Director-Geral dos Impostos
Número:48/A/98
Processo:R-3265/92
Data:8.06.1998
Área: A2

Assunto:CLASSIFICAÇÃO DE IMÓVEL – PRÉDIO URBANO – EFEITOS CONSTITUTIVOS DA DECLARAÇÃO DE INTENÇÃO – IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO – ALTERAÇÃO DE CLASSIFICAÇÃO.

Sequência:Por Acordo ( proposta de mediação aceite ).

No âmbito da instrução de processo aberto com base em queixa, concluí pela existência de motivos que justificam uma reapreciação da sua situação tributária em sede de Contribuição Autárquica, relativamente a prédio de que é proprietário e que se encontra actualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São Domingos de Rana, motivo pelo qual entendi trazer o assunto junto de V. Exª. .

O referido imóvel foi adquirido pelo seu actual proprietário, já identificado, em data anterior à entrada em vigor do Código da Contribuição Autárquica (CCA), manifestando aquele a sua discordância relativamente à classificação do prédio como terreno para construção e, consequentemente, discordando da sua tributação, em sede de Contribuição Autárquica, como prédio urbano.

Com efeito, não obstante tenha sido o próprio Reclamante a declarar, à data da realização da escritura de compra e venda, a sua intenção de construir no local (menção que ficou a constar do título aquisitivo), a concretização desta sua intenção viria a ser inviabilizada pela impossibilidade legal de construir nesse mesmo local, comprovada pela certidão cuja cópia se anexa (doc. n.º 1).

Constatada esta impossibilidade, diligenciou o interessado no sentido de corrigir a classificação atribuída ao imóvel, através de requerimento datado de 92.05.19, sobre o qual veio a recair despacho datado de 92.05.22 que indeferiu o pedido com fundamento no facto de constar do título aquisitivo do imóvel a menção de o mesmo ser destinado à construção o que, por força da aplicação automática do disposto no artigo 6º, n.º 3, do CCA, implicaria a manutenção da sua classificação como terreno para construção, logo, como prédio urbano.

O recurso interposto para o Director Distrital de Finanças de Lisboa em 92.07.15 não viria a alcançar resultado diferente, uma vez que foi mantido o indeferimento com base no mesmo fundamento – doc. n.º 2, anexo.

Permito-me realçar que da própria informação que serviu de base ao indeferimento do recurso resulta o reconhecimento da impossibilidade de construção no local, tendo porém a administração fiscal considerado que, para efeitos de classificação do imóvel, tal facto deveria ceder perante a declaração de intenções constante do título aquisitivo. É ainda invocado, em suporte da tese da administração fiscal, o teor do Ofício-circulado n.º 5347.11/91, de 10 de Dezembro, da 1ª Direcção de Serviços da DGCI, questão à qual se voltará mais adiante.

Quanto à atribuição de efeitos constitutivos – e, além disso, irrevogáveis – à declaração de intenção de construir no prédio adquirido, parece evidente que é susceptível de gerar situações de grave e inaceitável desconexão entre a realidade objecto de tributação e o regime que lhe é aplicável, situação de que a ocorrida com o contribuinte acima identificado é mero exemplo.

Que aquela declaração de intenções não pode, em caso algum, sobrepor-se à real, objectiva e comprovada utilidade do imóvel, prova-o também a jurisprudência formada no tocante à interpretação de disposições análogas do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), nomeadamente do seu artigo 49º, § 3º, 2ª parte, o qual contém definição de “terreno para construção” coincidente com a constante do artigo 6º, n.º 3, do CCA, na redacção vigente à data da apreciação dos pedidos do interessado pela Repartição de Finanças e, em sede de recurso hierárquico, pela Direcção Distrital de Finanças.

Nos termos de qualquer das supra citadas disposições legais, são terrenos para construção os “situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedido alvará de loteamento, aprovado projecto ou concedida licença de construção e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo”.

Em sede de Imposto Municipal de Sisa mas com total aplicação ao caso vertente, realce-se o teor do Acórdão de 88.11.03, do Tribunal Tributário de 2ª Instância de Lisboa, in CTF n.º 353, Janeiro-Março 1989, pág. 250 e sgts., cujo sumário, na parte relevante, me permito transcrever:
” I- De acordo com a determinação do artº 49º, § 3º, do C.S.I.S.D. – onde vem estabelecida uma presunção juris tantum -, serão de considerar “terrenos para construção” tão-somente os que se apresentem objectivamente afectos à construção, afectação de que são índices os factos ali assinalados. II – Provado que o terreno não tinha aptidão, por si só, para a construção urbana, e afastada assim a presunção legal constante daquele preceito, há que concluir pela ilegalidade da operada avaliação, face à inexactidão do pressuposto de se tratar de “terreno para construção” “.
E, ainda mais explicitamente, afirma-se no Acórdão de 88.02.02, do Tribunal Tributário de 2ª Instância de Lisboa, in CTF n.º 350, Abril-Junho 1988, págs. 574 e sgts:
“II – A prova da impossibilidade de construir em determinado terreno por falta de licenciamento obsta a que o mesmo seja terreno para construção para os fins do artigo 53º do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, apesar de o destino à construção ter sido declarado na escritura de aquisição e termo de declaração de sisa”

E mais adiante, no texto do mesmo Acórdão:
“Será a declaração do título aquisitivo suficiente para qualificar o terreno de construção ou terão de concorrer outros elementos?
O conceito de terreno para construção, para efeitos fiscais, não pode ser um conceito formal, resultante do simples enquadramento da presunção do § 3º do artigo 49º do Código da sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, mas deve ser um conceito material, dirigido às realidades para que foi formulado, traduzindo-se, no caso, a destinação específica à construção urbana.”

Afirma-se neste mesmo Acórdão, expressamente, a uniformidade jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo quanto à natureza ilidível, por prova em contrário, da presunção constante do supra mencionado § 3º, do artigo 49º, do CIMSISSD, concluindo-se que a mesma deve ceder “quando confrontada com outros elementos que a contrariem, elementos contemporâneos ou mesmo posteriores à aquisição”.

Ainda no âmbito do mesmo Acórdão de 88.02.02, do Tribunal Tributário de 2ª Instância de Lisboa, refere-se jurisprudência do mesmo Tribunal (Acórdão de 87.01.28, processo 57 876), nos termos da qual, mesmo que a finalidade de construção “constasse da escritura e uma vez que o terreno se integra numa zona que a não consente, ele não poderia qualificar-se como terreno para construção”.

À data da apreciação do pedido do Reclamante, no sentido de o prédio por si adquirido deixar de ser classificado como terreno para construção, eram estas as disposições legais vigentes e era esta, já, a orientação jurisprudencial consagrada, factores que não obstaram ao indeferimento do seu pedido com fundamento numa interpretação da lei que não posso deixar de considerar exageradamente literal e em desacordo com a real intenção do legislador.
Certamente com o objectivo de pôr fim às consequências nefastas desta interpretação da lei, viria o mesmo legislador a introduzir alterações ao artigo 6º, n.º 3, do CCA, através da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1995) alterações que, sendo de louvar pelo seu intuito de clarificação e de introdução de maior certeza e segurança nas relações jurídicas, seriam desnecessárias caso não se houvessem registado, até então, casos de extrema injustiça e desadequação da norma, na sua redacção inicial, aos factos a que foi aplicada.

A actual redacção do artigo 6º, n.º 3, do CCA salvaguarda agora expressamente os casos em que “as entidades competentes vedem toda e qualquer licença de construção”, considerando que os prédios nestas circunstâncias não são terrenos para construção, ainda que esta qualificação conste do respectivo título aquisitivo.

A questão encontra-se, pois, totalmente esclarecida a partir da entrada em vigor desta alteração que, reafirmo, não era essencial à boa interpretação da norma alterada, cujo sentido sempre foi o que agora lhe foi expressamente atribuído, conforme já ficou provado pela analogia com idênticas disposições constantes do CIMSISSD.

Regressando ao caso concreto do Reclamante acima identificado, diga-se desde já que a sua situação actual se encontra também resolvida, já que a evolução dos trabalhos de aprovação do Plano Director Municipal do concelho de Cascais (PDM-Cascais) veio a permitir ao Reclamante destinar o terreno a construção, se assim o entender.

Com efeito, do teor do Regulamento do PDM-Cascais, publicado no DR I-B, de 97.06.19, fls. 2970 e sgts, resulta que, actualmente, o imóvel se encontra em área passível de construção.
Encontrando-se pois ultrapassada, para futuro, a questão objecto de queixa (a inscrição matricial do prédio como urbano passou a ser correcta e nada obsta, a partir de agora, à concretização da intenção do proprietário de construir no local), certo é que, desde a entrada em vigor do CCA, até à entrada em vigor do PDM-Cascais, o prédio foi tributado como terreno para construção (isto é, como prédio urbano) quando não o deveria ter sido por não ser legalmente possível conferir-lhe tal utilização.

E se entre a data da entrada em vigor do CCA e a data em que foi solicitada, pelo interessado, a alteração da classificação do imóvel por se situar em área não passível de construção, não era exigível que a administração fiscal houvesse classificado o imóvel de outra forma (não obstante a existência de mecanismos que permitem, mesmo na ausência de comunicação do interessado, apurar da utilidade que os imóveis são, objectivamente, capazes de gerar – artigo 30º do CCA), já a partir do momento em que o interessado alega e faz prova da absoluta impossibilidade de construir no local, não é aceitável a manutenção de uma classificação que, manifestamente, nada tem a ver com a realidade objecto da mesma.

Compreenderá V. Exª, certamente, que conclua no sentido de a administração fiscal ter andado mal ao cingir-se à letra da lei para se recusar a rever a situação em apreço.
Nem se diga que a decisão da Direcção Distrital de Finanças, fundamentada numa informação que remete para o teor do Ofício-circulado n.º 5347.11/91, de 10 de Dezembro, da 1ª Direcção de Serviços da DGCI (v. ponto 7. do documento n.º 2, anexo), traduz, por força dessa remissão, uma interpretação mais completa e rigorosa.

Com efeito, é meu parecer que, mesmo recorrendo à doutrina sancionada pela mencionada instrução administrativa, a pretensão do Reclamante deveria ter sido atendida. Foi a mera invocação das alíneas b), dos n.ºs 1 e 2, do mencionado Ofício-circulado, desprovida de articulação com as restantes alíneas da mesma instrução administrativa, que levou à conclusão simplista de atribuir à declaração de intenção de construir no terreno adquirido, a eficácia constitutiva que a alínea c), do ponto 2., do citado Ofício-circulado, expressamente rejeita.

O que a alínea b), do n.º 2, da instrução administrativa em apreço estipula é que, perante um documento formalmente válido, do qual conste a menção da intenção de construir no terreno transaccionado, não devem os serviços deixar de reconhecer a validade de tal documento e da referida menção. Da formulação desta alínea não resulta, porém, a validade absoluta de tal declaração, isto é, não resulta que a mesma prevaleça sobre declaração posterior contrária e, além do mais, comprovada documentalmente.

Aliás, bastaria uma interpretação conjugada daquela alínea b), do n.º 2, com a alínea c), do mesmo número – que expressamente rejeita a eficácia constitutiva das declarações dos contribuintes -, para concluir que o reconhecimento da validade da declaração de intenção de construir visa servir o fim contrário àquele que serviu no caso em apreço, isto é, visa permitir que, mesmo na falta do elemento objectivo necessário à classificação do imóvel como terreno para construção (o prévio reconhecimento do direito de edificação pela entidade competente), o imóvel possa ser classificado como tal, nomeadamente porque se admite a verificação de casos em que o reconhecimento do direito de edificação, não tendo ocorrido previamente à transacção, venha a acontecer em momento imediatamente posterior.

Ora, no caso em apreço, em vez de permitir a classificação do terreno como sendo para construção em momento anterior à prova da susceptibilidade de tal utilização, a citada alínea foi invocada para manter uma classificação que já deixara de ter subjacente quer a vertente subjectiva traduzida pela declaração de intenção de construir (o interessado, conhecedor da impossibilidade legal, abdicou compreensivelmente dessa intenção) quer a própria vertente objectiva da mesma classificação, já que foi efectuada prova documental da impossibilidade de construir no local.

Conclui-se, pois, que à data da apreciação do pedido do interessado, no sentido de o imóvel deixar de ser classificado – e tributado – como terreno para construção, já se encontravam reunidas todas as condições para que o mesmo houvesse sido deferido, pelo que a incorrecta apreciação dos factos e respectivo enquadramento jurídico ficou a dever-se, única e exclusivamente, a erro da administração fiscal.
Tal erro é sanável nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 20º, n.º 1, alínea c), do CCA e 93º e 94º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Tributário, disposições ao abrigo das quais e por força do que acima ficou dito,RECOMENDO:

que seja ordenada a revisão oficiosa das liquidações de Contribuição Autárquica dos anos de 1992 a 1996, referentes ao contribuinte e ao imóvel acima identificados, já que durante aqueles anos o imóvel em causa foi tributado como terreno para construção – isto é, como prédio urbano – quando, por razões de que a administração fiscal foi oportunamente informada (através de requerimento do interessado, datado precisamente de 1992), a sua classificação deveria ter sido de prédio rústico, por aplicação do disposto no artigo 3º, n.º 1, alínea b), do CCA, com a consequente aplicação da taxa de 0,8% prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 16º, do CCA.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel