Ministro da Justiça
Número: 74/A/98
Processo : R-4859/97
Data: 27.11.1998
Área : A4
Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – TÉCNICO SUPERIOR DE 2ª CLASSE – REGIME DE SUBSTITUIÇÃO IRREGULAR – EXERCÍCIO EFECTIVO DE FUNÇÕES DE DIRECTOR DE ESTABELECIMENTO – ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – DIFERENÇA DE RETRIBUIÇÃO.
Sequência: Acatada.
1. Informo Vossa Excelência que, após análise da reclamação apresentada por …., e ponderada a posição de V. Exa vertida no ofício do Gabinete de V. Exa n.º …, P.º …, considerei a mesma reclamação procedente pelas razões enunciadas de seguida.
2. Da análise da posição da reclamante e face à não oposição desse Ministério e particularmente da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, considero assente a seguinte matéria de facto:
a) A reclamante exerceu as funções de Técnico Superior de 2ª classe estagiária desde Junho de 1991, tendo tomado posse na categoria de técnico superior em 22.07.92;
b) Por despacho do Senhor Director-Geral dos Serviços Prisionais de 21 de Abril de 1992 foi designada Directora do Estabelecimento Prisional das Caldas da Rainha, em virtude de o anterior titular se ter desligado do serviço para efeitos de aposentação;
c) Por despacho do Senhor Director-Geral dos Serviços Prisionais de 21 de Setembro de 1995 a reclamante foi exonerada do cargo, a seu pedido;
d) Durante o período de tempo em que exerceu as funções de Directora do Estabelecimento, a reclamante apenas auferiu o vencimento de estagiário e de Técnico Superior de 2ª classe.
3. Como se infere da Informação da Auditoria Jurídica que serviu de base ao Despacho de V. Ex.a de 19.10.98, a pretensão da reclamante foi indeferida por várias ordens de razões, a saber:
a) A reclamante não foi investida no cargo pela entidade competente para nomear em regime de substituição;
b) A reclamante exerceu funções para além do período legal de duração do regime de substituição;
c) A situação da reclamante não é equiparada àquela que levou um meu antecessor a formular Recomendação no processo 81/R-989-A-2 (Relatório do Provedor de Justiça de 1984, páginas 154 e 155).
4. Desde já, não posso aceitar que, apenas com base em argumentos de ordem formal, contidos na Informação de Auditoria Jurídica, respeitantes à natureza e duração do alegado regime de substituição, que terá estado na base da designação da reclamante, tenha sido desatendido o pedido da reclamante.
5. Aceitando que possa ser questionável a designação da reclamante ao abrigo do disposto no art.º 62º, n.º 3 do Dec-Lei 268/81, de 16 de Setembro, e daí eventualmente incompetente o Director-Geral para proceder à designação e, ainda, que a situação de facto tivesse ultrapassado o prazo legal máximo, a verdade é que o exercício de funções da reclamante, de forma regular e continuada, teve lugar por impulso da Administração Pública.
6. É, assim, indubitável que a Administração beneficiou do trabalho prestado pela reclamante sem o ter retribuído de forma justa, equilibrada e proporcionada à quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido.
7. Se alguma situação irregular existiu a mesma foi gerada apenas e só pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.
8. Não é aceitável que se possa pôr em dúvida a boa fé da reclamante, só porque alegadamente deveria saber que a situação de facto em que prestou serviço não teria cobertura legal.
9. De resto, como já salientei, nunca é de mais realçar que, quer o exercício de funções, quer a sua manutenção, para além do eventual período de seis meses, foram de iniciativa e tiveram a aquiescência da Administração, pelo que nunca poderia a mesma invocar os alegados vícios de incompetência ou de violação da lei, para se subtrair ao pagamento das remunerações devidas.
10. Ao actuar de forma indicada a Administração incorre em procedimento que marcadamente viola o princípio da boa fé na modalidade de “venire contra factum proprium”.
11. Ainda em sede e respeito pelo princípio da boa fé, convém lembrar que, também, a Administração Pública nas relações com os particulares está obrigada a ponderar os valores fundamentais do direito relevantes em cada situação, tendo em especial conta a confiança que com o seu procedimento poderá suscitar na contraparte, conforme resulta do disposto no art0 60-A, n.º 1, e n.º 2, alínea a) do Código de Procedimento Administrativo, na redacção aditada pela Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro.
12. Não posso, assim, aceitar a tese da Auditoria Jurídica que terçou armas em redor do comportamento da reclamante que, aliás, nada tem de censurável, esquecendo-se de analisar o comportamento da Administração Pública que manifestamente atentou contra as regras da boa fé.
13. Não pode, ainda, ser esquecido que a reclamante no caso em apreço estava obrigada a cumprir a ordem do seu superior hierárquico, exercendo as funções para que foi designada.
14. Ao contrário do argumento aduzido na indicada Informação para afastar a similitude com o caso que serviu de base à Recomendação formulada no P.º 81/R-989-A-2 (Relatório do Provedor de Justiça 1984, pág. 154 e 155), cabe-me salientar que o caso presente, a meu ver, justifica, por maioria da razão, o pagamento da retribuição correspondente às funções de Director do Estabelecimento.
15. É que, no caso da anterior Recomendação, estava-se perante o exercício em acumulação das funções de 1º oficial com as funções de Director do Estabelecimento.
16. No presente caso, estamos perante o exercício de funções de Director do Estabelecimento em regime de exclusividade, por um Técnico Superior de 2ª classe.
17. Mesmo sem recolher elementos de facto com fins comparativos, entre o exercício das funções da ora reclamante e do referido 1º oficial, não é difícil supor que, no caso da reclamante, o exercício das funções de Director terá atingido um grau de qualidade e satisfação dos objectivos do interesse público em maior grau do que, naturalmente, foram atingidos no primeiro caso.
18. E tanto assim foi que a reclamante só cessou as funções a seu pedido.
19. Estamos, assim, perante um caso nítido de enriquecimento sem causa da Administração à custa do trabalho e sacrifício do funcionário, situação jurídica que, aliás, é reconhecida na Informação da Auditoria Jurídica em análise.
20. Nestes termos,RECOMENDO
a V. Exa que seja paga à reclamante a diferença entre a retribuição auferida e a que no período de 21.04.92 a 21.09.95 correspondia à retribuição de Director de Estabelecimento.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel