Ministra da Saúde

Rec.nº:11/B/99
Proc.:R-555/98
Data:1999.04.15
Área: A4

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA – MÉDICO – REGIME DE TEMPO COMPLETO – REGIME DE DEDICACAO EXCLUSIVA – DISCRIMINAÇÃO – SISTEMA RETRIBUTIVO – REFORMULAÇÃO DO REGIME DAS CARREIRAS MÉDICAS.

Sequência: Parcialmente Acatada

1. Um grupo de médicos das carreiras hospitalar e de clínica geral solicitou-me intervenção, por entender que os médicos em regime de tempo completo são discriminados negativamente face aos seus colegas em regime de dedicação exclusiva por a sua remuneração ser de 66% relativamente à destes.

2. Afirmam que os dois regimes de prestação de trabalho não apresentam diferenças em termos de tempo de serviço ou responsabilidades.

3. Consideram que esta situação de discriminação salarial foi criada pelo art.12º do Decreto-Lei nº 73/90, de 6 de Março, ao formular o regime de dedicação exclusiva como o regime-base e passando a retribuir o de tempo completo com uma parcela equivalente a 66%.

4. Analisado o assunto, não se põe em causa que a fixação do regime de dedicação exclusiva obrigatório ou por opção se coloca no âmbito da discricionaridade do legislador quanto às várias carreiras, em função das suas necessidades próprias, nem a atribuição de uma remuneração suplementar aos médicos que optem pelo regime de dedicação exclusiva como retribuição da renúncia ao exercício de funções privadas, o que implica uma maior disponibilidade para o exercício das funções públicas correspondentes.

5. Entendo que não assiste legitimidade aos médicos no regime de tempo completo para contestarem a remuneração mais elevada dos médicos no regime de dedicação exclusiva, ao qual podem aceder sem limitações. Por esse motivo entendo que o regime de dedicação exclusiva não viola o princípio constitucional da igualdade em geral.

6. Questão diferente é a forma utilizada pelo legislador para a remuneração da dedicação exclusiva, ao introduzir na remuneração indiciária, fixada em função da quantidade e qualidade do trabalho prestado, um factor de diferenciação que se baseia num requisito externo à prestação de trabalho.

7. O art. 59º da Constituição prescreve a regra da retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, com correspondência ao princípio de que “a trabalho igual, salário igual”. Numa estrita aplicação deste princípio afigura-se dificilmente sustentável a constitucionalidade da norma impugnada.

8. A situação de exclusividade, no sentido desta decorrente, nada tem a ver com a “prestação de trabalho”, já que constitui uma atitude meramente omissiva de renúncia ao exercício de outras funções. Não está incluída, nem pode incluir-se no regime dos “suplementos” previstos no art. 19º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, atribuídos em função da “particularidade específica da prestação do trabalho” nem representa ” um regime diferenciado de trabalho” previsto no art.17º, nº4 do mesmo diploma.

9. O art. 11º nº 2 do Decreto-Lei nº 73/90 viola a aplicação do princípio da igualdade na vertente específica “a trabalho igual, salário igual”, na medida em que permite a fixação de um valor-hora para o trabalho normal e extraordinário diferente para os regimes de tempo completo e dedicação exclusiva quando são idênticas a natureza, quantidade e qualidade do trabalho prestado.

10. A correcção da situação exigirá que os médicos que prestam trabalho em quantidade, natureza e qualidade iguais aufiram remunerações idênticas, com correspondência em idênticos valores-hora de trabalho normal e extraordinário. A ponderação da situação especial de exclusividade de funções, que não representa um trabalho mas uma simples atitude omissiva, deverá ser remunerada através de um complemento remuneratório específico.

11. Se é correcto que essa especificidade não pode ser considerada através de variações indiciárias, que representam o pagamento do trabalho prestado, a opção por esta nova formulação exigirá um ajustamento dos actuais índices e a fixação de um novo valor para o índice 100. O que se pretende é remunerar de forma adequada o trabalho prestado e também o ónus especial da exclusividade de funções, sem propugnar soluções, a discutir na sede própria, relacionadas com o nível geral das remunerações da classe médica.

12. Assim, considerando que:
– a fixação de um regime de dedicação exclusiva nas carreiras médicas se inscreve na discricionaridade do legislador, que não cabe sindicar;
– Justifica-se a atribuição de uma remuneração global mais elevada aos médicos no regime de dedicação exclusiva para compensar o ónus especial ou a situação de renúncia a actividades privadas.
– a atribuição dessa remuneração não ofende o princípio da igualdade em geral, já que encontra plena justificação numa situação particular que corresponde a uma restrição ao exercício de outras actividades remuneradas.
– não cabe sindicar o montante remuneratório atribuído aos médicos que optaram por essa situação, já que, constituindo um incentivo à colocação num regime de disponibilidade exclusiva para o exercício de funções públicas, deve corresponder a um montante suficiente para justificar um motivo de opção.
– não podem os médicos que se encontram no regime de tempo completo pôr em causa a existência do regime de exclusividade ou os montantes remuneratórios de que este beneficia, como se de um privilégio se tratasse, pois que ao mesmo podem aceder a todo o tempo.
– a remuneração da situação de exclusividade de funções deverá ser considerada fora do regime de fixação da remuneração-base, através de um complemento remuneratório específico, pois não se trata de “prestação de trabalho “nem ainda representa um” regime diferenciado de trabalho”, mas de uma atitude meramente omissiva de renúncia ao exercício de funções privadas.
– a consideração da exclusividade de funções como integrada no conceito de remuneração-base ofende o princípio da igualdade na sua vertente específica de “a trabalho igual, salário igual” – art.59º, nº 1 da Constituição, pois médicos que prestam trabalho em quantidade, natureza e qualidade iguais auferem remunerações-base diferentes. Esta situação revela-se discriminatória, quer na fixação do valor hora normal, quer na fixação do trabalho extraordinário.
– não se afigura adequado solicitar a declaração de inconstitucionalidade do art. 11º, nº 2 do Decreto-Lei nº 73/90, pois a simples desaplicação da norma não conduz a um resultado considerado adequado ou suficiente ao fim em vista: não é líquido que se justifique um aumento remuneratório de 30% dos actuais médicos em regime de tempo completo, pois esse aumento deve ser aferido em termos de política global e em termos específicos das necessidades dos serviços de saúde; também não se justifica ( em termos de protecção dos princípios da protecção da confiança e da igualdade) colocar os actuais médicos em regime de dedicação exclusiva com um regime remuneratório global idêntico aos do regime de tempo completo.

Ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 20º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

O regime das carreiras médicas deve ser reformulado, sendo de estabelecer um ajustamento dos índices da carreira e eventualmente a fixação de um valor diferente para o índice 100, de modo a remunerar a situação de exclusividade em termos adequados, sem que seja desigual a remuneração-base.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel