Presidente do Governo Regional dos Açores
R-2410/97
Nº 23/B/99
1999.06.18
Área: Açores

Assunto:AMBIENTE – BACIAS HIDROGRÁFICAS – AÇORES – RECURSOS HÍDRICOS – EUTROFIZAÇÃO – ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO – PROTECÇÃO AMBIENTAL

Sequência: Sem resposta

I-Introdução

A situação ambiental das Lagoas dos Açores motivou uma reclamação apresentada, em 09/06/97, ao Provedor de Justiça.
A queixa era relativa à “degradação dos recursos hídricos integrados no Património Natural e Paisagístico de muitas Lagoas dos Açores” e identificava como causas a excessiva desflorestação, o arroteamento de terrenos para utilização pecuária das bacias hidrográficas, bem como a utilização excessiva de adubos. Todos estes factores concorriam, nos termos da reclamação, para a verificação de fenómenos de eutrofização.
Em termos sócio-económicos, a indústria do ananás – com a alegada “apanha desregrada de leivas” – e a indústria pecuária – em virtude de “arroteamentos – dejectos das vacas – adubos” – eram apontadas como causadores da situação reclamada.
O texto da reclamação refere, ainda, o insuficiente recurso, na Região Autónoma dos Açores, às medidas agro-ambientais criadas pela União Europeia.
A presente Recomendação, formulada nos termos do artigo 29º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, pretende constituir o solicitado contributo do Provedor de Justiça para a resolução dos problemas descritos, atendendo à necessária tutela do direito ao ambiente enquanto interesse difuso constitucional e legalmente protegido.

II-Razão de Ordem

Os esclarecimentos prestados pela senhora Directora Regional do Ambiente a coberto do ofício nº …, são inequívocos na demonstração da preocupação que a presente matéria tem suscitado nas autoridades públicas regionais com competência na área do ambiente, e da tomada de diversas medidas que visam a resolução da questão; revelam, ainda, o envolvimento de estruturas da sociedade civil – em especial das Universidades Nova de Lisboa e dos Açores – especialmente habilitadas ao estudo e à sugestão de medidas técnicas de salvaguarda das componentes ambientais ameaçadas.
Mas a par do reconhecimento do referido empenho da Administração Regional dos Açores deve fazer-se a constatação de que sem uma intervenção global e multidisciplinar não é viável a pretensão de encontrar, em tempo útil, o caminho para a recuperação da situação ambiental das Lagoas dos Açores.
Dos quatro principais habitats da biosfera usualmente referidos (o marinho, o de estuário, o de água doce e o terrestre) os lagos ou lagoas fazem parte da categoria dos habitats de água doce parada ou lênticos (de lenis, calma). Relativamente a estes, existe um alargado consenso doutrinário sobre os principais problemas que suscitam e é até curioso verificar que, mesmo no tocante aos meios de intervenção correctiva, as opiniões técnicas apresentam um amplo denominador comum.

A bibliografia consultada e as opiniões técnicas recolhidas permitem descrever as causas e os efeitos dos principais problemas com que as lagoas se debatem nos dias de hoje. Com efeito, as referências contidas – ainda que em termos genéricos – em estudos de diferentes lagoas não são de molde a suscitar controvérsias nesta matéria.
“Agricultural sources of pollution include the body wastes of farm animals, the runoff of inorganic fertilizers and pesticides, sediment, and salt. Fertilizers and animal wastes both contribute to eutrophication” .
Do mesmo passo, a importância, tanto económica e social como cultural, das lagoas não é controvertida; e é, igualmente, universalmente reconhecida a sua relevância paisagística.
“Os lagos vulcânicos, formados quer em crateras extintas, quer em vales obstruídos pela acção vulcânica, estão entre os mais belos do mundo”
A importância cultural, social, económica e turística das lagoas, bem como dos seus ecossistemas, é universalmente afirmada. E estas descrições – a par das especificidades regionais que adiante referirei – retractam a realidade existente nos Açores. Deve dar-se o devido realce a este aspecto: está consolidada a caracterização da situação ambiental das Lagoas dos Açores, e estão identificadas as causas que geram os efeitos perversos que importa mitigar. Mais: as principais variáveis que influenciam a ecologia destes habitats regionais nem sequer são substancialmente diferentes daquelas encontradas em lagoas existentes em outros lugares do mundo.
“Pollution has changed the biological character of the lake, and detergents and other eutrophicants have apparently caused significant oxygen depletion. Sturgeon and other commercially important fish began to disappear from the lake nearly a century ago. Contrary to much that has been said about Lake Erie’s death, the eutrophication has not brought about a decrease in the amount of live in the lake; it has brought about a change in the character of that life”.
Não competindo a este Órgão do Estado tomar posição no debate técnico – o qual, como se viu, não tem sido de molde a suscitar acaloradas controvérsias – nem por isso fica descartada a possibilidade do Provedor de Justiça contribuir para a busca das “soluções mais adequadas à tutela dos interesses legítimos dos cidadãos” e para o “aperfeiçoamento da acção administrativa” [vide artigo 21º, nº 1, alínea c), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril].

III-Exposição de Motivos

Registe-se, como ponto de partida, uma das conclusões do ofício da senhora Directora Regional do Ambiente atrás referido:
“(…) o ordenamento físico das bacias hidrográficas é a única forma de reverter o processo de eutrofização, conduzindo a longo prazo à recuperabilidade dos ecossistemas e ao seu desenvolvimento sustentável (…)”.
Demonstrando, uma vez mais, a pacificação doutrinária encontrada nesta matéria, atente-se na descrição do ecossistema da bacia hidrográfica feita por EUGENE ODUM:
“Embora em termos de componentes biológicos a lagoa pareça autónoma, a intensidade do seu metabolismo e a sua estabilidade relativa ao longo de um período de anos estão altamente condicionados pela entrada (input) de energia solar e, especialmente, pelo ritmo da afluência de água e de materiais vindos da sua bacia de alimentação. Dá-se com frequência uma entrada líquida de materiais, em especial quando as massas de água são pequenas ou é restrito o fluxo de saída. Quando o homem faz aumentar a erosão do solo ou introduz quantidades de matéria orgânica (esgotos urbanos, esgotos industriais) em proporções não assimiláveis, a rápida acumulação desses materiais pode levar à destruição do sistema. A expressão eutroficação cultural (= enriquecimento cultural) tornou-se muito comum para traduzir a poluição orgânica resultante da actividade humana. Portanto, quando se trata dos interesses do homem, é toda a bacia de drenagem, e não apenas a massa de água, que deve ser considerada como a unidade mínima de ecossistema. Para efeitos práticos de ordenamento, a unidade de ecossistema deve assim incluir, por cada metro quadrado de água, uma área terrestre da bacia hidrográfica pelo menos 20 vezes maior (a razão entre a superfície de água e a área da bacia hidrográfica varia muito e depende da queda pluviométrica, da estrutura geológica das rochas subjacentes e da topografia). Não se encontram a causa da poluição da água e as soluções examinando-a apenas; normalmente é o mau ordenamento da bacia hidrográfica que está a destruir os recursos aquáticos. Deve considerar-se como unidade de ordenamento toda a bacia de escoamento ou de recepção (…)”.

Sem embargo da concordância que me merecem as afirmações da senhora Directora Regional do Ambiente devo expressar o entendimento de que “para atingir o estádio do desenvolvimento sustentável, é necessário apostar na melhoria das técnicas agrícolas, na utilização de sistemas de energia renovável, no controle da poluição, etc.” . Importa, assim, adoptar medidas concertadas de regulação da utilização do espaço, da actividade económica e da valorização dos recursos; ou, dizendo de outra forma: o desenvolvimento sustentável pressupõe, invariavelmente, o integrado ordenamento do território .
A Lei nº 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente), estabelece a interligação entre a qualidade de vida e o ordenamento do território, e define este como um “processo integrado da organização do espaço biofísico, tendo como objectivo o uso e a transformação do território, de acordo com as suas capacidades e vocações, e a permanência dos valores de equilíbrio biológico e de estabilidade geológica, numa perspectiva de aumento da sua capacidade de suporte de vida” [artigo 5º, nº 2, alínea b)]. Como refere JOÃO PEREIRA REIS , foi adoptado o sentido preconizado na Carta Europeia de Ordenamento do Território, do Conselho da Europa, a qual elenca os seguintes objectivos do ordenamento do território:
a) Desenvolvimento sócio-económico equilibrado;
b) Melhoria da qualidade de vida;
c) Gestão responsável dos recursos naturais;
d) Protecção do ambiente;
e) Utilização racional do território.
Sem necessidade de uma mais profunda abordagem desta questão, assumo que o grande objectivo do ordenamento do território “(…) é o de manter o equilíbrio ecológico e promover o desenvolvimento sustentável” . Neste ponto, a minha posição coincide, uma vez mais, com a da senhora Directora Regional do Ambiente.

No presente contexto, porém, esta conclusão converte-se num ponto de partida. E isto porque existindo um óbvio consenso sobre a importância de disciplinar as matérias que concorrem para a degradação dos ecossistemas das Lagoas dos Açores, subsistem também os alertas e as queixas relativamente ao agravamento progressivo da situação ambiental, e, não obstante as medidas em estudo, não pode considerar-se atingido o ponto de viragem na direcção preconizada.
A intervenção ambiental mediante “instrumentos de carácter preventivo e defensivo” – como são os planos de ordenamento – é apenas visível, e viável, a médio e longo prazo. A circunstância de estarem em preparação instrumentos de planeamento não é suficiente, por si só, para dar por cumprido o objectivo de recuperação das componentes ambientais postas em crise.
Por este facto, a afirmação de que “(…) optou-se por aplicar medidas correctivas nas Lagoas das Furnas e Sete Cidades, atendendo a que a implementação de medidas de ordenamento não levam o sistema lacustre a manifestar, de forma imediata, sinais de recuperação devido ao tempo necessário para eliminar o excesso de nutrientes acumulados nos sedimentos e na cadeia trófica do ecossistema aquático, à morosidade do processo e à importante componente social e económica envolvida” , é compreensível, mas não pode deixar de me merecer reparo.
Com efeito, seria de esperar que a constatação do carácter mediato do ordenamento do território conduzisse, concomitantemente, à afirmação da urgência de ser travado o processo actualmente em curso, através da conjugação de uma intervenção de carácter estruturante (planificação) e da adopção de instrumentos correctivos com as imprescindíveis medidas cautelares ou preventivas.
Diga-se, aliás, que esta via foi já iniciada na Região Autónoma dos Açores, pese embora de forma mitigada e com carácter temporário. Atente-se, a este propósito, no disposto nos artigo 3º e no nº 1 do artigo 6º, do Decreto Legislativo Regional nº 4/96/A, que estabeleceu medidas cautelares para a bacia hidrográfica da Lagoa das Furnas:

Artigo 3º
Sujeição a medidas preventivas

1.Na área definida no artigo anterior ficam proibidas as actividades ou actos seguintes:
a)Criação de novos núcleos habitacionais;
b)Construção de edifícios ou outras instalações;
c)Implantação de parques de campismo;
d)Efectuar arroteias.
2.Relativamente à área definida no artigo anterior, fica dependente de autorização das Secretarias Regionais da Agricultura e Pescas, da Habitação, Obras Públicas, Transportes e Comunicações e do Turismo e Ambiente a prática das actividades ou actos seguintes:
a)Instalação de explorações ou ampliação das já existentes;
b)Alterações, por meio de aterros ou escavações, à configuração geral do terreno;
c)Derrube de árvores em maciço, com qualquer área;
d)Destruição do solo vivo e do coberto vegetal, com excepção dos amanhos e granjeios tradicionais;
e)Abertura de novas vias de comunicação e alteração das existentes, nomeadamente por correcção ou pavimentação;
f)Reconstrução e ou ampliação de edifícios ou outras instalações.
3.Fica, ainda, dependente de autorização das Secretarias Regionais da Habitação, Obras Públicas, Transportes e Comunicações e do Turismo e Ambiente, relativamente à área definida no artigo anterior, a prática das actividades ou actos seguintes:
a)Passagem de linhas eléctricas ou telefónicas;
b)Abertura de fossas;
c)Quaisquer outras actividades ou trabalhos que afectem a integridade e ou características da área delimitada.
4.As autorizações a que se referem os números anteriores não dispensam quaisquer outros condicionalismos exigidos por Lei, nem prejudicam as competências legalmente atribuídas a outras entidades.

Artigo 6º
Prazo de vigência e publicidade

1.As medidas constantes do presente diploma vigorarão pelo prazo de três anos, durante o qual o Governo Regional apresentará o Plano de Ordenamento da Bacia Hidrográfica da Lagoa das Furnas.
(…)
Outros exemplos poderiam ser dados, em especial, relativamente à Lagoa das Sete Cidades e à Lagoa do Fogo.
A divergência relativamente à necessária actuação nas Lagoas dos Açores não se situa, como é bom de ver, tanto na qualidade dessa intervenção como na extensão das medidas e na concertação dos diversos instrumentos de regulação.
Veja-se, em termos esquemáticos, qual a caracterização da situação actual das lagoas feita pela senhora Directora Regional do Ambiente:
-A Lagoa das Furnas encontra-se em estado de eutrofização avançado. Foi instalado sistema de arejamento que teve como efeito a sua desestratificação e oxigenação;
-A Lagoa das Sete Cidades está em estado de mesotrofia e com condições de anaerobiose (desoxigenação);
-A Lagoa do Fogo está em estado oligotrófico (qualidade da água aceitável) mas com tendência para enriquecimento da coluna de água em nutrientes (condições de anoxia junto ao fundo durante o período de estratificação térmica);
-A Lagoa Rasa, a Lagoa do Caiado, a Lagoa Rosada, a Lagoa do Paúl e a Lagoa Comprida estão em estado oligotrófico;
-A Lagoa do Peixinho encontra-se em estado avançado de eutrofia;

-Foi feita, ainda, referência genérica a Outras Lagoas, consideradas em estado de mesotrofia.
Como explica EUGENE ODUM , um sistema ecológico, ou ecossistema, é uma “unidade que [inclui] a totalidade dos organismos (isto é a “comunidade”) de uma área determinada interagindo com o ambiente físico por forma a que uma corrente de energia conduza a uma estrutura trófica, a uma diversidade biótica e a ciclos de materiais (isto é, troca de materiais entre as partes vivas e não vivas) claramente definidos dentro do sistema”. A classificação das Lagoas dos Açores atrás referida, elaborada de um ponto de vista trófico (de trophe, isto é “alimento”), parte da perspectiva de que “um ecossistema tem dois componentes (…), um componente autotrófico (autotrófico = que se alimenta a si mesmo) (…), e um componente heterotrófico (heterotrófico = que é alimentado por outro) (…)” . Assim, seguindo HENRI FRIEDEL:
“A evolução biológica dos lagos pode ser natural ou ter origem na intervenção humana. Em ambos os casos, é frequente que um lago de profundidade suficiente seja local de uma sedimentação mineral e orgânica secular, que tende a assoreá-lo. O fenómeno torna-se perigoso desde que a camada sedimentar deixe de ser alimentada por oxigénio. Duas causas podem contribuir para isso: a ausência de qualquer mistura entre as águas profundas e as águas da superfície (região quente, lagos ditos “meromícticos”) e a abundância excessiva de animais, para os quais se torna mais fácil comer do que respirar. Esta última causa constitui a eutrofização” .
“Oligotrófico, diz-se de um lago demasiado jovem (…) para ter recebido dos seus afluentes uma massa importante de detritos orgânicos” .
As causas de “degradação dos recursos hídricos [das] Lagoas dos Açores” identificadas no texto da queixa – a desflorestação, o arroteamento de terrenos, a utilização de adubos, a produção fecal bovina e a apanha de leivas – não são infirmadas na comunicação da senhora Directora Regional do Ambiente.
A necessária alteração da situação ambiental das lagoas deve empreender-se fazendo uso, e respeitando, os diversos instrumentos legislativos e regulamentares, nacionais e da União Europeia, que estão aprovados e vinculam as entidades públicas portuguesas e os particulares.
Lembro a possibilidade de ocorrer a transferência das unidades poluentes prevista no artigo 36º da Lei de Bases do Ambiente. Não obstante, como afirma JOÃO PEREIRA REIS , “no espírito da Lei a transferência de unidades poluentes para locais mais adequados [ser] por natureza uma medida excepcional que apenas deve ser aplicada quando, de todo em todo, não for possível solucionar os problemas de outra forma”, as disposições que vierem a regular esta matéria não devem descorar este instrumento de intervenção ambiental.

Chamo a atenção, ainda, para a Directiva nº 91/676/CEE, do Conselho, de 12 de Dezembro de 1991, relativa à protecção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola – transposta para a ordem jurídica interna mediante o Decreto-Lei nº 235/97, de 3 de Setembro. Este diploma visou, em especial, incentivar uma boa prática agrícola na sequência da constatação de que “a poluição do meio hídrico em Portugal por nitratos de origem agrícola está quase sempre associada à agricultura intensiva, em que, em certos espaços, se cometem alguns excessos no uso de fertilizantes” e de que “as condições de drenagem em certas zonas das bacias hidrográficas as tornam particularmente vulneráveis à poluição azotada, com consequências nefastas para o meio hídrico superficial e subterrâneo, exigindo por esse facto a adopção de medidas especiais de protecção”.
As Lagoas dos Açores constituem, nesta área como noutras, um caso de interesse específico que impõe a adaptação do regime jurídico nacional às especificidades regionais . Assim, também a matéria dos nitratos de origem agrícola deve ser acautelada nos instrumentos de planeamento, em articulação com as demais preocupações ambientais e de saúde pública.
Refiro, ainda e por fim, que nos termos do disposto no artigo 13º da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, o objectivo de defesa e de valorização do solo pode ser alcançado mediante “a adopção de medidas conducentes à sua racional utilização, a evitar a sua degradação e a promover a melhoria da sua fertilidade e regeneração (…)” (nº 1). Ora, o princípio de gestão racional do solo faculta instrumentos de imposição de medidas restritivas à ocupação e à utilização dos solos agrícolas. Assim sendo:
a) “Aos proprietários de terrenos ou seus utilizadores podem ser impostas medidas de defesa e valorização dos mesmos (…)” (nº 3);
b) Pode ser proibido, ou condicionado, o uso de biocidas, pesticidas, herbicidas, adubos, correctivos ou quaisquer outras substâncias similares (nº 4);
c)A ocupação para fins urbanos e industriais, bem como a instalação de equipamentos e infra-estruturas não agrícolas, ficará condicionada à natureza, topografia e fertilidade do solo (nº 5).

III-Conclusões

Uma vez que as massas de água não são sistemas fechados mas partes integrantes de bacias de drenagem ou sistemas de bacias hidrográficas – “uma espécie de ecossistema mínimo, no que se refere à prática do ordenamento pelo homem” – diversos estudos comprovaram o perigo da remoção vegetação circundante, em especial atendendo ao aumento do caudal da corrente de saída e ao arrastamento de quantidades adicionais de minerais. A este factor – também designado por encosta abaixo – acresce a utilização de adubos nas terras altas das bacias. Por outro lado, e de acordo com dados publicados pelo Departamento de Agricultura do Governo dos Estados Unidos da América, citados por KUPCHELLA e HYLAND , a produção fecal de cada cabeça de gado bovino é equivalente à produção de 16.40 pessoas. A importância destes elementos é reforçada pela circunstância da relação da quantidade de oxigénio necessário para que os micróbios oxidem a mesma matéria orgânica (relative BOD-Biochemical Oxygen Demand per unit of waste) ser de 1.000 para 0.105, respectivamente na produção fecal humana e bovina. Por fim, a apanha de leivas constitui um problema com contornos regionais. Refira-se, a este propósito, a resolução nº 16/98/A nos termos da qual a Assembleia Legislativa Regional recomendou ao Governo Regional dos Açores a tomada de medidas para:
“1.Incentivar a utilização do incenso como substrato alternativo à leiva, garantido, controladamente, as condições necessárias à sua disponibilidade.
2.Disponibilizar os apoios necessários à substituição das práticas agrícolas da cultura convencional do ananás.
3 – Promover a investigação científica e a fiscalização, por forma a garantir uma produção de qualidade, consentânea com as actuais exigências dos mercados e com as crescentes preocupações ambientais.
4. Promover a reposição do revestimento vegetal primitivo, principalmente nos solos que tenham sido sujeitos à extracção intensiva da leiva”.
Em aditamento ao texto da queixa que originou o presente processo, foi reconhecida a tomada de medidas mais amplas do que as preconizadas pela resolução nº 16/98/A. Assim, não só a utilização de leivas tornou-se desnecessária para a denominação de origem, como foi proibido o seu uso na cultura do ananás; e, acrescidamente, a sua apanha e comercialização foram proibidos.
O empenho que foi demonstrado pelo Governo Regional dos Açores indicia que o processo de recuperação ambiental das Lagoas dos Açores foi já iniciado. Não obstante, o conjunto de factos que deixei descritos, com particular relevância para o progressivo agravamento das condições ambientais das bacias hidrográficas, não pode deixar de conduzir à conclusão de que deve ser assegurado, com carácter de urgência, o integral ordenamento territorial das bacias hidrográficas das Lagoas dos Açores, nos termos descritos. E que devem ser aprovadas medidas preventivas, com carácter excepcional, para vigorar enquanto este ordenamento não for alcançado com carácter definitivo.

Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

A. que sejam aprovados os Planos de Ordenamento das Bacias Hidrográficas dos Açores;
B. que seja desencadeado o processo de transferência das actividades económicas e sociais existentes nas áreas mais sensíveis das bacias hidrográficas mencionadas que sejam incompatíveis com os objectivos de conservação definidos;
C. que sejam estabelecidas, de imediato e para vigorar até à data da entrada em vigor dos planos de ordenamento das bacias hidrográficas dos Açores, medidas preventivas que definam um regime excepcional de protecção ambiental e que, em especial, proíbam tendencialmente:
– A realização de quaisquer obras de construção civil, efectuados por entidades públicas ou privadas, bem como trabalhos que impliquem alteração da topografia local (incluindo arroteias);
– A prática de acções que impliquem a destruição do revestimento vegetal e a alteração do relevo natural.
– A instalação de explorações, agrícolas ou industriais, ou a ampliação das já existentes;
– O derrube de árvores;
– A descarga de águas residuais urbanas.

Por fim, importa tornar pública a intenção do Provedor de Justiça de promover um encontro – com a participação de diversas entidades públicas e privadas, juntamente com estruturas universitárias e cidadãos interessados -, no qual serão recolhidos contributos de cariz técnico-científico para a resolução da questão da situação ambiental das Lagoas dos Açores. Pretende-se, nesta sede, propiciar a concertação das actuações motivadas por preocupações de preservação do ambiente com outras medidas (designadamente no âmbito da reconversão agrícola, do turismo e da educação ambiental), por forma a ser alcançada uma ampla participação cívica na defesa dos interesses colectivos afectados.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel