Presidente da Câmara Municipal de São Roque do Pico
Número: 7/A/98
Processo: 486/97
Data: 20.02.1998
Área: Açores

Assunto: URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – RESTAURANTE – EMISSÃO DE FUMOS – FALTA DE LICENCIAMENTO – CONTRA-ORDENAÇÃO – PODER VINCULADO DA CÂMARA MUNICIPAL – LEGALIZAÇÃO

Sequência: Acatada

I- Exposição de Motivos

Os Factos

1. O provedor de justiça recebeu uma reclamação relativa ao funcionamento de estabelecimento de restauração sito na Estrada …, Cais do Pico, ao Km ….

2. Nos termos da queixa, da cozinha do mencionado restaurante eram emitidos cheiros e fumos que afectavam gravemente os moradores dos edifícios vizinhos. Acrescidamente, ainda segundo a reclamação, o proprietário do estabelecimento instalou um grelhador industrial, a cerca de 3 metros de distância das janelas de edifício de habitação, agravando substancialmente a situação incomodativa preexistente.

3. Pelo ofício n.º …, de …/97, este Órgão do Estado (Extensão da Região Autónoma dos Açores) solicitou esclarecimentos à Câmara Municipal de São Roque do Pico, os quais foram prestados, através do ofício n.º …, de …/97, nos seguintes termos:

a) A reclamação era procedente, uma vez que a “situação não era do conhecimento [da] Câmara Municipal, [tendo sido] imediatamente comunicado ao (…) proprietário (…) que teria de pedir o licenciamento do grelhador industrial existente”;

b) A Câmara Municipal de São Roque do Pico solicitou uma vistoria aos serviços da Delegação de Saúde;

c) A Autoridade de Saúde Concelhia efectuou uma vistoria ao local tendo verificado:

“a existência duma edificação, em plena utilização, destinada à confecção de produtos alimentares grelhados (Grill) cuja construção e utilização nunca foram submetidas a parecer [da] Delegação de Saúde.

Quanto às instalações originais (…) que o sistema de evacuação de fumos provenientes da cozinha não está em conformidade com os artigos 112º, 113º e 114º do Decreto-Lei n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951 (RGEU), em consequência de o proprietário (…) ter procedido à construção de um alpendre, acoplado à fachada posterior do estabelecimento, onde se encontrava instalado a conduta de evacuação dos fumos, tornando-a, por isso, ineficiente e com isso, poder ocasionar difusão dos fumos para as edificações vizinhas” (cfr. ofício da Delegação de Saúde do Centro de Saúde de S. Roque do Pico, n.º …/97, de …/97);

d) Em conclusão, a Autoridade de Saúde Concelhia fez “apreciação sanitária” nos termos da qual
“o projecto não se encontrava em conformidade com o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, Decreto-Lei n.º 38382 de 7 de Agosto de 1951, no que concerne ao Capítulo VI Evacuação de fumos e gases, Artigos 112º, 113º, para obter o licenciamento” (cfr. ofício da Delegação de Saúde do Centro de Saúde de S. Roque do Pico, n.º …, de …/97).

4. Pelo ofício n.º …, de …/97, este Órgão do Estado (Extensão da Região Autónoma dos Açores) solicitou esclarecimentos adicionais à Câmara Municipal de São Roque do Pico. Em especial, a autarquia foi inquirida sobre:

– A instauração de procedimento contra-ordenacional, em virtude da execução das obras sem o necessário licenciamento municipal;

– A utilização do grelhador reclamado;

– As medidas eventualmente tomadas em ordem a mitigar a produção de gorduras e a emissão de cheiros para os edifícios vizinhos, durante o período de legalização dos trabalhos.

5. Através do ofício n.º …, de …/97, a Câmara Municipal de São Roque do Pico prestou as seguintes informações:

a) Não fora instaurado procedimento contra-ordenacional;

b) O grelhador não se encontrava em funcionamento;

c) Fora “colocado um tubo, com a altura de 3,0 metros, e com a secção de 3,1416 dcm², tubo este que não satisfaz o que o Regulamento Geral das Edificações Urbanas exige, nos seus artigos 112º, e, 113º, assunto este, que já foi comunicado ao dono do Snack-Bar …, assim como foi também comunicado, o teor do art. 114º, do mesmo Regulamento, artigo este que poderá ser salvaguardado aquando do possível licenciamento do grelhador”.

O Direito

6. O Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro – cuja redacção foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro – estabelece o regime jurídico das obras particulares e define, como princípio geral, a obrigatoriedade de licenciamento camarário de todas as obras de construção civil, designadamente a construção de novos edifícios e a reconstrução, a ampliação, a alteração e a reparação de edificações [cfr. art. 1º, n.º 1, alínea a)].

7. O exercício das competências de polícia administrativa por parte das câmaras municipais resultava já da disciplina do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, que dispõe que a execução de novas edificações “não pode ser levada a efeito sem prévia licença das câmaras municipais, às quais incumbe também a [sua] fiscalização” (cfr. art.s 1º e 2º).

8. De igual modo, o art. 51º, do citado Decreto-Lei n.º 445/91, atribui às câmaras municipais a incumbência de fiscalizar o cumprimento das disposições do regime legal urbanístico.

9. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 54º, deste diploma, a execução de obras de construção civil sem a respectiva licença de construção constitui contra-ordenação, punível com coima graduada de 100.000$00 até ao máximo de 20.000.000$00, no caso de pessoa singular, ou até 50.000.000$00, no caso de pessoa colectiva (cfr. n.º 2 do preceito em causa).

10. Assim, a verificação da execução de trabalhos de construção civil, designadamente a construção de novos edifícios e a reconstrução, a ampliação, a alteração e a reparação de edificações, não pode deixar de conduzir, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 54º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, à instauração de processo contra-ordenacional.

11. A incumbência de fiscalização do cumprimento das disposições do conferida, no presente caso, à Câmara Municipal de São Roque do Pico, vem acompanhada, como já referi, da competência para o processamento das contra-ordenações respectivas. E a decisão de instaurar o competente procedimento contra-ordenacional constitui, perante a verificação dos necessários pressupostos, poder vinculado da câmara municipal.

12. Com efeito, a limitação da discricionariedade não se esgota, porém, na tutela do interesse público a prosseguir, antes de estendendo a todos os demais princípios a que a acção administrativa se encontra vinculada e, em especial no caso presente, aos princípios da legalidade, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade, da colaboração da Administração com os particulares e da desburocratização e eficiência.

13. Assim, da conjugação das disposições dos art.s 51º e 54º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e do art. 2º, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, resulta que o processamento de contra-ordenação assume, na situação em apreço, carácter vinculado.

14. Na verdade, sendo a Câmara Municipal de São Roque do Pico competente para o processamento da respectiva contra-ordenação, e tendo comprovado a violação do disposto no art. 1º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e, acrescidamente, do disposto nos art.s 112º, 113º e 114º, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, não pode deixar de ser instaurado aquele procedimento.

15. Não obstante, nos termos do disposto no art. 167º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, pode ser requerida a legalização dos trabalhos realizados em desrespeito pelas pertinentes disposições urbanísticas.

16. No entanto, a legalização destes trabalhos de construção civil apenas poderá ocorrer caso se “reconheça que são susceptíveis de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade” (cfr. art. 167º, n.º 1, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951).

17. A legalização das obras realizadas sem licença é o único meio de evitar a demolição dos trabalhos ilicitamente erigidos (cfr. corpo do mencionado art. 167º) mas somente se se verificar a susceptibilidade dos trabalhos realizados virem a conformar-se com as disposições relativas a urbanização, estética, segurança e salubridade. Caso não possa ser evitada, nos termos do disposto no mencionado artigo, por não estarem reunidas as condições urbanísticas, de estética, de segurança ou de salubridade para a legalização, a consequência será, obrigatoriamente, a demolição dos trabalhos realizados sem a necessária licença camarária, ao abrigo do disposto no art. 165º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

II – Conclusões

18. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do ponder que me é conferido pelo disposto no artº 20º, n.º1, alínea a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

À Câmara Municipal de São Roque do Pico:

A) Que seja instaurado processo contra-ordenacional, face à verificação de que o proprietário do estabelecimento de restauração sito na Estrada …, Cais do Pico, ao Km …, realizou obras de construção civil sem o necessário licenciamento camarário;

B) Que, caso tal seja requerido e se reconheça que as obras realizadas são susceptíveis de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade seja promovida a legalização daqueles trabalhos de construção civil;

C) Que, caso não estejam reunidas as condições urbanísticas, de estética, de segurança ou de salubridade indispensáveis para a legalização, seja promovida a demolição dos trabalhos realizados sem a necessária licença camarária.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL