Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território
R-3891/98
N.º 26/B/99
1999.07.20
Área:A2

Assunto:FUNDOS COMUNITÁRIOS – MICROEMPRESAS – REGIME DE INCENTIVOS – ALTERAÇÃO DE REQUISITOS – NECESSIDADE DE NORMA TRANSITÓRIA

Sequência:Não Acatada.

1. Trago junto de Vossa Excelência um assunto acerca do qual foram recentemente enviados à Provedoria de Justiça esclarecimentos através do ofício n.º …., do Gabinete de Vossa Excelência, que desde já agradeço.

2. Trata-se da questão abordada em queixa apresentada junto deste órgão do Estado e relativa ao facto de ter sido denegada a entrada de um projecto de criação de uma policlínica em Moimenta da Beira, já com realização de projecto iniciada, no âmbito do Regime de Incentivos às Microempresas (RIME), atenta a inesperada entrada em vigor da Resolução do Conselho de Ministros nº 51/98, de 20/4.

3. À data em que o promotor, após obtenção de documento necessário ao aperfeiçoamento do processo de candidatura, se propunha proceder à sua entrega, já haviam decorrido mais de três meses sobre a data de início da realização do projecto, motivo pelo qual a candidatura lhe foi recusada, invocando-se a supra citada Resolução do Conselho de Ministros (RCM), entretanto publicada.

4. Nos termos do artº 8º do Regulamento de Aplicação do Regime de Incentivos às Microempresas, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 154/96, de 17/9, constituía requisito de aceitação de candidaturas que a realização do projecto tivesse sido iniciada há menos de 12 meses da data da apresentação das candidaturas.

5. Vale isto por dizer que, no âmbito daquele diploma legal, o promotor do projecto teria a legítima expectativa de o poder apresentar para efeitos de apoio no âmbito do RIME até um limite de doze meses depois de ter sido iniciada a sua realização. Foi tendo em conta este prazo que o promotor do projecto – como, certamente, outros em iguais circunstâncias – elaborou, organizou e aperfeiçoou a sua candidatura.

6. Inopinadamente, porém, surge a Resolução de Conselho de Ministros nº 51/98, de 20/4, que, modificando a redacção do Regulamento de Aplicação do RIME, altera o requisito de início do investimento de doze para três meses.

7. O facto de não ter sido incluída no referido diploma legal uma norma transitória defraudou as legítimas expectativas de todos os promotores que, já tendo iniciado a realização dos seus projectos por imposição legal decorrente da norma constante da alínea a) do artigo 8º da RCM n.º 154/96 – com as despesas inerentes ao lançamento de qualquer actividade, bem como as de elaboração do projecto – e que contavam com um prazo mais alargado para dar entrada dos mesmos nas entidades competentes, viram, assim, inviabilizada definitivamente a possibilidade de apreciação das suas candidaturas, para efeitos de atribuição dos incentivos em causa.

8. A este facto acresce o de não ter sido previsto qualquer período alargado de vacatio legis que salvaguardasse, sequer, as expectativas fundadas dos promotores que tivessem os seus projectos mais avançados, tendo mesmo sido suprimido o período de vacatio legis supletivamente estabelecido.

9. Acerca deste assunto, pronunciou-se esse Ministério através de Nota da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional, que me foi remetida pelo ofício supra citado do Gabinete de Vossa Excelência, justificando que uma vacatio legis mais alargada teria o efeito contrário ao pretendido, que era o de travar o grande afluxo de projectos que se vinha a verificar. Infere-se, ainda que sobre esta questão nada se tenha dito, e por maioria de razão, que este motivo estará na origem do facto de não ter sido estabelecida qualquer norma transitória formal.

10. Mais acrescentou aquela Secretaria de Estado que “(…) as listagens com os projectos aprovados no âmbito do regime de incentivos são periodicamente publicadas no Diário da República, conhecendo-as os interessados ou devendo conhecê-las (…)”, e ainda que ” (…) dada a divulgação da dotação orçamental para o regime de incentivos e da respectiva aprovação das candidaturas, a alteração aprovada pela Resolução de Conselho de Ministros nº 51/98, de 20 de Abril, não constitui uma medida com que, razoavelmente, os interessados não pudessem contar(…)”.

11. Antes de mais, não posso deixar de fazer notar a Vossa Excelência o quanto a afirmação supra citada compromete o princípio da tutela da segurança jurídica, próprio de qualquer Estado de direito. É a Lei e não as dotações orçamentais, por mais divulgadas que sejam em publicação oficial, que estabelece os direitos e que permite aferir as legítimas expectativas dos cidadãos.

12. Para além do mais, e mesmo que se admita, sem aceitar, este argumento, sempre se dirá ser extremamente frágil. E não só porque dele não resulta claro o motivo pelo qual, da simples confrontação dos projectos aprovados com a dotação orçamental existente, seria possível concluir que haveria de surgir uma alteração ao anterior Regulamento nos termos em que surgiu, como até porque a conclusão pela hipótese de um reforço excepcional da dotação orçamental para este regime de incentivos poderia configurar-se como bem mais razoável.

13. Mas sobretudo porque, a ser assim, cabe perguntar se, atentas as limitadas dotações orçamentais existentes, não deveria, ao invés, a primeira redacção do Regulamento de Aplicação do Regime de Incentivos às Microempresas ter sido mais cuidadosa, adoptando, eventualmente, um sistema de candidaturas fechado, sem a exigência de início de realização do projecto.

14. Ou se, em alternativa, e não tendo sido adoptadas aquelas soluções na primeira redacção do Regulamento – e contornando a eventual justificação do inesperado número de candidaturas entrado, que poria em causa a eficácia do próprio diploma -, a sua alteração não deveria ter surgido mais cedo, quando já havia percepção do fluxo de candidaturas, mas ainda havia dotação orçamental disponível por mais algum tempo. Teria sido possível garantir, desta forma, até por simples recurso ao período supletivo de vacatio legis, um nível de protecção mínimo das legítimas expectativas dos administrados, que, assim, foi negligenciado.

15. Em lugar disso, optou-se por um sistema que ignora o elementar princípio de tutela da confiança jurídica e, ademais, com uma justificação à Provedoria de Justiça que, Vossa Excelência admitirá, faz temer pelos termos em que serão “todas as questões que se têm suscitado no âmbito dos regimes de apoio ponderadas e equacionadas para efeitos de elaboração da legislação referente ao QCA III” (como se refere na Nota da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional).

16. Dentro deste quadro normativo, e não obstante não ter sido adoptada qualquer destas opções, sempre direi entender que a aferição das candidaturas se deverá fazer por recurso ao n.º 1 do artº 297º do Código Civil. Determina, efectivamente, esta disposição que “a Lei que estabelecer para qualquer efeito, um prazo mais curto que o fixado na Lei anterior, é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova Lei, a não ser que, segundo a Lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.

17. O prazo máximo para apresentação de candidaturas fixado na Lei anterior (RCM n.º 154/96) era de 12 meses contados a partir do início da realização do projecto, enquanto o prazo máximo fixado pela nova Lei (RCM n.º 51/98) para o mesmo efeito é de 3 meses a contar, também, do início da realização do projecto.

18. Assim, e fazendo a aplicação do n.º 1 do artigo 297º do Código Civil ao caso concreto, é necessário realizar as seguintes operações prévias à aferição da tempestividade das candidaturas: em primeiro lugar, apurar-se-á o prazo de que ainda dispunha cada promotor à data da entrada em vigor da Lei nova (20 de Abril de 1998). Se dispunha de três meses ou mais, a candidatura deverá ser considerada como regularmente entrada se apresentada no prazo de três meses a contar de 20 de Abril de 1998 (isto é, se apresentada até 20 de Julho de 1998). Se, ao invés, dispunha de menos de três meses, o prazo de entrega da candidatura terminará na data em que sempre terminaria caso não houvesse sido publicada a nova Lei.

19. É que, como refere Baptista Machado (in “Introdução ao Direito e ao discurso Legitimador”, pág. 243, Almedina, 1983), “por razões de justiça e de prática conveniência há que proceder aqui a uma adaptação das soluções que decorreriam dos critérios gerais, atendendo às possíveis particularidades das situações (a possíveis efeitos surpresa) que podem verificar-se quando a Lei nova vem encurtar um prazo (…).Por isso se manda encurtar o novo prazo a partir do início da vigência, com a ressalva da parte final do preceito.”

20. E concordará Vossa Excelência que esta interpretação, para além de ser a única conforme ao direito em vigor, não só salvaguarda as expectativas fundadas daqueles promotores de verem os seus projectos apreciados, como ainda não colide com a alegada necessidade de actuação imediata no que se refere ao objectivo de redução do número de candidaturas. É que o prazo que seria, sucessivamente, de doze meses para a apresentação dos projectos fica definitivamente reduzido para três meses, ou até menos (a contar da entrada em vigor da RCM nº 51/98).

21. A este propósito, quero ainda manifestar a minha discordância relativamente à manutenção no Regulamento de aplicação do RIME da obrigatoriedade, que vinha da primeira redacção do mesmo Regulamento, de já ter sido dado início ao projecto para efeitos de apresentação das candidaturas (artº 8º).

22. Esse requisito, a ser entendido como forma de o Estado se certificar da verdadeira intenção dos promotores de avançarem com os projectos – que outra não pode ser a ratio legis da norma -, evidencia, também ela, um desrespeito pela tutela das expectativas dos promotores dos projectos, que, assim, se vêem na contingência de iniciar os seus projectos sem qualquer garantia de obterem o incentivo, precisamente, à sua criação. Acresce que não se vislumbra a vantagem comparativa que daí poderá advir, para o Estado, em relação a um sistema de prova de início da realização do investimento que funcionasse exclusivamente como condição do início dos pagamentos.

23. Na verdade, o actual sistema, penalizante dos promotores cumpridores da Lei, que se podem ver a braços com um investimento para o qual têm algumas expectativas de obter incentivos, mas não certezas, não tem como contrapartida impedir eficazmente os menos escrupulosos de induzirem em erro a administração, levando-a a tomar por certo o início de realização de projecto que, na verdade, não teve lugar. E este comportamento, apesar de a todos os títulos censurável, é, no entanto, induzido pela própria Lei.

24. Assim, parece-me de toda a conveniência que o actual sistema (início do projecto – apresentação da candidatura – homologação – entrega do primeiro adiantamento) seja substituído por outro, cuja sucessão de fases seja antes a seguinte: apresentação da candidatura – homologação – início do projecto e respectiva prova – pagamento do primeiro adiantamento.

25. Por fim, cumpre, ainda, manifestar o meu desacordo relativamente à solução de recurso introduzida pela Resolução de Conselho de Ministros nº 51/98 como forma de contornar, para o futuro, eventuais faltas de dotação orçamental, consubstanciada na possibilidade de o regime poder ser, a todo o momento, suspenso. Trata-se de um expediente lamentável e juridicamente pobre, que apenas parece relevar da incapacidade do legislador para encontrar soluções de gestão dos dinheiros públicos capazes de, simultaneamente, garantir a transparência do regime de incentivos em apreço e assegurar a tutela dos direitos e legítimas expectativas dos particulares.

26. E não se diga que o facto de estar legalmente prevista a suspensão do Regime levará os promotores a poderem contar com ela, em termos razoáveis, seja porque a imposição não deixa de ser iníqua apenas por ter sido normativizada, seja porque uma disposição desta natureza, longe de transmitir segurança aos promotores, levando-os a saber com o que podem contar, apenas contribui para conferir opacidade e arbitrariedade a todo o sistema de incentivos.

27. E não se diga, igualmente, que aquela disposição se justifica pela necessidade de reduzir o fluxo de candidaturas, uma vez que tal não é, obviamente, o objectivo último dos sistemas de incentivos, mas antes o de serem beneficiados os melhores projectos.

28. Assim, e relativamente à legislação ainda em vigor, quero chamar a atenção de Vossa Excelência para o facto de, mantendo-se o actual enquadramento normativo – e nomeadamente a necessidade de já ter sido dado início à realização do projecto -, ser de toda a necessidade que a suspensão do regime, a ter lugar, surja quando já sejam fortes as probabilidades de não haver dotação orçamental suficiente, mas esta ainda se não encontre esgotada, de molde a ser possível o recurso, no mínimo, à vacatio legis supletivamente prevista.

Conclusões

29. Assim, e em termos de direito constituído, concluo lamentado o facto de não ter sido prevista na alteração do Regulamento dos Incentivos às Microempresas vacatio legis ou norma transitória que permitisse respeitar as expectativas fundadas dos promotores que já tinham obrigatoriamente iniciado a realização dos seus projectos.

30. Não obstante, entendo que deverão ser dados como regularmente entrados os projectos que, ou hajam sido aceites ou tenham visto comprovadamente denegada a sua entrada, dentro dos prazos contados nos termos previstos no n.º 1 do artigo 297º do Código Civil, conforme o ponto 18. da presente Recomendação.

31. Ainda no âmbito do direito constituído, e prevenindo situações de suspensão do RIME a todo o tempo, previstas no mesmo diploma legal de alteração do seu Regulamento, chamo a atenção para o facto de – para além de tal técnica legislativa não merecer o meu apoio – ser de toda a conveniência que a suspensão tenha lugar quando já seja previsível a insuficiência da dotação orçamental, mas ainda possam ser salvaguardadas as legítimas expectativas dos promotores que, por imposição legal, já hajam dado início aos seus projectos.

32. No que se reporta ao direito a constituir, e por forma a evitar estes e outros problemas da actual legislação, bem como a garantir a equidade e a transparência na atribuição de incentivos – não só do RIME, mas de todos os de idêntica natureza -, concordará Vossa Excelência que entenda dever ser de estabelecer um sistema de candidaturas fechado, por meio de concursos abertos por períodos fixos. Estes deveriam ser, naturalmente, concretizados através de anúncios de abertura de concurso, nos quais seriam mencionados as dotações orçamentais existentes e os critérios de selecção a adoptar, nos termos legais.

33. Mais entendo que deverá deixar de ser requisito de aceitação de candidaturas, no quadro da nova legislação a aprovar para aquele regimes de incentivos, o início de realização do projecto, qualquer que seja o seu prazo, uma vez que não é de molde, nem a respeitar as expectativas dos promotores que, tendo honestas intenções de avançar com projectos, necessitam, de facto, dos apoios para os poder levar avante com sucesso, nem, tão-pouco, a evitar fraudes (incentivando-as, até, atenta a iniquidade do preceito). Ambos estes objectivos poderão ser mais facilmente atingidos se o requisito de início do projecto for condição de entrega do primeiro adiantamento e não da homologação da candidatura.

34. Estas as sugestão que me permito avançar, por forma a que seja assegurada, de imediato e também no âmbito do próximo Quadro Comunitário de Apoio, a equidade na atribuição de apoios e a transparência dos sistemas de incentivos, nomeadamente do Regime de Incentivos às Microempresas.
Assim, nos termos do artº 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

1. Que, nos termos do disposto no artigo 297º, n.º 1, do Código Civil, sejam consideradas como regularmente entradas as candidaturas ao regime de Incentivos às Microempresas que tenham sido apresentadas, ou tenham visto comprovadamente recusada a sua aceitação, desde que, à data da entrada em vigor da RCM n.º 51/98, de 20 de Abril, reunissem as seguintes condições:
1.1. Dispusessem de um prazo superior a três meses para a sua apresentação, caso em que a data limite de entrega seria 20 de Julho de 1998;
1.2. Dispusessem de um prazo de entrega inferior a três meses, circunstância em que o prazo limite a considerar seria o resultante da aplicação da RCM n.º 154/96, de 17 de Setembro.
2. Que, relativamente ao Regulamento do Regime de Incentivos às Microempresas actualmente em vigor, e uma vez que se mantém a obrigatoriedade de já ter sido iniciada a realização do projecto à data da entrada da candidatura, uma eventual suspensão do regime (prevista pelas disposições finais e transitórias da RCM n.º 51/98, de 20/4) tenha lugar logo que existam indícios mínimos de não haver dotação orçamental suficiente, por forma a que a suspensão não se faça apenas quando já não existe essa dotação, mas admita, pelo menos, um período razoável de vacatio legis.
3. Que, no âmbito do próximo Quadro Comunitário de Apoio, a nova legislação relativa aos regimes de apoio às empresas, nomeadamente o Regime de Incentivos às Microempresas, adopte, tanto quanto possível – e por forma a garantir a equidade e transparência daqueles regimes -, o sistema de candidaturas fechado, por meio de concursos abertos durante períodos fixos, concretizados através de anúncios públicos, os quais devem incluir menção das dotações orçamentais existentes e dos critérios de selecção a adoptar.
4. Que, e também no âmbito do direito a constituir, na regulamentação dos vários incentivos deixe de constar o início da realização do projecto como requisito da apresentação das candidaturas, devendo encontrar-se previsto, apenas, como condição de entrega do primeiro adiantamento.
Porque a presente Recomendação contém sugestões de alteração do regime jurídico actualmente aplicável, nomeadamente aos incentivos às microempresas, constante de Resolução do Conselho de Ministros, comunico a Vossa Excelência que entendi por bem remeter cópia da mesma a Sua Excelência o Primeiro-Ministro, para os efeitos que sejam tidos por convenientes.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Ménéres Pimentel