Presidente da Câmara Municipal de Sintra

Rec. n.º 1/A/99
Processo: 4836/96
Data: 14-01-1999
Área:A 2

ASSUNTO: RESPONSABILIDADE CIVIL – AUTARQUIAS LOCAIS – MUNICÍPIO – MAU ESTADO DA VIA – DANOS PATRIMONIAIS – INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Acatada

I – Dos Factos

1. Apresentou o Senhor… neste órgão do Estado queixa contra a Câmara Municipal de Sintra, em virtude de acidente de viação ocorrido na noite de 29 para 30 de Maio de 1996, cerca das 24H00, na Rua …, Cacém.

2. O reclamante circulava na citada via, no sentido Sul-Norte, quando, pretendendo afastar-se de um buraco existente no centro da via, embateu num buraco existente junto à berma direita, no seu sentido de marcha, de que resultaram danos no veículo que conduzia, marca …, matrícula …

3. Os referidos danos foram avaliados em Esc.: 39.887$00 (trinta e nove mil oitocentos e oitenta e sete escudos), resultantes da reparação de dois pneus (substituição de lonas rebentadas), e consequente calibragem de rodas e alinhamento de direcção.

4. Alega o reclamante que o acidente supra descrito se deveu a culpa exclusiva da Câmara Municipal de Sintra, por omissão do dever de reparação e de sinalização do buraco em que caiu – já que aquele de que se desviou, ainda que não reparado, se encontrava sinalizado.

5. Comunicada a pretensão do reclamante à Câmara, veio a mesma, reafirmando a posição anteriormente exposta ao reclamante, alegar o seguinte:
a)”em fase de instrução, e de acordo com as declarações prestadas pelo declarante, foi por ele salientado que se havia apercebido da existência de uma caixa de esgoto sem tampa, assinalada de forma bem visível”, no centro da via;
b)”Pelo que, tendo-se encostado à direita da referida via, veio a cair numa sarjeta.”;
c)o reclamante agiu com culpa, pois não soube regular a velocidade da sua viatura “de modo a executar calculadamente a manobra, cuja necessidade era de prever, perante a situação com que se deparou, desviando-se então precipitadamente sobre a sarjeta sem tampa, à data, na qual caiu.”;
d)se, nos termos do art. 24.º e 131.º do Código da Estrada, “o trânsito deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas e passeios”, todavia, “devem conservar destes uma distância que permita evitar acidentes”;
e)finalmente, não se provam as causas pelas quais a sarjeta se encontrava destapada, “se devido a actos de vandalismo, se de terceiros que negligentemente aí passaram”.

II – Do Direito

6. Inexiste controvérsia sobre a verificação do facto danoso, o montante dos prejuízos, e a relação de causalidade adequada entre o facto e os danos alegados, versando a presente questão apenas sobre matéria de direito – a existência de ilícito culposo.

7. A responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais encontra-se regulada no art. 90.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (LAL), normativo lacunar que deve ser necessariamente integrado pelas normas sobre responsabilidade civil constantes do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, e do Código Civil (CC), atento o carácter unitário do instituto da responsabilidade dos poderes públicos (art. 22.º da Constituição).

8. A Câmara Municipal alega a conduta culposa do lesado, que demonstrou imperícia na execução da manobra e desatenção à via, não mantendo da berma uma distância que permitisse evitar os acidentes – comportamento contrário ao disposto no Código da Estrada, art.ºs 13.º, n.º 1, e 24.º.

9. Ora, o acidente teve como causa próxima a necessidade de desvio de um obstáculo no meio da estrada, pelo que não pode colher o argumento segundo o qual o lesado não guardou da berma a distância necessária a evitar acidentes; se tal não sucedeu, deveu-se exactamente ao facto de existir um buraco não tapado no centro da via.

E se não necessita demonstração que um obstáculo no centro da via implica necessariamente um desvio para a direita da faixa de rodagem, também não é razoavelmente previsível a existência de sarjetas sem tampa. Não é por isso minimamente razoável pretender transferir para o lesado a responsabilidade por danos que decorrem, objectivamente, da violação de deveres legais de conservação e sinalização que impendem sobre a Câmara.

10. O acidente ocorreu num arruamento do Cacém, sito em área integrada no domínio público municipal do município de Sintra, ao qual compete deliberar sobre tudo o que interessa à segurança e comodidade do trânsito nas ruas e demais lugares públicos, promovendo todas as acções necessárias à administração corrente do património municipal e à sua conservação (arts. 2º, nº 1, e 51º, n.º 4, al. d), da LAL, e art.ºs 1.º e 2.º da Lei n.º 2110, de 19 de Agosto de 1961).

11. Os locais das vias municipais que possam oferecer perigo para o trânsito, ou onde este deva ser feito com especial precaução, devem ser assinalados com placas com os sinais fixados na legislação em vigor (Ac. STA de 25/7/85, in AD, 289, p. 30), de forma a permitir aos utentes da via “tomar as precauções necessárias para evitar acidentes” (art.ºs 5.º e 6.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio – CE -, 2.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 190/94, de 18 de Julho, e 2.º do Decreto Regulamentar n.º 33/88, de 12 de Setembro).

12. Sendo certo que o ilícito se pode traduzir numa abstenção ou omissão, quando exista a obrigação de praticar o acto (art. 486.º CC), existe facto ilícito (abstenção de agir) quando se infrinjam as normas legais e regulamentares e os princípios gerais aplicáveis e ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser observadas (art. 6.º do Decreto-Lei n.º 48051), devendo a culpa dos titulares dos órgãos e agentes ser apreciada em abstracto, considerada a diligência exigível a um funcionário típico (art. 487.º do CC, por remissão do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 48051).

13. Assim, era justamente à Câmara Municipal de Sintra “(…) que incumbia o encargo ou dever especial de vigiar a eficiência das medidas preventivas dos acidentes no local, nomeadamente o dever de aí colocar obstáculos inamovíveis ou dificilmente manipuláveis e remíveis em ordem a garantir a segurança dos transeuntes e veículos” (Ac. STA de 19/11/91, AD, 364, p.485).

E não só tinha a Câmara o dever de colocar esses obstáculos, como ainda de os sinalizar, por forma bem visível, a uma distância que permitisse evitar qualquer acidente (artigo 5.º, do CE, e art. 2.º do Decreto Regulamentar n.º 33/88, de 12 de Setembro) – o que não fez.

14. Pelo exposto, encontra-se suficientemente comprovada a existência de facto ilícito omissivo imputável à Câmara Municipal de Sintra.

15. É jurisprudência pacífica e corrente nos tribunais do contencioso administrativo que a indefinição das fronteiras entre os conceitos de culpa e ilicitude neste domínio (v. definição de ilícito contida no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 48051) “leva a que, provada a ilicitude, se deva ter como provada também a culpa, salvo se o lesante alegar e provar factos que a descaracterizam” (Ac. do STA de 18/5/93, in Acórdãos Doutrinais do STA, n.º 390, p. 629, e Acs. aí citados).

Assim, considerando-se culposa a conduta comissiva ou omissiva, que não corresponde à que é esperada e exigível de um funcionário zeloso e cumpridor (vd Ac. STA de 20/10/87, BMJ, 370, p. 392, e AD, 374, p. 129), competiria à Câmara Municipal de Sintra provar factos reveladores de que inexiste a sua culpa, ou de que os danos se produziriam independentemente dessa culpa.

Ora, verificada a omissão do cumprimento dos seus deveres funcionais, sem a alegação e prova de factos justificativos, por “provada deve ter-se a culpa da Câmara lesante” (Ac. STA de 18/5/93, cit., p. 634).

16. Dada como verificada a omissão de deveres legais funcionais, sem que a Câmara Municipal de Sintra alegue e prove justificação, e considerando-se igualmente provada a sua culpa no facto de que resultaram, como consequência adequada, os danos sofridos pelo reclamante, encontram-se preenchidos os requisitos da sua responsabilidade civil extracontratual.

III – Conclusões

Pelos fundamentos expostos, Senhora Presidente da Câmara Municipal de Sintra, ao abrigo do disposto no art. 20.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO,

que assuma a Câmara Municipal de Sintra a responsabilidade pela verificação do acidente em causa, indemnizando o lesado dos prejuízos sofridos em consequência do mesmo.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL