Presidente do Instituto para o Desenvolvimento
e Inspecção das Condições de Trabalho

RECOMENDAÇÃO Nº 9/A/99
Proc. R-3566 /97
1999.02.03
Área: A 2

Assunto:TRABALHO SECTOR PRIVADO – FORD ELECTRÓNICA PORTUGUESA LDA – SITUAÇÃO LABORAL PRECÁRIA – CONTRATOS DE TRABALHO TEMPORÁRIO – DOENÇAS PROFISSIONAIS – MEDIAÇÃO DE CONFLITOS – COMISSÃO DE HIGIENE E SEGURANÇA NO TRABALHO

Sequência: Sem resposta conclusiva

Como é do conhecimento de V.Exª., o Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas apresentou queixa na Provedoria de Justiça relativamente à situação laboral dos trabalhadores da Ford Electrónica Portuguesa, Lda., afectados por doenças profissionais, genericamente designadas por lesões músculo-esqueléticas traumáticas cumulativas.
No decurso da instrução do processo instaurado com base naquela queixa, foi elaborado um relatório interno que anexo, por entender que a complexidade das questões em presença assim o exige.
A intervenção que julgo dever ser protagonizada por V.Exª., no âmbito do conflito emergente da situação laboral em apreço, diz respeito a duas questões fundamentais.

A primeira questão prende-se com a avaliação do impacto do crescente recurso à contratação de trabalhadores a termo e temporários pela Ford Electrónica Portuguesa, Lda., a partir de Dezembro de 1995.
Os números disponibilizados pela Delegação Regional de Setúbal da Inspecção-Geral do Trabalho apontam para 193 trabalhadores contratados a termo, no final daquele ano; 421 em Dezembro de 1996; 481 em Dezembro de 1997; finalmente, os dados reportados a Setembro de 1998 referem-se a 393 trabalhadores contratados a termo e a 135 trabalhadores temporários.

Todavia, nenhuma das entidades intervenientes no presente processo referiu concretamente os efeitos do recurso à contratação destes trabalhadores na análise da situação laboral da empresa, emergente da declaração das doenças profissionais em apreço.
Com efeito, a crescente precarização dos vínculos contratuais pode ocultar a eventual ineficácia do sistema técnico e organizativo da empresa, cujo controlo e acompanhamento pela Administração Laboral continua a revelar-se fundamental.
Sob o pretexto de serem substituídos trabalhadores ausentes está simultaneamente possibilitado o não registo da ocorrência de novos casos de doença profissional com trabalhadores não permanentes, o que é susceptível de influenciar positivamente as estatísticas da empresa, de forma não consentânea com a verdade dos factos.
Importaria ainda esclarecer a existência de uma relação causal entre a contratação de trabalhadores a termo e temporários e a possibilidade de a empresa recolocar trabalhadores afectados por lesões músculo-esqueléticas cumulativas em postos de trabalho isentos de risco.

Por fim, face às condições gerais de licitude da celebração de contratos de utilização de trabalho temporário e da admissibilidade da celebração de contratos a termo, estabelecidas, respectivamente, no artº. 9.º do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, e no artº. 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, parece-me ainda que a Inspecção-Geral do Trabalho deve proceder a uma análise cuidada da fundamentação invocada pela Ford para a celebração destes contratos.

A segunda questão relativamente à qual é fundamental a intervenção de V.Exª. prende-se com a concertação das partes em conflito, empregador e trabalhadores, tendo em vista alcançar-se, por mediação, uma composição de interesses a que a Lei se refere.
Concluiu-se que a uma situação laboral caracterizada por um processo produtivo objectivamente perigoso e por um sistema organizativo com os constrangimentos enunciados foi associado um sistema de tratamento de informação, comunicação e participação dos agentes produtivos totalmente desajustado, por nunca ter integrado os próprios operadores e /ou os seus directos representantes.
Ao não associar os trabalhadores ao processo de prevenção de riscos profissionais e à gestão da higiene e segurança no trabalho, a empresa contrariou o que é considerado princípio fundamental da legislação tutelar de protecção da vida, da integridade e da saúde dos trabalhadores, com expressão, principalmente, no Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro.

Ora, não é por acaso que aquele princípio fundamental foi há muito acolhido na legislação nacional. A verdade é que o mesmo se fundamenta na experiência nacional e internacional sobre esta matéria, na qual se integra a consideração de que o sistema relacional de uma empresa, para ser equilibrado, deve assegurar a comunicação, a informação e a participação dos trabalhadores e seus representantes na prevenção dos riscos profissionais e na gestão quotidiana das questões relacionadas com a higiene e segurança.
É também incontroverso que ao escalão central de decisão, em matéria de gestão da prevenção, compete garantir a conciliação dos objectivos da produção e da prevenção.
Era a opção consagrada na Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho, sobre Segurança, Saúde dos Trabalhadores e Ambiente do Trabalho, ratificada por Portugal em 1985, e era a opção consagrada na Directiva nº 89/391/CEE, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores.

Assim, por meritório que seja o esforço de concretização de medidas que tendencialmente influam no sistema técnico e organizativo da empresa, os pontos críticos não serão neutralizados se os trabalhadores não os sentirem como uma necessidade, se não os compreenderem, se, enfim, não participarem nessas alterações.
Resulta também dos elementos recolhidos no âmbito do presente processo e dos contactos desenvolvidos pela Provedoria de Justiça junto da Ford, que a Inspecção-Geral do Trabalho, através da Delegação Regional de Setúbal, logrou alcançar uma posição de aconselhamento junto daquela empresa no que diz respeito às questões relacionadas com a prevenção de riscos profissionais, no exercício, aliás, de uma acção educativa e orientadora que lhe compete, como decorre do artº. 28.º do Estatuto da IGT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 327/83, de 8 de Julho.

Pelo exposto, na prossecução das atribuições conferidas ao IDICT pelo n.º 1 do artº. 2.º do Decreto-Lei n.º 219/93, de 16 de Junho e no âmbito das competências atribuídas pelo artº. 13.º do mesmo diploma à Inspecção-Geral do Trabalho,RECOMENDO,

1. Que se proceda à apreciação das condições gerais de licitude da celebração de contratos de utilização de trabalho temporário e da licitude e admissibilidade da celebração de contratos a termo, pela Ford Electrónica Portuguesa, Lda., por referência às exigências normativas constantes do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, e Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro;
2. Que seja efectuada a avaliação do impacto do recurso crescente à contratação de trabalhadores a termo e temporários no “decréscimo estatístico” do número de ocorrências de novos casos de doença profissional, bem como que se esclareça a existência – ou não – de uma relação causal entre a contratação daqueles trabalhadores e a dificuldade de recolocação de trabalhadores afectados por lesões músculo-esqueléticas traumáticas cumulativas em postos de trabalho isentos de risco;
3. Que, no quadro das obrigações decorrentes para o empregador do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, a IGT prossiga uma acção educativa e de aconselhamento junto da Ford Electrónica Portuguesa, Lda., tendo em vista a conciliação das partes em conflito, nomeadamente através da constituição de uma comissão de higiene e segurança no trabalho que inclua a participação dos operadores – sobretudo daqueles que estão sujeitos a riscos profissionais – e dos seus representantes.
Desta Recomendação dei hoje mesmo conhecimento a Sua Excelência o Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL