Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo

Proc. R-2720/89
Rec. n.º 14/A/98
1998.03.16
Área: A1
Sequência: Acatada

I Exposição de Motivos

A – Dos Factos

1. Foi apresentada queixa na Provedoria de Justiça relativa à decisão que recaíu sobre o pedido de licenciamento de construção de um edifício, analisado no processo camarário n.º 68/33/89, em terreno sito junto à Estrada da Papanata, na freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Viana do Castelo.

2. Com efeito, em despacho da Presidência de 5 de Setembro de 1989, foi indeferido o referido pedido de licenciamento, com o fundamento de se destinar o terreno em causa a uma praceta pública, conforme definido no plano de pormenor da Papanata.

3. Não concordando com o sentido e fundamento da decisão, o Senhor L…, em exposição datada de 29.09.89, invocou a ilegalidade da decisão, porquanto o citado plano não se encontrava “superiormente aprovado” nem publicado, sendo, por isso, ineficaz.

4. A Câmara Municipal de Viana do Castelo reiterou o indeferimento, sustentando que o plano de pormenor da Papanata já estava a “ser seguido como instrumento de orientação urbanística” (cfr. ofício n.º 7537, de 20.10.89).

5. Veio a Câmara, em seguida, convocar o reclamante para reunião com vista à resolução do problema, por acordo quanto ao preço do imóvel onde se pretendia a construção.

6. Em resposta a pedido de informações formulado por este Órgão do Estado, foram prestados esclarecimentos sobre os actos e procedimentos sumariamente descritos, nos termos do ofício 82, de 20.03.91.

7. Assim:
A. Quanto ao processo de licenciamento de obras particulares n.º 68/33/89, foi adiantado que o indeferimento do pedido do interessado constava de um despacho do Senhor Vereador do Pelouro das Obras de 05.09.89, por o mesmo não respeitar o citado plano de pormenor da Papanata, sendo esse indeferimento confirmado por deliberação camarária de 10.10.89.
B. O projecto de arquitectura foi objecto de uma informação do Departamento de Planeamento Urbanístico, na qual se referia que o projecto não respeitava o plano da Papanata, conquanto não tivesse sido aprovado, acrescentando-se que “o projecto se encontrava regulamentar e era satisfatório”. Esta informação foi elaborada em 23.08.89.
C. Verifica-se ainda que o processo camarário integra pareceres favoráveis (alguns com condicionamentos) relativos aos projectos das especialidades (Centro de Saúde, CTT/TLP, EDP e Serviços Municipalizados).
D. Por seu turno, foi aberto um outro processo camarário, tendo por objecto a expropriação dos terrenos necessários à criação da praceta em causa, entre os quais se conta o terreno do reclamante.
E. Feita a avaliação dos terrenos por perito designado pela Câmara, oficiaram-se os proprietários para uma negociação amigável com vista à aquisição dos imóveis. Neste âmbito compreende-se a convocatória referida no ponto 5 (vd. supra).

8. No mesmo ofício, porém, em sede de considerações finais, pode ler-se que “recentemente foi abandonado o projecto de execução de uma praceta, pelo que o mesmo deixou de constituir entrave à execução da construção requerida pelo reclamante”.

9. Tendo sido dado conhecimento do teor deste ofício ao reclamante, requereu este, com base na informação transcrita no ponto anterior, o deferimento do pedido de licenciamento da construção no terreno junto à Estrada da Papanata.

10. Questionada a Câmara Municipal de Viana do Castelo sobre o andamento dado ao requerimento do interessado (datado de 14.06.91), foi este Órgão do Estado informado da deliberação camarária de 12.08.91, no sentido da expropriação de uma zona a definir em planta, abrangendo “provavelmente” o terreno do requerente, a par da elaboração de um estudo urbanístico para essa zona, ficando disso encarregue o Departamento de Urbanismo da Câmara.

11. As informações ulteriores da Câmara Municipal limitaram-se a reiterar a intenção de elaborar um estudo urbanístico para a zona, bem como de um plano de urbanização da cidade de Viana do Castelo, “conducentes a uma intervenção urbanística concertada e coerente, que tenha em conta os legítimos interesses dos particulares e acautele o interesse municipal” (cfr. ofício n.º 10.808, de 05.11.92).

12. Em 10 de Abril de 1996 foi realizada uma visita de inspecção à Câmara Municipal de Viana do Castelo, tendo sido prestados esclarecimentos pelo Exmo. Senhor Director do Departamento Financeiro.

13. Em resumo, foi apurado que:
A. O Plano de Pormenor da Papanata nunca chegou a ser aprovado e publicado, tendo o respectivo projecto sido abandonado pela Câmara Municipal;
B. O processo de expropriação nunca chegou ao seu termo;
C. As razões de indeferimento basearam-se em projectos de planos;
D. Os herdeiros do requerente (entretanto falecido) já manifestaram a sua intenção de construir no terreno em causa;
E. Os últimos elementos contidos no processo camarário consistem num pedido de informação formulado pelos herdeiros do reclamante sobre “a capacidade de construção do terreno em causa” e num pedido de decisão datados de 07.08.95 e na resposta aos mesmos;
F. A resposta da Câmara Municipal não chegou a ser recebida pelos destinatários (veio devolvida). A mesma informava que “de momento não é possível satisfazer o solicitado, dado que o estudo para a zona oriental da cidade`, que dispomos no momento, não dá indicações, que permitam concluir sobre a ocupação do terreno”.

14. Mais se apurou que o procedimento expropriatório de que foi dado conta não chegou ao seu termo, por razões de oportunidade.

B – De Direito

I Dos Parâmetros das Decisões

O disposto no art. 63º, n.º 1, alínea a), do Regime de Licenciamento Municipal das Obras Particulares.
15. Do que ficou descrito, resulta que as sucessivas decisões da Câmara Municipal de Viana do Castelo relativamente à pretensão de construir do Senhor Luís Maria Palhares Delgado, bem como dos seus herdeiros, não encontram fundamento em instrumentos de planeamento urbanístico aprovados e publicados, isto é, válidos e eficazes.

16. Ao que acresce o facto de a última comunicação aos requerentes não consubstanciar uma resposta ao pedido de informações formulado sobre a capacidade edificatória do terreno, diferindo essa resposta para momento oportuno (entenda-se: o momento de maior densificação da disciplina urbanística em elaboração).

17. No caso vertente, como se viu, as decisões que recaíram sobre o pedido de licenciamento das obras de construção pretendidas tomaram por parâmetro a regulação prevista em simples projecto de plano de pormenor, porquanto elaborado aquele projecto deve ainda ser submetido à apreciação das entidades a consultar e a inquérito público, cujos pareceres e resultados, respectivamente, serão ponderados pela câmara municipal antes de os submeter à assembleia municipal para aprovação (vd. artigos 13º a 15º do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março). Existindo plano director municipal, é dispensada a ratificação governamental, mas não o seu registo, a menos que o plano de pormenor não se conforme com aquele (vd. art. 16º, do mesmo diploma), devendo então o plano ratificado ou registado ser publicado nos termos da lei, adquirindo plena eficácia (vd. art. 18º, idem). Nota-se que essas decisões sempre se basearam na alegada desconformidade do projecto de construção pretendido com as disposições do futuro plano urbanístico da Papanata (partindo do princípio que as mesmas seriam mantidas em sede de aprovação do plano), invocando-se recentemente um “estudo para a zona oriental da cidade”.

18. Não pode, contudo, ser esse o motivo de indeferimento de um pedido de licenciamento de construção, nem tão pouco, de um pedido de informação prévia.

19. Os fundamentos de indeferimento desses pedidos encontram?se elencados nas diversas alíneas dos números 1 e 2 do art. 63º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.

20. A invocação de motivos diversos consubstancia o vício de violação de lei por parte da deliberação de indeferimento.

21. A solução legal não diverge essencialmente do que já havia sido fixado no art. 15º do revogado Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril, pois “a enumeração legal dos fundamentos de indeferimento continua a ser taxativa (…). A câmara municipal só pode indeferir o pedido com base em alguns dos fundamentos previstos no presente artigo, mas não tem necessariamente de o fazer relativamente a dois deles” (cfr. António Duarte de Almeida e Outros, Legislação Fundamental do Direito do Urbanismo Anotada e Comentada, vol. II, Lisboa, 1994, anotação ao art. 63º, do Decreto-Lei n.º 445/91, p. 969).

22. Para o que aqui interessa, atente-se no disposto na alínea a), do n.º 1, do art. 63º, do regime aprovado pelo citado Decreto-Lei n.º 445/91. Vem aqui previsto o indeferimento do pedido de licenciamento com base na desconformidade com instrumentos de planificação territorial, válidos nos termos da lei.

23. Mais se deve entender que a lei se refere aos planos válidos e eficazes, ou seja, publicados no Diário da República, pois “o plano entra em vigor na data da sua publicação no Diário da República, adquirindo plena eficácia”, como decorre do disposto no art. 18º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março (neste sentido, António Duarte de Almeida e Outros, Legislação Fundamental do Direito do Urbanismo, cit., p. 971 e ss.). Aliás, a Constituição comina com a ineficácia a falta de publicidade dos “actos de conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local” (art. 119º, n.º 2, CRP), o que, não obstante deixar intocada a validade do acto, impede a sua oponibilidade e obrigatoriedade relativamente a terceiros (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, anotação ao art. 122º, p. 551).

24. Considera-se assim que não podem servir de parâmetro para fins de licenciamento (ou melhor, de não licenciamento) os instrumentos de planeamento urbanístico não publicados, pois são desconhecidos pelos seus destinatários e faltam garantias de tratamento igualitário que só a plena eficácia do conteúdo dos planos permite atingir.

25. Mas ainda que assim não se entendesse, e considerando que a lei não se referiria à eficácia dos planos, temos de reconhecer que só poderia referir-se a actos perfeitos, “válidos nos termos da lei”, o que nem aqui se verifica, pois o projecto do plano de pormenor da Papanata não foi aprovado pela assembleia municipal, sendo certo que não pode a câmara municipal invocar normas não publicadas, nem sequer aprovadas para decidir em desfavor dos seus munícipes. Constitui acto puramente interno.

26. O mesmo se diga quanto ao designado “estudo para a zona oriental da cidade”, o qual constitui, ao que parece, o embrião de um futuro plano de pormenor ou de plano de urbanização da citada zona da cidade de Viana do Castelo.

27. Mesmo que se entendesse que os herdeiros do Senhor Engº Luís Maria Palhares Delgado não formularam um pedido de licenciamento de construção, mas um pedido de informação prévia, a decisão camarária sempre estaria inquinada pelo vício de violação de lei (art. 63º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, cuja natureza taxativa é pacífica na doutrina e jurisprudência).

28. Com efeito, mesmo tratando-se da decisão de um pedido de informação prévia relativamente ao licenciamento de construção, a conclusão não pode ser diversa. Dada a ligação entre os dois tipos de pedidos (que se traduz, entre outras coisas, na vinculatividade da decisão que recaia sobre o pedido de viabilidade), deve considerar-se aplicável o regime do citado art. 63º do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, aos pedidos de informação prévia, do mesmo modo que uma decisão favorável a um pedido deste género em desrespeito das disposições de plano urbanístico vigente acarretaria a nulidade dessa decisão, por aplicação do disposto no art. 52, n.º 2, alínea b), do mesmo diploma, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro (cfr. António Duarte de Almeida e Outros, ob. cit., p. 830).

29. Atente-se que o pedido de informação prévia é um modo expedito de se saber se é possível a realização de uma determinada obra, em determinada zona, com uma determinada finalidade. Por outras palavras, é um modo de se saber qual a decisão que mereceria o projecto que se apresenta se integrado com outros elementos instrutórios num pedido de licenciamento. Ora se a decisão a tomar em sede de licenciamento da obra nunca poderia ser como a decisão tomada, pois desrespeitaria os fundamentos de indeferimento taxativamente fixados no citado art. 63º, não pode a Câmara Municipal indeferir o pedido de viabilidade relativo a um projecto de construção que, em sede de licenciamento de obras, seria considerado admissível, isto é, viável.

30. Não se nega que os dois tipos de pedido têm uma certa autonomia. Daí que a resposta da Câmara Municipal a um pedido de informação prévia é uma verdadeira decisão e não um mero parecer integrado no procedimento de licenciamento (vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, da 1ª Secção, de 15.01.84, in Apêndice ao Diário da República, de 06.02.87).

31. Não pode é ser diferente a resposta a um posso construir? e a um posso eventualmente construir?, quando o interessado vem “solicitar à administração que tome uma primeira decisão sobre uma pretensão, que lhe é formulada num determinado estádio de elaboração e concretização” (cfr. António Duarte de Almeida e Outros, ob. cit., p. 825), sendo necessária a posterior formulação de um pedido de licenciamento, o qual se realizado no prazo de um ano e se conforme ao pedido de informação prévia, não pode merecer diferente decisão, pois a lei estabelece a vinculatividade das decisões (favoráveis) dos pedidos de viabilidade.

32. Por último e se, porventura, se entendesse ainda que o último pedido formulado consistia num mero pedido de informações, não poderia deixar de se notar que a informação prestada (e, ao que parece, não oportunamente recebida) se mostrava incompleta e errónea. Incompleta, por não se referir aos instrumentos de planeamento territorial em vigor (ou à sua falta); errónea, porque, por uma vez mais, inculcava nos administrados a ideia da impossibilidade de construir antes da definição de uma determinada disciplina urbanística para o local.
ii) O disposto no art. 63º, n.º 1, alínea f), do Regime do Licenciamento Municipal de Obras Particulares

33. Para além dos aspectos já focados, os quais se prendem, essencialmente, com a invocação de planos urbanísticos ainda em projecto, verificou-se que a pretensão do Senhor Engº Luís Delgado foi também recusada com o fundamento da necessidade do seu terreno para a construção de uma praceta, parecendo hoje desactualizado o fundamento invocado pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, com o abandono do projecto em causa.

34. Não obstante, considero dever frisar que o indeferimento de um pedido de licenciamento de construção não pode ter por base a mera intenção camarária de aquisição dos terrenos, se esta intenção não se mostrar concretizada num acto de declaração da utilidade pública para efeitos de expropriação que abranja a área a licenciar, como decorre do disposto no art. 63º, n.º 1, alínea f), do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.

35. Nem se diga que o momento da entrada em vigor do referido diploma obsta à formulação de um juízo de validade quanto à invocação deste fundamento de indeferimento do pedido de licenciamento de obras de construção.

36. Como escrevem ANTÓNIO DUARTE DE ALMEIDA et. al., a citada alínea f) “é inovadora, embora a jurisprudência já considerasse ilegal o indeferimento do pedido de licenciamento “com o fundamento de o respectivo terreno estar apenas ameaçado de expropriação” (cfr. Sentença da Auditoria Administrativa do Porto, de 6/4/63, in RDA, 1964, n.º 3, 255 ss.) ou “por se ter destinado determinado terreno para a implantação de um edifício escolar” sem que previamente tenha havido uma declaração de utilidade pública para efeitos de expropriação (cfr. Sentença da Auditoria Administrativa do Porto, de 19/6/80, in DA, 1980, n.º 3, 237)” (Legislação Fundamental do Direito do Urbanismo, Anotada e Comentada, Vol. II, ob. cit., p. 974).

37. Assim sendo, permito-me considerar ilegal o acto camarário que decidisse negativamente o licenciamento das obras de construção com base num procedimento expropriatório não precedido da necessária declaração de utilidade pública.

II Conclusões

38. Concluo pela ilegalidade dos actos camarários reclamados, sem prejuízo da sanação dos vícios apontados, decorrido o prazo da sua anulação, na medida em que os fundamentos de indeferimento sucessivamente invocados se afastam do elenco taxativamente fixado, quer no regime do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro (art. 63º), quer no revogado Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril (art. 15º).

39. Mais concluo que os princípios fundamentais da legalidade da Administração Pública e da garantia dos direitos dos particulares (artigo 266º da Constituição), não dissociados de um elementar imperativo de justiça, se não fundam a necessidade de revogação por ilegalidade das decisões camarárias (dada a apontada sanação dos vícios de que padeciam), impõem a reapreciação do pedido de licenciamento formulado ao abrigo do quadro legal e regulamentar vigente.
De acordo com o que ficou exposto, e em nome da atribuição constitucional que me é conferida no sentido da prevenção e reparação de injustiças (art. 23º, n.º 1, CRP), entendo fazer uso dos poderes que me são conferidos pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do provedor de justiça), no seu art. 20º, n.º 1, alínea a), e, como tal,
RECOMENDO,
A reapreciação da pretensão dos interessados, em sede de futuro procedimento de informação prévia ou de licenciamento, ao abrigo do regime estatuído no Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 29/92, de 5 de Setembro e pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, e tomando por parâmetro os planos urbanísticos válidos e efectivamente vigentes à data da sua apreciação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA
Menéres Pimentel