Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada

Rec. n.º 4/A/99
Proc.:R-2657/98
Data:1999-01-18
Área: Açores

ASSUNTO: AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS _ SAÚDE PÚBLICA – ANIMAIS – COCHEIRA – ESTABELECIMENTO INSALUBRE – ENCERRAMENTO – DESPEJO.

Sequência: Acatada

I- Introdução

Em virtude de reclamação que me foi dirigida, foi aberto na Provedoria de Justiça (Extensão da Região Autónoma dos Açores) um processo relativo ao funcionamento, na Rua …, …, em Ponta Delgada, de uma cocheira com cerca de 19 cavalos. Para além das implicações ambientais que o facto reclamado acarretava, a queixa mencionava a violação do disposto no artigo 100.º do Código de Posturas do Município. O texto da reclamação referia, ainda, que havia já sido deliberado o encerramento do estabelecimento reclamado o qual, não obstante, mantinha o seu funcionamento.

No âmbito da instrução do processo, foram solicitados a V.Exa., a coberto do ofício de 15/07/98, esclarecimentos sobre:

– A data, e o respectivo teor, da deliberação de encerramento da cocheira;
– A notificação ao proprietário;
– As medidas tomadas pela Câmara Municipal de Ponta Delgada em face do incumprimento.

Mais de três meses após ter sido expedido o meu mencionado ofício, a Câmara Municipal de Ponta Delgada respondeu (cf. ofício de 23/10/98) dizendo, em suma, que:

a) A desactivação das instalações fora deliberada em 04/08/97 ;
b)Por deliberação de 03/11/97, fora deliberado “promover contactos com a Direcção da Associação Hípica Mestre J. R. e com o proprietário do terreno onde aquela associação está actualmente instalada, com vista a ser encontrada uma localização alternativa para o referido Centro Hípico”.
Por comunicação de 13/11/98, a Provedoria de Justiça foi informada de que a cocheira reclamada “se [mantinha] em funcionamento, embora com actividade bastante reduzida”.
Verificado o incumprimento da deliberação de encerramento no prazo estipulado, este Órgão do Estado inquiriu a Câmara Municipal de Ponta Delgada (cf. ofício de 04/11/98) sobre as medidas asseguradas pela Edilidade. Em resposta, foi recebido o ofício de 27/11/98, dando conta que “(…) após notificação foram estabelecidas conversações por parte do notificado com [a] Câmara, demonstrando a impossibilidade do cumprimento da notificação efectuada por não ter uma solução alternativa para o assunto, pelo que, foi aventada a hipótese de instalar a Associação Hípica na pequena sobre de terreno municipal existente no cruzamento da Radial Pico do Funcho coma Circular de Ponta Delgada, conforme deliberação de 97/11/03, assim como a elaboração por parte da D.O.U.A. de um Estudo de Previsão de Espaços e Áreas para as Futuras Instalações daquela Associação (…)”, e que a Câmara Municipal de Ponta Delgada “continua a envidar esforços com vista a arranjar uma solução alternativa para instalação do referido Centro Hípico”.

II- Exposição de Motivos

Dos factos apurados no decurso da instrução do presente processo resulta, com alguma evidência, que a Câmara Municipal de Ponta Delgada tem promovido diligências com vista à resolução da questão reclamada. Até à data, porém, a cocheira mantém o seu funcionamento e os efeitos perniciosos, designadamente no ambiente circundante, subsistem.
Como corolário do “direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado” (cf. artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril), a Lei de Bases do Ambiente impõe a observância do princípio de Recuperação [artigo 3.º, alínea g)], nos termos do qual “devem ser tomadas medidas urgentes para limitar os processos degradativos nas áreas onde actualmente ocorrem e promover a recuperação dessas áreas”. Acresce que o artigo 48.º define a obrigatoriedade de remoção das causas da infracção, bem como a reconstituição da situação anterior.

Nos termos do disposto nas alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, é da competência da câmara municipal, no âmbito do planeamento do urbanismo e da construção, a fiscalização das construções que constituam perigo para a saúde e segurança das pessoas, e a concessão de alvarás de licença para estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos.

O Capítulo VII do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951 (epigrafado “Alojamento de animais”), regula as condições de licenciamento e funcionamento das instalações para alojamento de animais situadas em zonas urbanas. A primeira parte do corpo do artigo 115.º expressamente dispõe que “as instalações para alojamento de animais somente poderão ser consentidas nas áreas habitadas ou suas imediações quando construídas e exploradas em condições de não originarem, directa ou indirectamente, qualquer prejuízo para a salubridade e conforto das habitações”, e o § único da mesma disposição acrescenta que “as câmaras municipais poderão interditar a construção ou utilização de anexos para instalação de animais nos logradouros ou terrenos vizinhos dos prédios situados em zonas urbanas quando as condições locais de aglomeração de habitações não permitirem a exploração desses anexos sem risco para a saúde e comodidade dos habitantes”.

Nos termos do artigo 1.º das Instruções aprovadas pela Portaria n.º 6065, de 30 de Março de 1929, e do n.º 17 da Tabela Anexa ao mencionado diploma, os estábulos e as cavalariças com mais de 10 cavalos devem dispor do competente alvará de licença sanitária.

O n.º 1 do artigo 100.º do Código de Posturas Municipais proíbe a existência de cocheiras dentro do aglomerado urbano da sede do concelho. No n.º 4 da mesma disposição dispõe-se que “as infracções ao presente artigo terão, além da coima a aplicar, de serem demolidas sendo os respectivos trabalhos de demolição feitos pela câmara municipal, por conta do proprietário do prédio quando este após a devida notificação não o faça”.

O exercício das competências de polícia administrativa por parte das câmaras municipais resulta da disciplina do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951, que dispõe que “constituem contra-ordenações a violação do disposto no presente regulamento e nos regulamentos municipais neste previstos, competindo aos serviços de fiscalização da câmara municipal competente a instrução do respectivo processo (…)” (cf. artigo 161.º).

Assim, a constatação do funcionamento de uma cocheira no centro da cidade de Ponta Delgada, nas condições descritas, não pode deixar de conduzir, nos termos mencionados, à instauração de processo contra-ordenacional.
A incumbência de fiscalização do cumprimento das disposições do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e do Código de Posturas Municipais conferida, no presente caso, à Câmara Municipal de Ponta Delgada, vem acompanhada, como já referi, da competência para o processamento das contra-ordenações respectivas. E a decisão de instaurar o competente procedimento contra-ordenacional constitui, perante a verificação dos necessários pressupostos, poder vinculado da câmara municipal.

A limitação da discricionariedade não se esgota, porém, na tutela do interesse público a prosseguir, antes se estendendo a todos os demais princípios a que a acção administrativa se encontra vinculada e, em especial no caso presente, aos princípios da legalidade, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade, da colaboração da Administração com os particulares e da desburocratização e eficiência.

Assim, da conjugação das disposições dos artigos 115.º e 161.º , do Decreto n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951, bem com do artigo 100.º, do Código de Posturas Municipais, resulta que o processamento de contra-ordenação assume, na situação em apreço, carácter vinculado.
Na verdade, sendo a Câmara Municipal de Ponta Delgada competente para o processamento da respectiva contra-ordenação, e tendo comprovado a violação do disposto no artigo 115.º, do Decreto n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951, e no artigo 100.º, do Código de Posturas Municipais, não pode deixar de ser instaurado aquele procedimento. Por outro lado, a situação em causa é insusceptível de vir a ser legalizada, uma vez que é reconhecido que não é susceptível de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares, designadamente de urbanização e de salubridade (cfr. artigo 167.º, n.º 1, do Decreto n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951).

Uma vez que a legalização do estabelecimento reclamado constituiria o único meio de evitar o despejo do edifício (cf. corpo e § 1.º do artigo 168.º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas), este não pode ser evitado, por não estarem reunidas as condições urbanísticas e de salubridade. A consequência será, obrigatoriamente, o despejo do edifício, ao abrigo do disposto no artigo 168º, do Decreto n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951.
Pese embora a louvável atitude da Câmara Municipal de Ponta Delgada na colaboração empenhada na busca de uma solução alternativa para a instalação do estabelecimento reclamado, tal circunstância não pode significar o incumprimento das pertinentes disposições legais urbanísticas e de salubridade, ou o sacrifício do bem-estar e da qualidade de vida dos cidadãos afectados para além de um período razoável. Tendo a Edilidade a que V.Exa. preside conhecimento da situação em apreço desde, pelo menos, Junho de 1996 não posso deixar de considerar decorrido o prazo máximo aceitável para a resolução da questão. Acresce que a existência diligências posteriores a deliberações camarárias de encerramento não cumpridas configura, se prolongadas indefinidamente no tempo, uma situação de violação do princípio da legalidade (no sentido referido por ESTEVES DE OLIVEIRA, de “uma exigência de compatibilidade, de preferência ou prevalência de Lei”), bem como de violação do princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos. Ainda seguindo o mesmo Autor, deve ter-se presente que “quando a Administração tiver de reportar-se ao princípio da prossecução do interesse público, como parâmetro da sua actuação – ou seja, quando tal actuação não estiver vinculadamente fixada na própria Lei – a sua “liberdade” ou discricionariedade para agir nesse sentido fica limitada pelo princípio do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos, de outras pessoas com quem essa sua actuação brigue (…)”.

No caso em apreço, mais do que saber do destino a dar às instalações do Centro Hípico reclamado, importa encontrar um meio de transferir os animais e os móveis que actualmente ocupam a cocheira. No entanto, uma vez que o proprietário não deu solução, em prazo mais do que razoável, a esta questão que se lhe deparou, cabe à Câmara Municipal de Ponta Delgada encontrar, com urgência, uma solução, a qual pode passar pela entrega a outra entidade pública que disponha dos necessários meios de recolha. Em toda esta situação não pode deixar de se ter presente as ponderosas razões de interesse público – em especial, de salubridade e de saúde pública – cuja salvaguarda é visada.

II- Conclusões

Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO

Que a Câmara Municipal de Ponta Delgada ordene o despejo imediato do edifício sito na Rua M…, …, em Ponta Delgada.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL