Presidente do Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo
Número: 25/A/98
Processo: 911/97
Data: 07.04. 1998
Área:A3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL – SUBSÍDIO DE DESEMPREGO – SUSPENSÃO – REPOSIÇÃO DE QUANTIAS – ACTO ADMINISTRATIVO – FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE – VÍCIO DE FORMA – FALTA DE PROVA

Sequência: Não Acatada

1. O Sr… dirigiu-me uma reclamação relativa aos actos que decidiram a suspensão do pagamento do subsídio de desemprego que lhe vinha a ser atribuído e a reposição das prestações referentes ao período compreendido entre 3 de Fevereiro de 1994 e 30 de Setembro do mesmo ano, no montante de 1.082.400$00.

2. O reclamante alega, essencialmente, que:

2.1. A notificação relativa à reposição acima referenciada, recebida em … de 1994, não continha qualquer fundamentação.

2.2. Tendo solicitado, em Novembro do mesmo ano, certidões dos despachos que determinaram a suspensão do pagamento do subsídio de desemprego e a reposição, a fim de conhecer a respectiva fundamentação, decorridos mais de dois anos não obtivera qualquer resposta.

2.3. Presume que aquelas decisões terão tido origem no facto de um fiscal da segurança social o ter encontrado dentro de uma loja de animais.

2.4. Essa loja, sita na Rua… em Oeiras, pertencia à sociedade “E…,Lda.” da qual eram únicos sócios S… (gerente e filha do reclamante) e A…

2.5. A loja tinha sido recentemente inaugurada e dado que morava relativamente perto frequentava a loja até como forma de romper o enorme tédio e a ansiedade provocada pela condição de desempregado.

2.6. Todavia, nunca fora trabalhador da loja, nem sócio, nunca dela tendo recebido qualquer remuneração.

2.7. Os únicos trabalhadores da loja haviam sido os Senhores M… P… e N… da C… R…, além da própria gerente … .

2.8 Através do ofício n.º … , de … de 1997, desse Centro Regional, fora invocada a existência de um contrato-promessa de aquisição de quota, para fundamentar o exercício ilegal de uma actividade profissional.

2.9. Tal contrato integrava o projecto de criação do próprio emprego apresentado no Centro de Emprego de Cascais.

3. Atento o teor do ofício n.º … , de 8 … de 1997, desse Centro Regional, dirigido a estes serviços, verifica-se que o reclamante apenas foi notificado quanto aos fundamentos da suspensão do pagamento do subsídio de desemprego e da reposição determinada, através do ofício n.º …, de … de 1997, acima referido.

4. Refira-se a este propósito que, a notificação desses actos era obrigatória e devia ter sido feita no prazo de oito dias, atento o disposto nos arts. 66º, al. c) e 69º do Código do Procedimento Administrativo.

5. No que respeita à fundamentação, de acordo com o teor daquele ofício, a decisão administrativa relativa àquela suspensão e reposição foi sustentada nas seguintes ordens de razões:

5.1 – De facto,

Ter o beneficiário sido “…localizado ao balcão da loja cuja empresa … era propriedade de sua filha em conjunto com outro sócio pressupunha uma actividade, que é normalmente remunerada.

Acresce ainda, que como representante legal da empresa … , e tendo sido nomeado procurador em assembleia geral da referida Sociedade, com acta da reunião constante no processo, e pretendendo adquirir a parte maioritária da Sociedade, conforme contrato promessa de cedência de quotas, vincula uma relação de trabalho com a mesma, incompatível com a situação de beneficiário de subsídio de desemprego.”.

5.2 – De direito,

No disposto no art.º 27º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 79-A/89, de 13 de Março.

5. A fundamentação relativa à matéria de facto resume-se, pois, ao facto de o reclamante ter sido “localizado” no estabelecimento,ao facto de ser procurador da empresa e ao facto de ter celebrado um contrato-promessa de compra de uma quota da sociedade.

6. Tais ordens de razões,formuladas de forma vaga e não circunstanciada,legitimam, efectivamente, que se questione tal circunstancialismo fáctico como sustentação da afirmação segundo a qual se estava em presença do exercício de uma actividade profissional por conta própria ou por conta de outrem.

7. Uma actividade profissional pressupõe que a pessoa a desenvolva com carácter regular e vocação duradoura e por ela seja remunerada.

8. Dificilmente se poderá considerar como indício do exercício de uma actividade profissional, a mera presença, ou para utilizar a terminologia adoptada naquele ofício, localização,do reclamante no estabelecimento.

9. Por outro lado, a procuração (art.º 262º do Código Civil) e o mandato (art.º 1157 do mesmo código) são figuras completamente distintas da do contrato de trabalho ou do contrato de prestação de serviços, sendo que, aliás, aquele se presume gratuito (art.º 1158 ).

10. Por outro lado, a intenção de compra de quotas da empresa em causa não implica o exercício de qualquer actividade profissional, nem mesmo faz, necessariamente, pressupor esse exercício em termos imediatos.

11. Na ausência de outros elementos indiciários que sustentem a presunção de que se estava na presença do exercício de uma actividade profissional normalmente remunerada, haverá que considerar a fundamentação invocada manifestamente insuficiente já que ficaram por dizer as razões que explicassem convenientemente as decisões em causa.

12. Com efeito, os actos administrativos devem resultar de disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas, devendo a respectiva fundamentação, para ser juridicamente relevante, ser clara, congruente, suficiente e concreta (Ac. do S.T.A. de 6 de Fevereiro de 1990 – AD. 351,339).

13. Meros juízos conclusivos, sem concretização da factualidade que lhes serviu de base, são insuficientes, para a fundamentação legal do acto administrativo, ( Ac. do T.P. de 11 de Abril de 1991 – Rec. n.º 25.846; Ac. do T.P. de 24 de Janeiro de 1991 – Rec. n.º 25.563).

14. No ofício n.º … , de … de 1997, desse Centro Regional, dirigido a estes serviços, diferentemente do notificado ao reclamante, refere-se, por um lado, que aquele fora encontrado “a trabalhar” no estabelecimento.
Por outro lado, acrescenta-se que os processos de contraordenação instaurados ao reclamante por força das infracções que lhe haviam sido imputadas tinham sido arquivados por força de amnistia “…pelo que nessa conformidade, não ficou provada inexistência do ilicíto.”.

15. Diga-se, no entanto, quanto a esta fundamentação “complementar” que, conforme resulta do Ac. do S.T.A., praticado um acto com determinada fundamentação, a apreciação contenciosa da sua legalidade tem de fazer-se em face dessa mesma fundamentação, não sendo lícito ao Tribunal substituir-se à Administração, justicando o acto em diferente fundamentação.

16. A conduta imputada ao reclamante neste ofício continua, no entanto, a basear-se numa conclusão não sustentada suficientemente em matéria de facto sendo, no mínimo, surpreendente, a conclusão que se pretende retirar do facto de os processos de contra-ordenação terem sido arquivados.

17. Com efeito, salvo regra de inversão do ónus da prova, incumbe à parte que alegue um facto, a prova dele (Ac. do S.T.A. de 17 de Janeiro de 1991 – Rec. n.º 26.809).

18. Importa, também, ter em conta que a presunção, como meio de prova, não elimina o ónus da prova nem modifica o resultado da sua repartição entre as partes. Apenas altera o facto que ao onerado incumbe provar: em lugar de provar o facto presumido, a parte onerada terá de demonstrar a realidade do facto que serve de base à presunção.

A prova por presunção, exceptuando o caso das presunções “juris et jure”, admite contraprova, e por maioria de razão, prova docontrário (Ac. da Relação de Coimbra, de 27 de Junho de 1989 – Col. Jurispr., 1989, Tomo III, pag. 89).

19. É, pois, inadmissível que se pretenda concluir que pelo facto de o reclamante, pelo simples facto de os processos terem sido arquivados, não ter podido provar que não se verificara a conduta ilícita que lhe fora imputada, a mesma deve ser considerada provada.

20. Acresce que, os acto administrativos ora em causa, bem como o procedimento que lhe corresponde, são distintos dos procedimentos sancionatórios em causa, não devendo nem podendo confundirem-se e, nessa medida, também não pode procurar-se a fundamentação dos primeiros nas eventuais conclusões encontradas nos segundos.

21. Por outro lado, em sede de processos de contra-ordenação está-se no âmbito de procedimentos de natureza sancionatória e nestes tem de aplicar-se o princípio de natureza penal “in dubio pro reo”.

22. Na verdade, existem indícios nos autos que constituem fundamento dessa dúvida e, portanto, da possibilidade de se estar perante uma conduta diversa daquela que foi imputada ao reclamante.

23. A empresa era propriedade da filha do reclamante e este morava próximo da empresa e estava desempregado, pelo que, não pode excluir-se a possibilidade de o estabelecimento constituir um polo de interesse para o reclamante, que, à semelhança de muitos outros na sua situação, se sentem fortemente penalizados pela inactividade forçada, sobretudo quando ela se verifica na sequência de muitos anos de trabalho.

24. Por outro lado, resulta, indiciariamente, dos elementos disponíveis no processo, que exerceriam actividade na empresa a própria sócia gerente S… (filha do reclamante), M… e, posteriormente, em substituição deste, N… .

25. A confirmar-se que essas pessoas exerciam actividade no estabelecimento (confirmação essa que, aparentemente, não foi feita) dificilmente se poderá sustentar que era o reclamante que garantia o normal funcionamento do estabelecimento.

26. Atento o exposto, não pode deixar de concluir-se que a fundamentação do acto administrativo relativo à suspensão do pagamento do subsídio de desemprego ao relamante, bem como o referente à reposição dos valores recebidos a esse título no período compreendido entre 3 de Fevereiro de 1994 e 30 de Setembro do mesmo ano, não estão suficientemente fundamentados em termos de facto.

27. Com efeito, resulta do art.º 125, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, acima referido, que a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto, equivale à falta de fundamentação.

28. Assim sendo, aqueles actos são inválidos, porque afectados por vício de forma.

29. Para além do mais, é injusto que face à incerteza quanto à ilicitude da conduta do reclamante se decida num sentido fortemente penalizador do mesmo.

30. Assim sendo, tenho por bem formular a V.Exa. a presente

RECOMENDAÇÃO

No sentido de serem revogados os actos que determinaram a suspensão o pagamento do subsídio de desemprego ao reclamante e a reposição das verbas recebidas no período compreendido entre o dia 3 de Fevereiro e 30 de Setembro de 1994, com base no mérito e nos termos do art.º 141º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL