Ministro do Trabalho e da Solidariedade

Rec. n.º 10/B/99
Proc.: R-3706/96
Data:1999-03-20
Área : A 6

Assunto: DIREITO DE REUNIÃO – LIBERDADE SINDICAL – ASSOCIAÇÕES SINDICAIS – PREJUÍZO PARA A LABORAÇÂO.

Sequência: Acatada.

Foi apresentada na Provedoria de Justiça uma queixa na qual se contesta que a Lei Sindical não estabeleça restrições ao número de membros da direcção de associações sindicais por empresa, consoante a sua dimensão, ao contrário do que sucede com os delegados sindicais (art.º 33.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril).

A audição prévia da antecessora de Vossa Excelência, nos termos do art.º 34.º do Estatuto do Provedor de Justiça, não conduziu a qualquer tomada de posição relevante, remetendo a solução para a Assembleia da República, atendendo à reserva de competência existente (cf. ofício nº…).
Penso, no entanto, que se justifica dirigir-me a Vossa Excelência, Senhor Ministro, uma vez que o regime normativo questionado se encontra vertido em diploma governamental e que o Governo, no nosso sistema institucional, além do poder de iniciativa que tem, dispõe de um importante papel no impulso da decisão legislativa.

Verifica-se assim que o regime previsto na Lei Sindical (Decreto-Lei n.º 215/B/75, de 30 de Abril), não estabelece restrições ao número de membros da direcção de associações sindicais por empresa, consoante a sua dimensão, ao contrário do que sucede com os delegados sindicais (art.º 33.º n.º 1 do mesmo diploma), sendo certo que a inexistência de qualquer restrição pode acarretar graves prejuízos na laboração de uma pequena empresa, contando entre os seus trabalhadores com um número apreciável de membros da direcção de associações sindicais, devido ao crédito mensal e ao regime de justificação de faltas de que gozam estes trabalhadores – cfr. art.º 22.º da Lei Sindical.

Uma primeira possibilidade seria a instituição de um sistema de quotas à semelhança do que a Lei já estipula para os delegados sindicais. Não me parece, no entanto que tal seja constitucionalmente admissível. Conforme resulta da Constituição, no exercício da liberdade sindical é garantida a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, devendo estas reger-se pelos princípios de organização e de gestão democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação e assentes na participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da actividade sindical.

Conforme se referiu no Acórdão do TC de 28.07.87, (publicado na II Série do DR de 18.12.97), o direito de auto-organização das associações sindicais implica que a Lei ordinária não possa estabelecer outros limites que não os que resultem das regras de organização e gestão democráticas, “isto é, a liberdade sindical não pode suportar outros limites que não aqueles que resultam do próprio texto constitucional, e sempre e só na medida em que as restrições sejam necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.” A liberdade sindical constitui, em todas as suas manifestações, um direito fundamental, beneficiando do regime previsto no art.º 18.º da Constituição.

Deste modo, a liberdade sindical só pode ser restringida, pelo legislador ordinário, nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as limitações confinar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não podendo atingir o conteúdo essencial da liberdade sindical.

Ora, a limitação acima aventada, a ser instituída, seria materialmente inconstitucional, por violação da liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, e porque constituiria uma restrição desproporcionada à liberdade sindical. Se se percebe que, no quadro de uma empresa, o número de delegados seja proporcional ao número de sindicalizados, nada permite autorizar que se limite a capacidade eleitoral passiva no âmbito sindical ao porventura único trabalhador sindicalizado de uma empresa.

De facto a questão é mais delicada do que em relação aos delegados sindicais já que estes funcionam como “porta-vozes” dos sindicatos junto da empresa, sendo portanto o seu trabalho desenvolvido no interior desta – cfr. art.º 25.º da Lei Sindical. É natural, pois, que o volume de trabalho dos delegados sindicais oscile conforme o número de sindicalizados existentes na empresa, pelo que se justifica a limitação do número dos que podem beneficiar de um regime específico de faltas e outros direitos, atendendo ao número de trabalhadores sindicalizados na empresa.

Já quanto aos dirigentes sindicais, limitar o número de candidatos aos corpos dirigentes das associações sindicais atendendo à dimensão da empresa, significaria coarctar inadmissivelmente os princípios de participação e auto-organização sindicais.
No entanto, como se disse acima, podem com o actual regime existir situações em que esta ausência de limitação do número de dirigentes sindicais por empresa cause prejuízos na laboração das empresas, mormente devido ao regime de faltas destes elementos. De facto, os direitos conferidos aos dirigentes sindicais representam sempre um encargo para a empresa.

Penso que existe uma outra via para solucionar este problema, tendo em consideração os interesses e direitos conflituantes. Assegurando uma solução mais equitativa para todos, não passa ela pela restrição da liberdade sindical mas antes pela socialização dos custos decorrentes desta situação.

Assim, uma via possível seria a de transferir os encargos resultantes da actividade sindical não directamente relacionada com uma empresa, como é o caso dos dirigentes dos sindicatos, repartindo-os por todas as empresas do sector, eventualmente de acordo com o número de trabalhadores sindicalizados constantes dos seus quadros.

Face ao exposto, ao abrigo dos art.ºs 20.º, n.º 1, b), e 38.º do Estatuto do Provedor de Justiça,
RECOMENDO a alteração do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, no sentido de se prever a repartição dos encargos resultantes dos direitos aí conferidos aos titulares dos órgãos sindicais por todas as entidades patronais de trabalhadores inscritos no sindicato em causa.

Para ponderação no quadro da revisão da Lei Sindical.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel