Presidente do Conselho de Administração do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo
Número: 24/A/98
Processo: 1031/96
Data: 15.04.1998
Área: Açores

Assunto: SAÚDE – DESLOCAÇÃO DE DOENTE – TRATAMENTO – PAGAMENTO – REQUISITOS – SISTEMA REGIONAL DE SAÚDE

Sequência: Acatada

I – Exposição de Motivos

1. Em … /96, foi aberto processo na Provedoria de Justiça (Extensão da Região Autónoma dos Açores) em virtude de reclamação relativa à comparticipação do Serviço Regional de Saúde nas despesas efectuadas no âmbito de intervenção cirúrgica realizada ao senhor J… no Hospital dos SAMS-Serviços de Assistência Médico-Social do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas.

2. A instrução do processo permitiu apurar os seguintes factos relevantes:

a) O senhor J… careceu de tratamento cirúrgico para tratar uma “volumosa hérnia discal” que lhe havia sido diagnosticada;

b) Após solicitação, Sua Excelência o Secretário Regional da Saúde e Segurança Social proferiu, em … /95, o seguinte despacho:

“Autorizo, a título excepcional, a deslocação do requerente e acompanhante, ao abrigo do art. 3º do Regulamento de Deslocação de Doentes, devendo o Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo (Hospital de referência) ser responsável pelo pagamento das deslocações e do montante devido ao Senhor J…, pela intervenção cirúrgica a que vai ser submetido, na qualidade de utente do SAMS”.

c) No seguimento deste despacho, o Conselho de Administração do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo emitiu, em … /95, o seguinte “termo de responsabilidade”:

“Nos termos do despacho SRSSS de 95…, o Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo responsabiliza-se pelas despesas durante o período de internamento no Hospital do SAMS devidas ao utente do SAMS J…, no montante de 20% do total da facturação respeitante à intervenção programada, correspondente à comparticipação do utente”.

d) Em … /95 e já posteriormente à realização da operação cirúrgica, o senhor J… solicita, por escrito, à Secretaria Regional da Saúde e Segurança Social, indicações sobre os procedimentos a seguir.

e) A resposta, prestada pelo Director de Serviços de Saúde Pública, através do ofício n.º…, de … /95, foi do seguinte teor:

“Em resposta à carta de V.Excia de … de 1995 e da qual enviamos fotocópia, vimos transmitir a V.Excia o Despacho do Senhor Director Regional de Saúde de …/95:
“A continuação do acompanhamento clínico do doente deve ser orientada pelo Hospital de Angra do Heroísmo a quem o utente se deve dirigir no sentido de ser esclarecido””.

3. A reclamação apresentada neste Órgão do Estado era, inicialmente, relativa à total ausência do pagamento do montante relativo à comparticipação devida em virtude do despacho, de …/95, do Secretário Regional da Saúde e Segurança Social.

4. Em …/95, o senhor J… envia ofício à administração do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo solicitando o reembolso da quantia de 1.240.757$00, alegadamente paga, de acordo com as facturas que anexava. Não obstante, os comprovativos que o reclamante juntou ao processo apenas demonstram o pagamento de 1.008.757$00 (factura n.º …, do SAMS) e de 9850$00 (em deslocações de táxi e na Carris).

5. Apesar de, em … /95, o SAMS-Serviços de Assistência Médico-Social do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas ter emitido uma declaração na qual referia que o senhor J… suportara as despesas de 151.450$00 (despesas de deslocações e estadia), 70.000$00 (ressonância nuclear magnética) e 10.550$00 (consulta), não eram especificadas as respectivas datas, o âmbito de realização dos exames e, o que é mais importante, se aquelas quantias estavam, ou não, contempladas na factura anteriormente emitida.

6. As facturas efectivamente entregues pelo senhor J… ao Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo apenas comprovaram pagamentos no valor de 1.018.607$00.

7. A coberto do ofício n.º … , de … /96, o Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo procedeu ao pagamento da quantia de 210.368$00.

8. A partir daquela data, o queixoso considerava em falta o pagamento das quantias de 4.300$00 (consulta no Hospital de Santa Maria), 800$00 (consulta no Hospital do SAMS), 30.000$00 (alojamento no Hospital do SAMS) e 151.450$00 (despesas de deslocação e estadia no Hospital do SAMS).

9. O conselho de gerência do SAMS-Serviços de Assistência Médico-Social do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, em comunicação mantida com este Órgão do Estado (cfr. ofício n.º …, de … /96), para além de fazer menção à factura (no valor de 1.008.757$00) e às deslocações em táxi, refere “o alojamento antes e pós operatório também foram, até ao momento da nossa responsabilidade, estando nós a aguardar (…) o valor que o S.R.S. venha a atribuir”.

10. Questionada sobre a posição que assumia quanto à pretensão do queixoso, a administração do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo esclareceu que “não procedeu ao pagamento das quantias (…) porquanto as mesmas respeitam a despesas não reembolsáveis pelo Serviço Regional de Saúde” (cfr. ofício n.º …, de … /97).

11. As despesas em causa resultaram:
– 4.300$00, da taxa moderadora relativa a consulta de neurocirurgia realizada no Hospital de Santa Maria;
800$00, de consulta de neurocirurgia no Hospital do SAMS;
30.000$00, do alojamento, da acompanhante do senhor J…, no Hospital do SAMS;
151.450$00, das despesas de deslocação e estadia no Hospital do SAMS.

12. Nos termos do “Regulamento de deslocação de doentes na Região Autónoma dos Açores, para o Continente e para o Estrangeiro” aprovado em anexo à Portaria n.º 68/94, de 2 de Dezembro, quando se verifique a inexistência de meios técnicos ou humanos adequados à assistência médica necessária, pode verificar-se a deslocação de doentes na Região Autónoma dos Açores, para o continente ou para o estrangeiro, a coberto do Sistema Regional de Saúde.

13. Não obstante, apenas são permitidas deslocações à clínica privada não convencionada quando se verifique ausência dos recursos técnicos necessários na rede de serviços pública e convencionada (vide art. 1º, n.º 6, do anexo à Portaria n.º 68/94, de 2 de Dezembro).

14. O despacho do Secretário Regional da Saúde e Segurança Social, de …/95, que autorizou a deslocação do senhor J… para efectuar tratamento ao Hospital do SAMS não está devidamente fundamentado, uma vez que expressamente faz referência a uma disposição que ao caso se não aplica.

Com efeito, o art. 3º, do Regulamento de Deslocação de Doentes ao qual expressamente faz referência é relativo à continuação de tratamento após o regresso do doente deslocado, e em nada respeita à situação que visa contemplar (deslocação para tratamento em unidade de saúde privado do continente). Esta fundamentação obscura – na medida em que os seus termos não permitem conhecer o processo cognoscitivo do seu autor – equivale, nos termos do disposto no art. 125º, do Código do procedimento Administrativo, a ausência de fundamentação.

15. De qualquer modo, a anulabilidade que inquinava este acto administrativo encontra-se sanada pelo decurso do tempo (vide art.s 135º, 136º e 141º, do Código do Procedimento Administrativo). Mas a aludida falta de fundamentação veio, pelo menos, acentuar a dificuldade interpretativa dos termos do despacho.

16. A argumentação expendida no ofício n.º …, de … /97, da administração do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo, segundo a qual “a referência do despacho do Senhor Secretário Regional ao art. 3º do Regulamento de Deslocação de Doentes – disposição que respeita à “Continuação do Tratamento” – teve em vista proceder a uma interpretação extensiva de uma lacuna na refrida regulamentação” não colhe em absoluto. As lacunas integram-se, não se interpretam extensivamente.

17. A deslocação do senhor J… foi autorizada a título excepcional e, por esse facto, fora da disciplina do regulamento de deslocação de doentes. Essa circunstância terá levado, por exemplo, a que o doente não tivesse sido submetido a junta médica e que a autorização não tivesse sido dada pelo conselho de administração de unidade de saúde (cfr. art. 4º, do anexo à Portaria n.º 68/94, de 2 de Dezembro).

18. Em face do teor do despacho do Secretário Regional da Saúde e Segurança Social, de … /95, e do termo de responsabilidade que o conselho de administração do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo emitiu, também de … /95, afigura-se-me razoável concluir que se pretendeu autorizar a deslocação de senhor J…, e da sua mulher, sendo que o Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo suportaria 20% das despesas efectuadas por ambos, durante o período de internamento no Hospital do SAMS-Serviços de Assistência Médico-Social do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas.

19. Não obstante o senhor J… afirmar repetidas vezes que discorda do valor de 20%, o certo é que aquela percentagem encontra justificação no facto da comparticipação do SAMS, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 28º do seu Regulamento, não poder ser superior a 80% das suas tabelas (cfr. supra citado ofício n.º 17816, de 16/05/96, do conselho de gerência do SAMS). De qualquer modo, uma vez que a comparticipação do Governo Regional nas despesas em causa foi autorizada a título excepcional, não se descortinam argumentos que possam contestar aquele montante.

20. Face à argumentação que expendi, concluo que a resolução da presente questão apenas aguarda o apuramento do montante exacto das despesas realizadas pelo senhor J… (e pela sua mulher) com a sua deslocação, com o internamento (e estadia da sua mulher) e com a cirurgia (e tratamentos associados), sendo certo que o Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo deve suportar 20 % destas despesas.

21. Em especial, importa averiguar se a quantia de 151.450$00 – alegadamente referente a despesas de deslocação e estadia no Hospital do SAMS está, ou não,contemplada na factura já comparticipada (factura n.º … , do SAMS, no valor de 1.008.757$00).

II – Conclusões

22. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artº 20º, n.º 1, alínea a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

A. Que o Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo apure, designadamente junto do SAMS-Serviços de Assistência Médico-Social do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, qual o montante das despesas realizadas pelo senhor J… (e pela sua mulher) com a deslocação, com o internamento (e estadia da sua mulher) e com a cirurgia (e tratamentos associados);

B. Que o Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo suporte, até ao limite de 20%, as despesas realizadas.

Por fim, permito-me chamar a atenção de V.Exa. para a necessidade de ser assegurado, em todas as fases da instrução dos processos, o cumprimento do dever de colaboração para com o Provedor de Justiça. A resposta que a administração do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo prestou, através do ofício n.º … , de … /98, é, neste contexto, claramente insuficiente. Era certamente do conhecimento deste Órgão do Estado que o Hospital não pagara as quantias em causa porque as entendia não reembolsáveis; pretendia-se, para além disso, saber a motivação (de facto e de direito) daquela actuação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL