Presidente da Câmara Municipal da Horta
Número: 22/A/98
Processo: 3436/97
Data: 06.04.1998
Área: Açores

Assunto: AMBIENTE – ÁRVORE – OBJECTO CLASSIFICADO – PROTECÇÃO ESPECIAL – CORTE DE ÁRVORE – DANO CONTRA A NATUREZA – CRIME

Sequência: Acatada

I – Exposição de Motivos

1. Em … /97, foi aberto processo na Provedoria de Justiça (Extensão da Região Autónoma dos Açores) em virtude de reclamação relativa ao corte de exemplares de Araucaria excelsa R Br, na cidade da Horta.

2. Nos termos da queixa, sete exemplares arbóreos teriam sido cortados,a saber:
– Árvore Ae4, localizada em Canada das Dutras;

– Árvore Ae5, localizada na Rua do Arco (acesso à Travessa de São Francisco);

– Árvore Ae6, localizada na Rua do Cônsul Dabny (Antiga Colónia Inglesa);

– Árvore Ae7, localizada na Rua do Cônsul Dabny (Antiga Colónia Inglesa,4);

– Árvore Ae15, localizada no Largo do Duque de Ávila e de Bolama;

– Árvore Ae16, localizada na Rua de Eduardo Bulcão; e

– Árvore Ae19, localizada na Rua do Conselheiro Medeiros, 2.

3. A classificação referida reporta-se à disciplina contida no Decreto Legislativo Regional n.º 28/84/A, de 1 de Setembro.

4. No âmbito da instrução do processo e por forma a permitir a cabal averiguação dos factos reclamados foram solicitadas à senhora Directora Regional do Ambiente informações sobre as circunstâncias em que ocorreram os referidos cortes de árvores, bem como sobre as entidades consultadas e respectivos pareceres.

5. Através do ofício n.º … , de … /97, a Direcção Regional do Ambiente prestou os seguintes esclarecimentos:

a) O abate das árvores Ae5, localizada na Rua do Arco (acesso à Travessa de São Francisco), Ae6, localizada na Rua do Cônsul Dabny (Antiga Colónia Inglesa), Ae7, localizada na Rua do Cônsul Dabny (Antiga Colónia Inglesa, 4) e Ae19, localizada na Rua do Conselheiro Medeiros, 2, foi decidido na sequência da elaboração de relatório sobre a avaliação do estado vegetativo de algumas árvores classificadas da cidade da Horta, produzido em … /96 pelo senhor engenheiro silvicultor … e pelo senhor engenheiro agrónomo … ;

b) As árvores Ae4, localizada em Canada das Dutras e Ae15, localizada no Largo do Duque de Ávila e de Bolama, foram derrubadas durante a tempestade de Fevereiro de 1986;

c) O abate da árvore Ae16, localizada na Rua de Eduardo Bulcão, resultou da construção do Arquivo Público e Casa da Cultura da Horta.

6. Atendendo, em especial, ao mencionado abate do exemplar Ae16 foram oficiadas, a coberto dos ofícios n.ºs … e …, ambos de …/98, a Direcção Regional do Ambiente e a Câmara Municipal da Horta, relativamente ao exercício das suas competências de fiscalização (vide art. 6º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 28/84/A, de 1 de Setembro) e às circunstâncias em que se processara o referido corte.

7. A Câmara Municipal da Horta informou (cfr. ofício n.º … , de … /98) que a obra de construção do Arquivo Público e Casa da Cultura da Horta não estivera sujeita a licenciamento municipal porquanto fora promovida pelo Governo Reginal dos Açores, através da Direcção Regional dos Assuntos Culturais.

8. Acrescentou, por outro lado, que «o projecto apresentado não previa o corte da referida ARAUCARIA, conforme se pode verificar nas plantas e memórias (…)».

9. A senhora Directora Regional do Ambiente remeteu a este Órgão do Estado, anexo ao ofício n.º … , de … /98, a informação n.º … , … /96, do senhor Chefe da Divisão do Ordenamento da Direcção Regional do Ambiente. A mencionada informação, que mereceu, em … /96, despacho de “Concordo” do senhor Secretário Regional do Turismo e Ambiente dava conta, em suma:

a) Da realização de reunião, na qual participaram o mencionado senhor Chefe de Divisão e os senhores Directores da Casa de Cultura e da Biblioteca Pública da Horta, com o objectivo de ser feita a análise da questão da «sobreposição [de] espaços ocupados (…) pela auracária protegida ao abrigo do Decreto Legislativo Regional n.º 28/84/A, de 1 de Setembro de 1984, Ae16, da Rua Eduardo Bulcão (…)»;

b) Da declaração do senhor Director da Casa de Cultura segundo a qual, «devido a um erro de implantação da auracária Ae16, ocorrido durante o levantamento topográfico do terreno, o projecto apresentado não era exequível, em virtude desta árvore, bem como de parte da área de protecção, se sobreporem com a área necessária para a construção do edifício proposto»;

c) De que o senhor Director da Casa de Cultura havia apresentado uma proposta de alteração do projecto de edifício. Todavia, nos termos da informação, «esta nova proposta em análise apresenta ainda problemas de conciliação de espaços, além de reduzir a operacionalidade interna do projecto e as condições de serviço público do mesmo.

Os problemas de conciliação de espaços, mesmo com o projecto alterado são os seguintes:

– parte da área de protecção da auracádia fica ocupada pelos novos edifícios;

– a distância entre os ramos da árvore e os blocos do edifício é presentemente próxima de 1 metro, a qual reduzir-se-á em virtude do próprio crescimento lateral da árvore;

– As fundações dos dois blocos deverão atingir as raízes laterais da árvore, o que poderá implicar a sua fragilização em relação a tempestades ou inclusivamente danos irreversíveis que conduzam à sua morte;

– o próprio crescimento de raízes poderá afectar a estrutura do edifício a nível de estabilidade, consequências que podem ir desde a abertura de pequenas fendas ou a perturbações ainda maiores»;

d) Da apresentação de três alternativas:

1ª Não ampliação do edifício para não afectar a auracádia;

2ª Ampliação do edifício com a alteração do projecto apresentado de modo a afectar o mínimo possível a auracádia;

3ª Ampliação do edifício de acordo com o projecto inicial abatendo a auracádia.

e) Da análise das implicações da adopção de cada uma das opções.

A Informação n.º … , de … /96

10. Não pode o Provedor de Justiça deixar de manifestar a sua estranheza pelo carácter absolutamente “não técnico” – e quase coloquial – do documento em causa. Acresce que a informação não menciona os critérios que conduziram à elaboração dos três cenários apresentados nem justifica, tão pouco, a exclusão de outros (como, por exemplo, a ponderação da transferência das instalações do Arquivo e Biblioteca Pública do Faial).

11. Como refere MICHEL PRIEUR (citado por A.J.S. LOPES DE BRITO, A protecção do ambiente e os planos regionais de ordenamento do território, Almedina, pág. 147) «o direito do ambiente está perfeitamente marcado pela sua dependência estreita com as ciências e tecnologia. A sua compreensão exige um mínimo de conhecimento científico e toda a reflexão crítica correlacionada impõe uma abordagem pluridisciplinar».

12. Não obstante, na informação n.º … as consequências da adopção de cada uma das opções foram apresentadas mediante a enumeração de factos (ou de meras expectativas) sem qualquer fundamentação científica. Importa registar, a título de exemplo, que o senhor Chefe da Divisão do Ordenamento refere que a não ampliação do edifício implicaria, por um lado, «reduzir o interesse da juventude pela cultura» e, por outro, «prolongar, por apenas mais alguns anos, a vida de uma auracária» comentando que «como qualquer ser vivo virá a morrer» (vide pág. 3 da supra citada informação).

13. Acresce que o processo de análise comparativa das três alternativas não faz referência, e não leva em linha de conta, as disposições pertinentes do ordenamento jurídico português.

14. Por outro lado, não se sabe qual a natureza jurídica da informação em causa, ao abrigo de que competências foi elaborada nem, tão pouco, com que finalidade. Estando em causa a alteração de um projecto de arquitectura, aguardar-se-ia a participação de técnicos daquela área; questionando-se o abate de um exemplar arbóreo protegido, esperar-se-ia a intervenção de elementos com conhecimentos específicos sobre protecção da natureza; e, atendendo aos condicionalismos legislativos existentes, sempre se impunha a colaboração de participantes com conhecimentos jurídicos.

15. O resultado foi um documento que põe em confronto, unicamente,a fruição cultural da população da ilha do Faial com o «valor cénico» (sic) de um exemplar de Araucaria excelsa R Br.

O Decreto Legislativo Regional n.º 28/84/A, de 1 de Setembro

16. Os 22 exemplares de Araucaria excelsa R Br existentes na cidade da Horta foram considerados, nos termos do disposto no Decreto Legislativo Regional n.º 28/84/A, de 1 de Setembro, objectos classificados.

17. Esta classificação, para além de conferir especial protecção aos exemplares designados, sujeitava as operações susceptíveis de os destruir ou danificar a um regime jurídico próprio, criado em ordem à sua salvaguarda.

18. Desde logo, os exemplares classificados tinham «(…) como zona de protecção à sua volta uma área correspondente ao dobro da projecção da copa no terreno» (vide art. 3º). Por outro lado, ficavam proibidas quaisquer operações que pudessem destruir ou danificar os exemplares, constituindo contra-ordenações o corte do tronco, ramos ou raízes [vide art. 4º, n.º 1, alínea a), Decreto Legislativo Regional n.º 28/84/A]; a remoção terras ou qualquer tipo de escavação não autorizadas, ou em desconformidade com os seus termos, na zona de protecção raízes [vide art. 4º, n.º 1, alínea b)]; e o depósito e a queima de materiais, bem como a utilização de produtos químicos, na zona de protecção raízes [vide art. 4º, n.º 1, alínea c)].

19. O regime de protecção dos exemplares assumiu um carácter restritivo tão marcado que, nos termos da alínea d) do n.º 1 do citado artigo 4º, qualquer operação susceptível de prejudicar o estado vegetativo das árvores classificadas constituia contra-ordenação.

20. Segundo o disposto no art. 6º, a fiscalização da disciplina do Decreto Legislativo Regional n.º 28/84/A, compete à Secretaria Regional do Equipamento Social e à Câmara Municipal da Horta. A competência para processar os respectivos procedimentos contra-ordenacionais e aplicar as coimas cabe ao Director Regional de Ambiente (parece ser este o entendimento mais correcto, uma vez que a redacção inicial do diploma falava no director regional de Habitação, Urbanismo e Ambiente) e ao Presidente da Câmara Municipal (relativamente aos exemplares existente em áreas do domínio municipal).

21. O art. 7º impõe aos infractores a obrigatoriedade de reposição («na medida em que for possível») da situação que hajam alterado.

O art. 278º, do Código Penal

22. Não obstante a instrução do presente processo não ter apurado o número de exemplares de Araucaria excelsa R Br actualmente existentes na ilha do Faial, ou na cidade da Horta (ficando por apurar, em consequência, a gravidade real da actuação em análise), devo chamar a atenção para a crescente preocupação legislativa com a protecção do Ambiente, a qual conheceu importante avanço com a consagração de um crime contra a natureza.

23. Com efeito, nos termos do disposto no art. 278º, n.º 1, do Código Penal, constitui crime de dano contra a natureza a prática, em desrespeito por disposições legais ou regulamentares, de acto que conduza à eliminação exemplares de fauna ou flora ou à destruição de habitat natural ou ao esgotamento de recursos do subsolo, de forma grave. Considera-se que o agente actua de forma grave quando contribua decisivamente para fazer desaparecer uma ou mais espécies vegetais de certa região ou quando da destruição resultem perdas importantes nas populações de espécies de fauna ou flora selvagens legalmente protegidas [vide alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo mencionado].

O licenciamento municipal de obras particulares

24. Nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro (que estabelece o regime jurídico das obras particulares), na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, o princípio geral da obrigatoriedade de licenciamento camarário das obras de construção civil, designadamente a construção de novos edifícios e a reconstrução, a ampliação, a alteração e a reparação de edificações [cfr. art. 1º, n.º 1, alínea a)] não se estende às obras promovidas pela administração directa do Estado [cfr. art. 3º, n.º 1, alínea c)].

25. Tal circunstância leva a que os projectos relativos a estas obras apenas sejam submetidos a parecer não vinculativo da respectiva câmara municipal (cfr. art. 3º, n.º 3). Não obstante, por forma a permitirem uma análise completa dos trabalhos a realizar, este processo deve ser instruído com a generalidade dos elementos que acompanhariam o pedido de licenciamento de obra promovida por qualquer outra entidade e, designadamente, com o projecto de arquitectura, nos termos do disposto no art. 15º, n.º 1, do regime jurídico das obras particulares.

26. O projecto de arquitectura inclui memória descritiva, plantas, cortes, alçadas e pormenores de execução (vide art. 15º, n.º 2) e a sua apreciação incide sobre a verificação da conformidade com o plano de pormenor ou com o alvará de loteamento e com outras normas legais e regulamentares em vigor, bem como sobre o aspecto exterior dos edifícios e a sua inserção no ambiente urbano e na paisagem (vide art. 17º, n.º 1).

27. Não obstante, o facto de se dispensar o licenciamento municipal não inibe o exercício das competências de polícia administrativa por parte das câmaras municipais – o qual resulta do art. 51º, do citado Decreto-Lei n.º 445/91 (que atribui às câmaras municipais a incumbência de fiscalizar o cumprimento das disposições do regime legal urbanístico) e, igualmente, da disciplina do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951 [que dispõe que a execução de novas edificações «não pode ser levada a efeito sem prévia licença das câmaras municipais, às quais incumbe também a [sua] fiscalização» (cfr. art.s 1º e 2º)].

A situação reclamada

28. O projecto de construção do Arquivo Público e Casa da Cultura da Horta deveria ter sido submetido a parecer da Câmara Municipal da Horta(vide art.3º, n.º3, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro), uma vez que a obra foi promovida pelo Governo Regional dos Açores.

29. Tendo ficado comprovado que «devido a um erro de implantação da auracádia Ae16, ocorrido durante o levantamento topográfico do terreno, o projecto apresentado não era exequível, em virtude desta árvore, bem como de parte da sua área de protecção, se sobreporem com a área necessária para a construção do edifício (…)» (cfr. informação n.º … , … /96) chegou-se ao entendimento de que a execução do projecto inicialmente elaborado era impossivel pelo que o projecto foi alterado, passando a contemplar o arranque do exemplar protegido.

30. Assim, após ter sido decidido (embora erradamente, como tenho vindo a demonstrar) o arranque da árvore, tal circunstância deveria ter passado a constar do projecto de arquitectura o qual, nos termos do regime do licenciamento das obras particulares, deveria ter sido novamente apresentado à câmara municipal, para parecer.

31. Não obstante o facto do projecto de arquitectura elaborado e sujeito à apreciação dos serviços municipais não fazer referência ao corte da Araucaria excelsa R Br., a Câmara Municipal da Horta deveria ter acautelado o respeito da área de protecção do exemplar classificado, designadamente chamando a atenção para aquele condicionalismo legal. No entanto, devo fazer notar que, como resulta da informação atrás citada, era do conhecimento dos participantes na reunião a classificação do exemplar e a existência da respectiva zona de protecção.

32. A Câmara Municipal da Horta deveria ter emitido parecer favorável condicionado ao respeito pela disciplina do Decreto Legislativo Regional n.º 28/84/A, de 1 de Setembro. Mas, não o tendo feito, nem por isso o Governo Regional dos Açores (enquanto promotor da obra) ficou desobrigado do cumprimento daquelas disposições legais.

Conclusão

33. Em desrespeito pelo princípio da acção preventiva [cfr. art. 2º, alínea a), da Lei da Bases do Ambiente], o comportamento reclamado não considerou de forma antecipada as consequências nefastas daquela actuação. No entanto, uma efectiva protecção do ambiente não poderá ser alcançada se a verificação de uma situação de infracção apenas der lugar à obrigatoriedade da cessação da violação. A «adequada tutela jurídica [fica incompleta] se quem infringir a lei não for obrigado a repor a situação (o estado de coisas) que existia antes da infracção (…)» (cfr. JOÃO PEREIRA REIS, Lei de Bases do Ambiente, Almedina, pág. 99).

34. Como já referi, o art. 7º, do Decreto Legislativo Regional n.º 28/84/A, de 1 de Setembro, impõe aos infractores a obrigatoriedade de reposição da situação que hajam alterado, na medida em que tal seja possível. Esta disposição acompanha (avant la lettre, uma vez que foi criada com mais de dois anos de avanço) o art. 48º, da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente).

O n.º 3 deste art. 48º prevê, ainda, o caso de não ser possível a reposição da situação anterior à infracção, impondo aos infractores o pagamento de indemnização especial (a definir por legislação) e a realização das obras necessárias à minimização das consequências provocadas. O ordenamento jurídico aguarda, ainda, a publicação da regulamentação necessária à aplicação deste dispositivo, não obstante o art. 51º ter determinado a obrigatoriedade de publicação de todos os diplomas necessários à regulamentação da Lei de Bases do Ambiente no prazo de um ano, contado desde a publicação desta.

35. Não obstante, o tipo de comportamento reclamado (o arranque de uma árvore), a impossibilidade de actuação reconstrutiva pura (uma vez que mesmo a plantação de outro exemplar estaria condicionada ao edifício já construído) e a consideração da natureza da entidade infractora (o Governo Regional) levam-se a recomendar a ponderação de medidas que compensem o abate do exemplar protegido visando, em especial, «implementar um conjunto de medidas concertadas que regulamentem a utilização do espaço de modo a melhorar as condições de vida dos indivíduos» (cfr. A.J.S. LOPES DE BRITO, Ob.cit., pág. 135).

36. Acompanhando alguma doutrina, no que concerne aos comportamentos que implicam a violação do bem jurídico ambiente, ou de algum dos seus componentes, julgo mais apropriada a utilização da figura da compensação, em vez do uso do tradicional conceito de reposição. Com efeito, são estas preocupações que levam determinados autores a realçar a «importância, no plano jurídico, do instituto da solidariedade; daí, também, a insuficiência do regime clássico da responsabilidade civil ao tratar da degradação dos recursos naturais» (cfr. GILLES MARTIN, La notion de responsabilité en matière de dommages écologiques, in Droit et Environnement: propos pluridisciplinaires sur un droit en construction, Aix-Marseille, Presse Universitaires D�Aix-Marseille, pág. 132, citado por ANTÓNIO HERMAN V. BENJAMIN, Objectivos do direito ambiental, in Lusíada-Revista de Ciência e Cultura, número especial, 1996, pág. 35).

37. A compensação é ainda reposição. Mas é uma “reposição especial”, na medida em que atende às particulares características do «direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado» e ao «dever de o defender» (vide art. 66º, da Constituição).

38. Uma vez que não se mostra possível (nem, talvez, aconselhável) pretender uma mera “reposição aproximada” da situação existente antes da construção do Arquivo Público e Casa da Cultura da Horta, julgo aconselhável visar a criação de uma situação ecologicamente similar, em termos de fruição colectiva de recursos naturais.

39. A impossibilidade de reposição natural no caso em apreço (a mesma árvore não poderá jamais ser ali plantada) não deve significar inacção; deve, outrossim, implicar uma actuação que atenda às incumbências do Governo Regional dos Açores de promoção, em colaboração com a respectiva autarquia local, da qualidade ambiental das povoações e da vida urbana. Assim sendo, deve o Governo Regional dos Açores, em colaboração com a Câmara Municipal da Horta, promover a compensação do abate do exemplar classificado através

40. Refiro, apenas a título de contribuição, a possibilidade do Arquivo Público ou da Casa da Cultura da Horta dispor de espaço especialmente preparado para a educação ambiental ou para o estudo e divulgação das excepcionais características naturais da Região Autónoma dos Açores.
Outros exemplos e ideias podem ser apontados: a destruição de imóvel classificado conduzir à construção de um jardim público; a aprovação de itinerário de auto-estrada sobre zona de protecção especial implicar a criação de museu da história natural da área afectada e a construção da Ponte Vasco da Gama ser compensada com a recuperação das Salinas do Samouco, na margem sul do rio Tejo.

41. A ideia de compensação deve levar em linha de conta a sensibilidade colectiva. Por esse facto julgo dever, ainda, recomendar que, neste processo, seja assegurada a participação da população envolvida. Lembro, a este propósito, o exemplo relatado por A. RESSANO GARCIA LAMAS (cfr.Ambiente urbano, in Direito do Ambiente, Instituto Nacional de Administração, 1994, pág. 143): «na Suiça, em alguns centros urbanos, como consultar projectos pode ser difícil para o cidadãos comum (os desenhos técnicos são representações abstractas) chegaram à conclusão de que as alterações devem ser sempre examináveis em maqueta de toda a zona envolvente, ou até mesmo mediante montagem, no local, do volume projectado (…)».

II – Conclusões

42. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artº 20º, n.º1, alínea a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

A. Que a Câmara Municipal da Horta, em colaboração com o Governo Regional dos Açores, promova a criação de uma situação ecologicamente similar (nos termos atrás descritos),por forma a compensar o abate do exemplar de Araucaria excelsa R Br, objecto classificado nos termos do disposto no Decreto Legislativo Regional n.º 28/84/A, de 1 de Setembro, e identificado como Ae16,localizado na Rua de Eduardo Bulcão, na cidade da Horta;

B. Que, neste processo, seja assegurado o contributo da população envolvida,através de mecanismos de participação popular.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL