Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo

Rec. nº 21/A/99
Proc.: 4824/98
Data: 13.04.1999
Área: Açores

Assunto: Trânsito – Zonas de estacionamento tarifado – Regulamento Administrativo – Aprovação – Dever de Audiência dos Interessados

Sequência: Acatada

I – Introdução

A presente Recomendação surge na sequência da instrução, na Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores, de um processo cujo objecto é o Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo.

A reclamação que motivou a abertura do processo referia a apresentação, à Assembleia Municipal de Angra do Heroísmo, de duas propostas da respectiva Câmara Municipal relativas ao estacionamento tarifado na cidade de Angra do Heroísmo, e à concessão da instalação, manutenção e exploração do sistema de parquímetros.

Foram pedidos os elementos necessários à apreciação da matéria reclamada – cópia dos projectos de regulamento submetidos à Assembleia Municipal de Angra do Heroísmo, e as respectivas notas justificativas fundamentadas. Uma vez que o texto da queixa referia o incumprimento das disposições conjugadas dos artigos 117º e 118º, do Código do Procedimento Administrativo, bem como do disposto na Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular, foi questionada, igualmente, a ponderação destes instrumentos de audição dos cidadãos relativamente à questão em análise.

As respostas obtidas, que se complementam, continham os seguintes elementos:
– Cópia da acta da sessão extraordinária da Assembleia Municipal de Angra do Heroísmo, de 16/11/98;
– Cópia da proposta de “Concessão de Exclusivo para Instalação, Manutenção e Exploração de Parquímetros;
– Cópia do “Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo”;
– Informação da senhora Jurista da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, de 13/01/99.

Pela relevância que assume para a presente análise, transcreve-se parte do ofício nº 584, de 22/02/99, do senhor Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo. Era afirmado que:

“(…) as medidas tomadas por esta Câmara, no que se refere à audição dos cidadãos quanto ao Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo, são as que constam da informação datada de 13 de Janeiro findo, da jurista desta Câmara (…).
Relativamente à cópia solicitada da proposta de regulamento em causa e proposta de concessão de exclusivo para instalação, manutenção e exploração de parquímetros, teve esta Câmara conhecimento que a Assembleia Municipal (…) já as remeteu (…).
No que se refere à data para concretização das medidas objecto do regulamento esta Câmara prevê que seja o final do 1º semestre (…)”.

Note-se, desde já, que não foi feita nenhuma referência às notas justificativas dos diplomas regulamentares em apreço. É de presumir, por este facto, que inexistem.

A informação da senhora Jurista da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo elencava os procedimentos assegurados pela Edilidade em ordem à audição dos cidadãos interessados . O mesmo estudo, após algumas considerações relativamente ao regime jurídico do procedimento regulamentar, chegava às seguintes conclusões:

1ª Não existe a “inequívoca” obrigação legal, de cumprimento da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto;

2ª Ainda assim, foram alcançados os objectivos visados pela Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular mediante os procedimentos de audiência pública assegurados pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo.

Em face da circunstância do senhor Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo ter remetido o estudo a que me venho referindo a este Órgão do Estado devo considerar que aceita, e faz suas, as descritas conclusões.

Vejamos quais os principais problemas que a queixa em apreciação coloca.

A questão fundamental da controvérsia reside na necessidade (obrigatoriedade) de ser assegurada a audiência dos interessados a que alude o artigo 117º do Código de Procedimento Administrativo. Importa aprofundar, pois, a matéria do procedimento de aprovação de regulamentos. Este estudo aconselha, igualmente,a ponderação das situações em que deve ser elaborada uma nota justificativa fundamentada.

Num segundo momento, justifica-se buscar no ordenamento jurídico a legislação própria mencionada no nº 1 do artigo 117º.

Por fim, e como corolário, analisar-se-á o procedimento de emissão do Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo e a sua conformidade com as conclusões que vierem a ser formuladas.

II- Exposição de Motivos

A disciplina procedimental da produção regulamentar da Administração encontra precipitação nos normativos que constituem o capítulo I (“Do Regulamento”) da parte IV (“Da actividade administrativa”) do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, e alterado pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro.

Não suscita especiais desenvolvimentos a questão da sujeição dos regulamentos emanados do Poder Local às disposições do Código do Procedimento Administrativo e, concretamente, às normas relativas à actividade regulamentar da Administração Pública. O artigo 2º, nº 2, alínea c) é absolutamente claro, a este propósito: “são órgãos da Administração Pública, para efeitos deste Código … os órgãos das autarquias locais (…)”.

Nos termos do disposto no artigo 114º a produção de regulamentos municipais deve conformidade à disciplina constante do Código do Procedimento Administrativo.

Artigo 114º
Âmbito de Aplicação

As disposições do presente capítulo aplicam-se a todos os regulamentos da Administração Pública.

Tenha-se igualmente em conta o disposto no artigo 116º:

Artigo 116º
Projecto de regulamento

Todo o projecto de regulamento é acompanhado de uma nota justificativa fundamentada.

É pacífico que “a existência de um projecto – contendo o articulado formal ou informal de um regulamento – é um requisito nuclear do procedimento regulamentar (…)” . Se não tiver outro escopo, designadamente por não haver lugar à audiência de interessados ou a apreciação pública, terá sempre a função de “mera ordenação ou sistematização” . Na grande maioria das vezes, porém, as fases do estudo inicial das questões e da redacção de um projecto aparecem condensadas nesta última: não basta à Administração manifestar a intenção de emitir uma norma regulamentar para que se possa considerar aberto o procedimento. Deve ocorrer a exteriorização dessa vontade vertida no projecto.

O projecto “é acompanhado de uma nota justificativa fundamentada” . A mera referência à obrigatoriedade de elaboração de uma nota justificativa teria bastado para impor a obrigatoriedade da exposição dos motivos do articulado em apreciação. A superabundância que resulta da necessidade de existência de uma justificação e de uma fundamentação advém certamente da função garantística deste instituto, enquanto “princípio fundamental da administração do Estado de direito” consagrado no artigo 268º da Constituição. Esta redundância emana da dualidade do conceito constitucional de fundamentação que “é aqui entendida não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada”.

Não se julgue, porém, que o alcance deste dever de justificação fundamentada é somente o de assegurar, em abstracto, a correcta realização do interesse público. Para além deste desígnio, ele “possibilita um controlo contencioso mais eficaz (…), sobretudo quanto aos vícios resultantes da ilegalidade dos pressupostos e do desvio de poder”.

O cumprimento do artigo 116º impõe que, tendo por base as opções constantes do projecto de regulamento, seja assegurada a “sua fundamentação jurídica (por referência às normas de competências e/ou às normas exequendas) e administrativa (por referência às vantagens e inconvenientes de ordem económica, técnica, cultural ou social que a disciplina regulamentar proposta acarreta para os interesses a realizar nesse domínio e para os outros que por ela são atingidos, favorável ou desfavoravelmente)” .

A consequência da falta de nota justificativa não pode deixar de ser a invalidade do regulamento. De outra forma, apetece perguntar, como faz ESTEVES DE OLIVEIRA em jeito de desabafo: “(…) para que serviria todo este Capítulo do Código? Como umas instruções ou um manual de “escuteirismo” regulamentar?” .

Existe, como é bom de ver, uma indissociável ligação entre a exigência de elaboração de uma nota justificativa e o cumprimento do dever de audiência dos interessados. A auscultação dos interessados tem, quanto a estes, uma função dúplice de colaboração com a Administração e de obtenção de informação. Do mesmo passo, configura, para o ente público, uma oportunidade de (auto)esclarecimento mediante a ponderação dos diferentes interesses em confronto, e da sua compaginação com o interesse público. Mas é ao nível do desenvolvimento dos estudos técnicos, económicos e sociais que a nota justificativa cumprirá a sua função primordial: assegurar a apreciação pública.

Porque relativo ao direito de participação dos interessados no procedimento de formação de regulamentos importa reter o disposto no artigo 117º.

Artigo 117º
Audiência dos Interessados

1. Tratando-se de regulamento que imponha deveres, sujeições ou encargos, e quando a isso não oponham razões de interesse público, as quais serão sempre fundamentadas, o órgão com competência regulamentar deve ouvir, em regra, sobre o respectivo projecto, nos termos definidos em legislação própria, as entidades representativas dos interesses afectados, caso existam.

2. No preâmbulo do regulamento far-se-á menção das entidades ouvidas.

A presente disposição merece alguns comentários.

A começar, uma nota prévia sobre as expressões “deve ouvir, em regra” e “nos termos a definidos em legislação própria”. A informação da senhora Jurista da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, a que já fiz referência, afirma, a dado passo, que “as disposições mencionadas nos artigos 117º e 118º limitam-se a enunciar um dever, carecendo de executoriedade, afigurando-se assim necessário que em sede legislativa se definam quais os regulamentos cuja aprovação deve ser precedida de apreciação pública” . A este propósito deve lembrar-se que a doutrina discutiu, pelo menos até 1995, se o nº 1 artigo 117º não teria criado um caso de “(auto)dispensa administrativa do dever de audiência” . Questionava-se se, enquanto não fosse produzida a legislação especial para cujo regime se remetia, o órgão com competência regulamentar poder-se-ia eximir, sem mais, a dar audiência, sem que esse comportamento fosse censurado juridicamente.

A resposta, creio, não pode deixar de ser negativa atendendo, em especial, ao princípio da participação, ao princípio da colaboração da Administração com os particulares, e ao princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos. Prosseguir o interesse público garantindo a participação dos administrados implica, quase sempre (isto é, a não ser que se oponham razões de interesse público) propiciar a participação dos interessados. Desde 1995, a polémica encontra-se ultrapassada, no que concerne à situação que ora nos ocupa, em virtude da publicação da Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular (Lei nº 83/95, de 31 de Agosto).

O Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo impõe, indiscutivelmente, “deveres, sujeições ou encargos” pelo que também não se justifica a abordagem do problema da extensão do dever de audiência aos regulamentos que apenas indirectamente afectam direitos ou interesses legalmente protegidos. Direi somente que, ao impor a audição das “entidades representativas dos interesses afectados”, o nº 1 do artigo 117º faz uso do mesmo conceito de interesses protegidos a que alude a Lei nº 83/95, de 31 de Agosto. Este aspecto não é, certamente, despiciendo.

Veja-se agora o disposto no artigo 118º:

Artigo 118º
Apreciação pública

1.Sem prejuízo do disposto no artigo anterior e quando a natureza da matéria o permita, o órgão competente deve, em regra, nos termos a definir na legislação referida no artigo anterior, submeter a apreciação pública, para recolha de sugestões, o projecto de regulamento, o qual será, para o efeito, publicado na 2ª série do Diário da República ou no jornal oficial da entidade em causa.

2. Os interessados devem dirigir por escrito as suas sugestões ao órgão com competência regulamentar, dentro do prazo de 30 dias contados da data da publicação do projecto de regulamento.

3. No preâmbulo do regulamento far-se-á menção de que o respectivo projecto foi objecto de apreciação pública, quando tenha sido o caso.

A audiência dos interessados nem sempre pressupõe a apreciação pública; são realidades distintas “existindo diferenças juridicamente significantes de regime e fim entre ambas”, como afirma ESTEVES DE OLIVEIRA . Dever-se-á concluir, pois, que sempre que a natureza da matéria o permita o procedimento de audiência dos interessados compreenderá, em determinada fase, a apreciação pública .

Uma vez mais, ao consagrar a expressão “deve ouvir, em regra”, foi estipulada uma “restrição (…) dirigida programaticamente aos legisladores de sectores ou ordenamentos especiais” . Não cabe, in casu, a averiguação da pertinência da apreciação pública; essa análise foi realizada pela mão do legislador aquando da aprovação da Lei nº 83/95, porquanto a Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular é a legislação própria a que alude o artigo 117º.

Ao sujeitar à apreciação pública apenas os projectos de regulamento cuja “natureza da matéria o permita”, o Código do Procedimento Administrativo criou um conceito substancialmente diferente das “razões de interesse público” que se poderiam opor à audiência dos interessadas. O debate, uma vez mais, é desnecessário em face da consideração de que o Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo não constitui matéria cuja natureza seja impeditiva da respectiva apreciação pública .

A legislação própria referida nos artigos 117º e 118º é a Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, que consagrou o direito de participação popular nos procedimentos administrativos e instituiu um dever de audiência prévia relativamente à decisão sobre a localização e a realização de determinados investimentos públicos. Este diploma – que define, igualmente, os termos em que se efectiva o direito de acção popular – enumera, a título meramente exemplificativo, os seguintes interesses que visa proteger: “a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público” (artigo 1º, nº 2). Está-se, portanto, no âmbito da plurisubjectividade colectiva de que falava COLAÇO ANTUNES ao afirmar que “os interesses difusos ainda que possam ser assumidos individualmente são plurais e não se adaptam facilmente a uma personalização individual (a uma subjectivação individual)”.

Este direito procedimental de participação popular compreende um dever de prévia audiência, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 1, na fase de instrução dos procedimentos relativos à decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou outros investimentos públicos com impacto relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional.

O dever de prévia audiência pressupõe a audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados pelos planos ou decisões. Para a realização da audição – dispõe o artigo 5º, nº 1 -, devem ser afixados editais nos lugares de estilo (se os houver) e devem ser publicados anúncios em dois jornais diários de grande circulação e num jornal regional (quando existir) nos quais são identificadas as principais características do plano, obra ou investimento, são descritos os seus prováveis efeitos e é indicada a data a partir da qual será realizada audição dos interessados (nº 2).

Entre a data do anúncio e a realização da audição deve decorrer o prazo (mínimo) de 20 dias – salvo casos de urgência devidamente justificados (artigo 5º, nº 3) – no decurso de cujo prazo é facultada a consulta dos estudos e de outros elementos preparatórios dos projectos dos planos ou das obras (artigo 6º, nº 1), dos quais constarão obrigatoriamente dados sobre as consequências que a adopção dos planos ou decisões possa ter sobre os bens, ambiente e condições de vida das pessoas (nº 2). Acrescidamente, podem ser solicitados esclarecimentos, oralmente ou por escrito (nº 3).

No prazo de 5 dias após o termo do período de consulta, os interessados devem comunicar à autoridade instrutora a sua pretensão de serem ouvidos oralmente ou de apresentarem observações escritas (artigo 7º, nº 1), indicando, desde logo, os assuntos e o sentido geral da intervenção (nº 2).

A audição dos interessados é feita mediante a realização de uma audiência pública (artigo 8º, nº 1), no decurso da qual os esclarecimentos são prestados pela autoridade encarregada da instrução (nº 2), e da qual são lavradas actas que são assinadas pelos membros da autoridade instrutora (nº 3)

Existe, nos termos do disposto no artigo 9º, nº 1, um dever de ponderação e de resposta, nos termos do qual são respondidas as objecções formuladas, e justificadas as opções tomadas. O conteúdo das respostas deve ser comunicado, por escrito, aos interessados (nº 2).

Os artigos 10º e 11º referem-se ao procedimento colectivo, isto é, às situações em que a autoridade instrutora deva proceder a mais de 20 audições. Nestes casos, poderá ser determinado que os interessados se organizem de modo a escolherem representantes nas audiências a efectuar e, no caso daqueles não se fazerem representar, pode a entidade instrutora proceder à escolha, de entre os representantes de posições afins, de modo a não ser excedido o número de 20 audições.

Decorre do disposto no artigo 22º, nº 1 que “a responsabilidade por violação dolosa ou culposa dos interesses previstos no artigo 1º a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público constitui o agente causador no dever de indemnizar o lesado ou lesados pelos danos causados”. Nos termos do disposto no artigo 23º, existe ainda a obrigação de indemnizar (independentemente de culpa) sempre que de acções ou omissões do agente, ou agentes, tenha resultado ofensa de direitos ou interesses protegidos pela Lei nº 83/95. Sempre que os titulares dos interesses violados não estejam individualmente identificados, a indemnização é fixada globalmente (nº 2). No caso contrário, os titulares identificados têm direito à correspondente indemnização, nos termos gerais da responsabilidade civil (nº 3).

Descrito sumariamente o regime constante da Lei de Participação Procedimental – a legislação própria mencionada no nº 1 do artigo 117º – importa averiguar a conformidade do processo de emissão do Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo com aquela disciplina jurídica.

Para efeitos da disciplina instituída pelo artigo 4º, são consideradas obras públicas ou investimentos públicos com impacto relevante, aqueles que:

– se traduzam em custos superiores a um milhão de contos;
– influenciem significativamente as condições de vida das populações de determinada área (quer sejam executados directamente por pessoas colectivas públicas quer por concessionários).

Como foi destacado na informação que tenho vindo a comentar “o legislador ao utilizar o conceito impreciso “significativamente”, como critério de classificação do impacto dos investimentos públicos inferiores a um milhão de contos, absteve-se de eleger em concreto as situações enquadráveis no preceito em análise, deixando à apreciação casuística da entidade competente a obrigatoriedade da apreciação pública” . Neste ponto, concordo inteiramente com a senhora Jurista da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, na esteira do que escreveu MIGUEL SÁNCHEZ MORÓN: “descendiendo a la casuística es como mejor puede apreciarse el alcance de la teoría de los conceptos jurídicos indeterminados”.

Uma vez mais, resulta reforçada a relevância da nota justificativa enquanto elemento descritivo da motivação e da justificação da decisão tomada. A utilização de um conceito jurídico indeterminado transporta a questão em apreço para o campo da apreciação discricionária da Administração a qual “comporta (…) la necesidad de tomar en cuenta criterios no estrictamente jurídicos para adoptar la decisión, es decir, criterios políticos, técnicos o de mera oportinidad o conveniencia (económica, social, organizativa), según los casos”.

Ademais, creio que influenciar significativamente as condições de vida das populações é um conceito cuja concretização é sempre “incierta y opinable” . E porquanto estamos no âmbito da chamada discricionaridade técnica não se justifica, salvo casos de erro grosseiro de apreciação, pôr em crise o juízo dos técnicos da Administração. Tal não significa a impossibilidade de avaliar a decisão técnica mas, pelo contrário, que o controlo se restringe ao “cumplimiento de las garantías organizativas y procedimentales” . E é exactamente esta a questão em debate.

O que importa realçar, neste passo, é a absoluta ausência de elementos relativos à avaliação técnica da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo . A análise está, assim, irremediavelmente prejudicada em virtude do incumprimento do disposto no artigo 116º, do Código do Procedimento Administrativo, que impõe que o projecto de regulamento seja acompanhado da elaboração de uma nota justificativa fundamentada.

E se a questão da audiência dos interessados e da apreciação pública, a par do dever de audiência prévia previsto na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, pode motivar dissensões interpretativas e debates doutrinários, o tema da nota justificativa não se afigura susceptível de controvérsia; nem, tão pouco, a consequência em matéria de legalidade gerada pela sua falta ou insuficiência manifesta: a invalidade do próprio regulamento.

III – Conclusões

Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

A. que a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo supra o incumprimento do disposto no artigo 116º, do Código de Procedimento Administrativo, resultante da falta da nota justificativa fundamentada que deve acompanhar o projecto de Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo;

B. que em função das conclusões obtidas, designadamente sobre a extensão dos efeitos provocados nas condições de vida da população de Angra do Heroísmo, seja ponderada a participação procedimental, nos termos do disposto na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.

Por fim, justifica-se chamar a atenção para a possibilidade de, por motivos de urgência devidamente justificados, ser encurtado o prazo para a realização da audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados, no âmbito da disciplina jurídica da Lei de Participação Procedimental. Esta circunstância, conjuntamente com o aproveitamento das diligências já asseguradas, será inibidora de qualquer atraso substancial no processo já em curso.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENERES PIMENTEL