A), depois das 22,00, nos domingos, terças-feiras, quartas-feiras e quintas-feiras, ou depois das 24,00, às sextas-feiras, sábados e vésperas dos dias feriados], instaure procedimento contra-ordenacional, nos termos do disposto no art. 36º, do Regulamento Geral sobre o Ruído;

C) Que a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, caso venha a verificar que ocorre produção de ruído a níveis superiores a 10 dB (A), ou a realização de actividades ruidosas entre as 22,00 e as 8,00 horas, nos domingos, terças-feiras, quartas-feiras e quintas-feiras, ou entre as 24,00 e as 8,00 horas, às sextas-feiras, sábados e vésperas dos dias feriados, solicite à autoridade policial a suspensão imediata daquelas actividades ruidosas, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 21º do Regulamento Geral sobre o Ruído.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL