Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo
Número: 32/A/98
Processo: 5733/96
Data: 25.05.1998
Àrea: Açores

Assunto: URBANISMO E OBRAS – OBRAS PÚBLICAS – VIA PÚBLICA – SINALIZAÇÃO DEFICIENTE – ACIDENTE DE VIAÇÃO – DANOS – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – CÂMARA MUNICIPAL – DEVER DE INDEMNIZAR

Sequência: Não Acatada

I – Exposição de Motivos

Os Factos

1. O Provedor de Justiça recebeu uma reclamação na qual eram referidos, em suma, os seguintes factos relevantes:

a) A senhora D. M… sofreu um acidente, em … /96, na Rua da … , freguesia da Serreta, no concelho de Angra do Heroísmo;

b) Com efeito, em virtude das obras que ali decorriam, a referida senhora ficou com o pé esquerdo preso no tubo de distribuição de água;

c) Transportada, de urgência, ao Hospital de Angra do Heroísmo (Serviço de Ortopedia) foi diagnosticada uma fractura naquele pé;

d) Posteriormente, e em consequência, foi submetida a uma intervenção cirúrgica;

e) Naquela ocasião, a empresa … procedia a trabalhos na Rua da … , os quais consistiam na construção de colectores de águas residuais;

f) O espaço disponível para a circulação dos transeuntes era diminuto, mal sinalizado e não fora devidamente cuidado (designadamente através da limpeza do caminho, o qual apresentava-se escorregadio pela existência, em cima de uma placa metálica que servia de passagem, de terra e gravilha proveniente das escavações);

e) A ocorrência foi participada, em … /96, à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo.

2. Pelo ofício n.º … , de … /97, este Órgão do Estado (Extensão da Região Autónoma dos Açores) solicitou esclarecimentos à Câmara Municipal. Em especial, a autarquia foi inquirida sobre o estado do processo relativo ao mencionado acidente.

3. A resposta da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo (cfr. ofício n.º … , de … /97) consistiu na remessa “de toda a correspondência havida na sequência da reclamação apresentada (…)”.

4. Para além dos elementos já constantes do processo em instrução na Provedoria de Justiça, era dado conta de que “a participação do acidente ocorrido na Rua da … , apresentada [na] Câmara no dia … [de 1996] foi remetido à Fiscalização da Empreitada “…”, em … do mesmo mês, para que junto do empreiteiro fosse dado o devido andamento” (cfr. ofício de … /97, dirigido ao senhor J…), e de que os contactos directos entre a reclamante e a companhia de seguros do empreiteiro não haviam resultado em acordo (cfr. ofício n.º … , de … /97, das empresas E…, Lda. e H….).

Os Fundamentos

5. A Câmara Municipal de Angra do Heroísmo não contraditou qualquer dos factos alegados na exposição de … /96, nem perante o reclamante, primeiro, nem, tão pouco, perante a Provedoria de Justiça, depois. Assim sendo, é dado como adquirido que:

a) A Câmara Municipal de Angra do Heroísmo é a dona da obra denominada “empreitada de concepção / construção do destino final das águas residuais da cidade de Angra do Heroísmo incluindo remodelação da rede de águas”;

b) Em virtude de contrato administrativo de empreitada de obras públicas, a empresa … constituiu-se como empreiteiro.

6. O Regime de Empreitadas de Obras Públicas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, rectificado mediante a declaração de rectificação n.º 40/94, de 31 de Março, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 208/94, de 6 de Agosto) impõe ao empreiteiro a obrigação de executar os trabalhos necessários para garantir a segurança das pessoas empregadas na obra e do público em geral.

7. Desde logo, as especificações técnicas que devem constar dos documentos relativos a cada contrato (vide art. 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro) incluem as relativas à segurança [anexo I, alínea b)], devendo entender-se que abrangem a segurança da própria obra, do pessoal e de terceiros.

8. Acresce que o Decreto Regulamentar n.º 33/88, de 12 de Setembro, impõe a quem, por acção ou omissão, der causa à existência de qualquer obstáculo localizado na via pública a obrigação de o sinalizar, de forma bem visível, e a uma distância que permita evitar qualquer acidente.

9. Resulta da descrição constante da exposição dirigida a V.Exa., em … /96, pelo reclamante – a qual não foi, igualmente, contraditada – que “no local verifica-se apenas a existência de uma pequena extensão de fita de plástico, de cor vermelha e branca, enrolada como se de uma corda se tratasse (…)”. Por outro lado, não foi referida a existência de qualquer “passadeira” (em madeira ou outro material) que permitisse a passagem dos transeuntes em segurança e afastados da zona em obras.

10. As fotografias cujas cópias a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo fez juntar ao processo aberto neste Órgão do Estado com o ofício n.º … , de … /97, permitem verificar a precaridade das condições de circulação pedestre na via em causa.

11. Talvez esta circunstância justifique que a Companhia de Seguros Fidelidade, S.A., interpelada na qualidade de seguradora do empreiteiro, se tenha limitado a afirmar que em “conformidade com os elementos [em seu] poder, não cabe qualquer culpa à (…) segurada” (cfr. ofício de … /97, dirigida pela Companhia de Seguros à senhora Dª. M…). Não são aditados quaisquer motivos, de facto ou de direito, para afastar a responsabilidade pela ocorrência do sinistro.

12. Os elementos carreados para o processo permitem-me concluir que o empreiteiro inobservou as disposições legais atrás citadas, ao sinalizar deficientemente a obra e ao não providenciar pela existência efectiva de condições de segurança para o público em geral. Esta inobservância constitui um acto culposo do empreiteiro, pelo que deveria este ter indemnizado a interessada por facto ilícito.

13. No entanto, há que atender ao facto do contrato de empreitada de obras públicas ser um contrato administrativo no âmbito do qual a autoridade administrativa detém “poderes de direcção, de controle e de vigilância (…) como poderes originários e inalienáveis, consequência da natureza pública do fim que se pretende realizar” (cfr. J. ANDRADE DA SILVA, Regime jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, 3ª edição, 1992, Almedina, pág. 408).

14. Assim sendo, acompanho o autor citado quando faz notar que “sendo certo que a colaboração dos particulares (empreiteiros) é necessária para a realização dos obras públicas, a verdade é que a Administração não delega a sua função e continua, apesar disso, responsável perante a colectividade, pela boa realização da obra e pela segurança pública que, a não ser assim, poderiam ser comprometidas por uma execução defeituosa” (idem).

15. Assim se compreende, e justifica, o disposto no art. 161º, alínea n), do mencionado Regime de Empreitadas de Obras Públicas (“à fiscalização incumbe vigiar e verificar o exacto cumprimento do projecto e suas alterações, do contrato, do caderno de encargos e do plano de trabalhos em vigor e, designadamente resolver, quando forem da sua competência, ou submeter, com a sua informação, no caso contrário, à decisão do dono da obra todas as questões que surjam ou lhe sejam postas pelo empreiteiro e providenciar no que seja necessário para o bom andamento dos trabalhos, para a perfeita execução, segurança e qualidade da obra e facilidade das medições”).

16. Não só a fiscalização da obra competia, a todo o tempo, à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo – sendo irrelevante, para efeitos da presente Recomendação, a forma (directa ou contratualizada) como foi exercida – como estamos perante uma situação de acompanhamento directivo, na expressão de J. MARQUES VIDAL e JOSÉ CORREIA MARQUES (vide Empreitada e Fornecimento de Obras Públicas, 1982, Almedina, pág. 29).

17. A aplicação à presente situação do regime da responsabilidade (objectiva) do comitente, nos termos do disposto no art. 500º, do Código Civil, resulta desta relação de subordinação própria do contrato de empreitada de obras públicas. Assim, cabe aqui a aplicação do regime jurídico da responsabilidade objectiva do comitente por acto culposo praticado pelo comissário no exercício do mandato.

18. Importa sublinhar que estamos perante uma situação de responsabilidade subjectiva do comissário, pelo que existe a possibilidade de se lhe exigir tudo o que vier a ser pago (excepto, naturalmente, se existir igualmente culpa da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo na produção do dano, como dispõe o n.º 3 do mencionado artigo).

19. O facto da reclamante se encontrar em litígio com o empreiteiro – cuja seguradora não admite a culpa na ocorrência reclamada – em nada invalida a presente Recomendação porquanto a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo (comitente nesta relação jurídica) assume a posição de garante da indemnização (vide PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª Edição, 1987, Coimbra, pág. 503).

20. Creio, por outro lado, que a circunstância da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo constituir uma pessoa colectiva pública impossibilita, na decorrência dos princípios da boa fé e da tutela da confiança,a invocação dos argumentos que levaram à não aceitação da responsabilidade do empreiteiro. Com efeito, afigura-se-me suficientemente demonstrado que o acidente de que a senhora Dª. M… foi vítima se deveu às obras que decorriam na Rua da … e, em especial, ao facto de não terem sido previstos adequados mecanismos para a circulação dos transeuntes.

II – Conclusões

21. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do ponder que me é conferido pelo disposto no artº 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

Que seja indemnizada a senhora Dª. M…, pelos danos sofridos em consequência do acidente ocorrido, em … /96, na Rua da … , freguesia da Serreta, no concelho de Angra do Heroísmo atendendo, em especial, às despesas realizadas com o tratamento médico de que careceu.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL