Secretário Regional da Agricultura e Pescas

Rec. n. º 26/A/2000
Proc.:R-539/00
Data:2000-03-28
Área: Açores

ASSUNTO: FUNÇÃO PÚBLICA – CONCURSO EXTERNO – GUARDA FLORESTAL – ESTÁGIO DE INGRESSO

Sequência: Acatada

I-Introdução

Em 28/01/2000 foi aberto processo na Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores em virtude de reclamação relativa ao concurso supra identificado, cujo aviso de abertura foi publicado no JO, 2.ª série, n.º 47, de 24/11/98. Nos termos da queixa, “na prova de conhecimentos era referido que “teria carácter eliminatório, sendo excluídos todos os candidatos que obtivessem classificação inferior a 10 valores, considerando-se para esse efeito o valor mínimo de 9,5 valores”. Contudo, tal situação foi alterada por um acréscimo de 20% da media simples, à qual não havia qualquer referência na Acta nº 1nem no Jornal Oficial (…)”.
Importando, em especial, conhecer a motivação que conduzira à atribuição de um bónus de 20% à média obtida pelos concorrentes – uma vez que, alegadamente, esta deliberação do júri fora tomada em data posterior à definição do sistema de classificação final, e já no decurso do mencionado concurso -, foram solicitados esclarecimentos a coberto do ofício de 14/02/00 deste órgão do Estado.

A resposta, prestada no ofício n.º…, é aqui transcrita na íntegra:

1 – Quando o júri nomeado para o referido concurso se reuniu para efeitos de definição do sistema de classificação final e dos critérios de apreciação e ponderação a utilizar no mesmo, efectivamente não considerou a atribuição de qualquer bónus de 20% na Prova de Conhecimentos, considerando sim que, tanto esta como o Exame Psicológico teriam carácter eliminatório, conforme consta na Acta nº 1, de que se junta cópia.

2 – Para a elaboração e correcção da Prova de Conhecimentos (Prova de Língua Portuguesa + Prova de Aritmética e Geometria / 2), primeira prova realizada no concurso em causa e método de selecção com carácter eliminatório definido na alínea a) do ponto 9 do Aviso de Abertura do Concurso, foi pedida a colaboração de Direcção Regional da Educação que, por sua vez, sugeriu um contacto com a Escola Secundária Domingos Rebelo, em Ponta Delgada.
Neste sentido o júri contactou com o Conselho Directivo daquela Escola, o qual designou uma professora de Português e outra de Matemática, para elaborarem e, posteriormente, corrigirem as provas.
Quando ao júri foram entregues as provas devidamente corrigidos e valoradas, o mesmo foi confrontado com uma situação algo decepcionante, pois dos 120 candidatos que as prestaram, apenas 29 obtiveram média igual ou superior a 9,50 valores. Perante este cenário:
Considerando que foram postos a concurso 28 lugares, cujo provimento será precedido de um estágio de um ano de formação específica ministrado sob a orientação técnica da Direcção Regional dos Recursos Florestais;
Considerando que aquele n.º de lugares permite que ao referido estágio sejam admitidos 32 candidatos, por força do disposto no n.º 3 do artigo 5.º de Decreto-Lei n.º 111/98, de 24 de Abril, o que, por um lado, permitirá uma melhor avaliação técnica dos candidatos para os lugares a prover e, por outro, acarretará grandes custos para a Região com a deslocação de estagiários e monitores das outras ilhas para S. Miguel no tempo que o mesmo durar;
Considerando a grande necessidade de ocupar todas as vagas postas a concurso, dada a enorme carência de Guardas Florestais na Região, face às competências atribuídas aos Serviços Florestais com a entrada em vigor da nova Lei Orgânica de S.R.A.P.A. aprovada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 13/98/A, de 12 de Maio, (Caminhos Rurais e Florestais, Fiscalização dos Sectores da Protecção dos Arvoredos, Cinegética e Piscicultura, Viveiros Florestais, Instalação e Tratamentos de Povoamentos Florestais, Inventário Florestal, Plano de Desenvolvimento Florestal, Pastagens Baldias, etc.);
Considerando a possibilidade de, dos 29 candidatos apurados nesta primeira fase, alguns poderem vir ainda a ser eliminados no segundo método de selecção de carácter eliminatório, o Exame Psicológico, reduzindo assim e ainda mais o número de candidatos a admitir;
O júri, na intenção de prosseguir no interesse público da Região, mas não querendo no entanto desrespeitar os legítimos direitos dos candidatos, deliberou atribuir a todos os candidatos uma bonificação de 20 % na média por eles obtida na Prova de Conhecimentos, ficando assim com a possibilidade de passarem à fase seguinte (Exame Psicológico) 53 candidatos, em vez dos 29 iniciais.
Esta deliberação ficou lavrada na Acta n.º 4 do concurso, que foi mandada afixar em todos os Serviços Florestais das diferentes Ilhas, e a respectiva Lista das Classificações foi publicada em Jornal Oficial – II Série, n.º 24, de 15 de Junho de 1999, de acordo com a legislação em vigor.
Nesta fase do concurso, não recebeu o júri qualquer reclamação.

3 – Passado o prazo de reclamações e, como já se referiu, não as havendo, foram convocados todos os candidatos (53) que com a bonificação obtiveram média igual ou superior a 9,50, para a realização do Exame Psicológico, método de selecção este que foi efectuado por técnicos competentes da D.R.O.A.P..
Compareceram a este exame 52 candidatos, os quais ficaram todos apurados e cujas classificações foram arquivadas na Acta n.º 5 do concurso, tendo todos os candidatos sido individualmente notificados da classificação obtida, de acordo com o legalmente instituído, não tendo nesta fase também surgido qualquer reclamação.

4- Findo mais este prazo de reclamações, foram os 52 candidatos notificados para a realização da Entrevista Profissional de selecção, para o que o júri se deslocou às ilhas do Pico, Faial, Terceira, S. Jorge, St.ª Maria e, finalmente, S. Miguel, tendo comparecido à mesma apenas 45 dos 52 convocados.

5 – Feita ainda a Avaliação Curricular daqueles 52 candidatos, lavrou o júri a respectiva Acta, a n.º 8, na qual ficou anexo o “Projecto de Lista da Classificação Final”, do qual foi dado conhecimento individual a todos os candidatos (52), igualmente de acordo com a legislação em vigor.
Só nesta fase é que foram presentes ao júri duas reclamações, uma do candidato posicionado em 38.º lugar e a outra do posicionado no 43.º daquele projecto de lista, alegando o facto de se sentirem lesados pela atribuição da bonificação de 20% na Prova de Conhecimentos, tendo o júri justificado a sua deliberação.
Sobre estas legítimas reclamações, não podemos no entanto deixar de frisar que com a bonificação de 20% os candidatos reclamantes, por terem inicialmente obtido nota superior (9,50 um e 11,35 o outro), até partiram em vantagem para a fase seguinte (Exame Psicológico) em relação aos candidatos readmitidos. Só que, tanto no Exame Psicológico como na Entrevista Profissional de selecção os dois reclamantes obtiveram das classificações mais baixas (12,00/12,00 um e 12,00/13,00 o outro, respectivamente), o que, no cômputo geral do concurso baixou as médias finais respectivas.
De notar que também nesta fase houve mais uma reclamação dum candidato discordando das classificações que lhe foram atribuídas na Entrevista Profissional de Selecção e na Avaliação Curricular, tendo o júri também justificado a sua deliberação.

6- Concluídos por parte do júri todos os passos do mencionado concurso, foi todo o processo submetido à superior apreciação de Sua Excelência o Secretário Regional da Agricultura. Pescas e Ambiente, a quem competirá proceder à respectiva homologação, caso o entenda.
Do acima exposto e em jeito de conclusão, o júri entendeu que:
– A atribuição da majoração de 20% sobre a média da Prova de Conhecimentos veio permitir a continuação no concurso de candidatos que, de outra forma, teriam sido excluídos, mas que no entanto vieram comprovar possuir um perfil mais adequado para o exercício das funções de Guarda Florestal do que o dos candidatos reclamantes, os quais à partida até tinham vantagem classificativa para as restantes provas, havendo assim uma melhor satisfação do Interesse Público da Região;
– Não obstante as dúvidas levantadas sobre a majoração dos 20%, a verdade é que a mesma veio permitir que o curso de Guarda Florestal não ficasse incompleto (32 candidatos a admitir a estágio), o que veio satisfazer também o Interesse Público da Região,
– Finalmente, atendendo à grande expectativa que este concurso suscitou, não só para a Direcção Regional dos Recursos Florestais, mas também em todos os concorrentes, entende o júri ter agido apenas no Interesse Público da Administração Regional sem, contudo, desrespeitar os legítimos direitos dos concorrentes, lamentando no entanto que outras interpretações tenham sido ou venham a ser dadas às deliberações por ele assumidas.

Em face do que fica exposto é possível, sem mais, analisar o procedimento reclamado – a atribuição de um bónus de 20% à média obtida pelos concorrentes em data posterior à definição do sistema de classificação final, e já no decurso do mencionado concurso – facto que, como ficou demonstrado, não é contestado pelo senhor Director Regional dos Recursos Florestais.

II-Exposição de motivos

Comece-se por deixar claro que existe uma incontestada margem de imponderabilidade da actuação dos júris dos concursos. Leia-se, a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo(1) (adiante, STA) de 22/09/94 (proferido no processo nº 028708) que é suficientemente elucidativo nos seus termos: “as decisões sobre o maior ou menor mérito ou aptidão dos candidatos em concursos, seja qual for o conceito doutrinal perfilhado, discricionariedade técnica, margem de livre apreciação ou justiça administrativa – espécies do género comum discricionariedade imprópria -, não são passíveis nesse âmbito de controlo jurisdicional” uma vez que “não estando em causa propriamente os critérios definidos para a classificação dos candidatos, mas a forma como tais critérios foram concretizados, está, em princípio, vedado (…) qualquer juízo de censura”.

Também no que concerne ao Provedor de Justiça a averiguação da actuação dos júris dos concursos é limitada (embora não totalmente afastada) relativamente aos aspectos tecnicamente discricionários. Com efeito, e como tive já a oportunidade de afirmar (vide Recomendação n.º 18/A/2000 proferida em processo relativo a concursos para pessoal dirigente na Administração Regional dos Açores), a actividade do júri na apreciação dos elementos de que depende a atribuição aos concorrentes da classificação final é tecnicamente discricionária, e o júri goza de idêntico poder discricionário para determinar as provas e as suas circunstâncias, os critérios de avaliação das normas e a sua influência na classificação dos candidatos; mas, como também aí defendi, este poder atribuído ao júri – de fixação dos factores de apreciação e valoração dos candidatos – não existe para além dos critérios que legalmente estão fixados. Importa, pois, ter estes em consideração uma vez que a questão relevante será a de se saber se a actuação do júri afrontou o conteúdo dos princípios gerais que a lei impõe para o recrutamento e selecção do pessoal.

Note-se, ainda como ponto prévio, que “o acto de abertura de concurso para recrutamento e selecção na função pública não é acto constitutivo de direitos e pode ser alterado (…)”, como igualmente decidiu o STA no Acórdão de 10/12/92, proferido no processo n.º 029167; mas o mesmo Tribunal, e na mesma ocasião, afirmou que a possibilidade de alteração está condicionada à circunstância desta ocorrer “num momento em que não seja posto em causa o princípio da imparcialidade da Administração, nem se crie qualquer desigualdade entre os candidatos ao concurso”. Ou dito de outra forma: “o júri, como responsável por todas as operações do concurso, e com vista a eliminar o mais possível o subjectivismo e o arbítrio na selecção dos candidatos, goza do poder de fixar e de se auto-impor, para além daqueles a que por lei esteja vinculado, os critérios de orientação, parâmetros de referência, regras, elementos e sub-factores do factor legal e curriculum profissional, – tudo a ser exarado nas respectivas actas -, desde que respeitando sempre os limites de os mesmos não afrontarem o conteúdo dos princípios gerais e especiais impostos por lei para o recrutamento e selecção do pessoal para os lugares a prover” (Acórdão do STA, de 01/06/93, proferido no processo n.º 031360).

É pois pacífico o entendimento de que, desde que efectuado previamente ao conhecimento ou avaliação dos curricula, o estabelecimento ou a alteração pelo júri de regras de valoração de cada critério de avaliação das aptidões dos candidatos ou avaliação dos curricula não fere a igualdade de oportunidades, a objectividade de critérios nem, tão pouco, a necessária imparcialidade da actuação do júri.

Posto isto, rememore-se um pouco do regime jurídico aplicável: o Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, regula os termos do recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública, e prevê os princípios e garantias gerais a que o respectivo concurso deve obedecer. O artigo 5.º dispõe que o concurso obedece aos princípios de liberdade de candidatura, de igualdade de condições e de igualdade de oportunidades para todos os candidatos (n.º 1) e garante a estes, nos termos do n.º 2:
a)a neutralidade da composição do júri;
b)a divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar, do programa das provas de conhecimentos e do sistema de classificação final;
c)a aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação;
d)o direito de recurso.

Desenvolvendo a questão da neutralidade do júri o STA, no Acórdão de 06/10/99 (processo n.º 042394), referiu que “o princípio da imparcialidade exige que nos procedimentos relativos a concursos de pessoal na função pública, a escolha, pelo júri, dos critérios de avaliação ocorra em momento anterior ao da produção dos actos que deverão ser apreciados, devendo, pois, preceder o do conhecimento dos curricula dos candidatos”.

Está, pois, absolutamente assente(2) que o júri deve elaborar um conjunto de regras gerais de valorização dos curricula, por cada um dos factores previstos na lei – e sempre dentro destes -, antes de conhecer os curricula dos candidatos e de os apreciar.

A questão parece ser clara: se os critérios de valorização dos candidatos são elaborados (ou alterados) após a análise dos respectivos curricula qualquer definição de parâmetros viola o princípio da objectividade e da neutralidade, uma vez que o júri tem já elementos que lhe permitem saber em concreto qual o resultado da sua intervenção; e a este aspecto está indissociavelmente ligado o princípio da divulgação atempada dos métodos de selecção.

Sobre as consequências que advêm das alterações produzidas pelo júri nos critérios de classificação, o Acórdão de 18/10/94 (processo n.º 033036) é claro: “ocorrendo a alteração no momento em que o júri se aprestava a efectuar a classificação e dispunha já dos elementos curriculares individuais, a deliberação viola (…) os princípios de divulgação atempada dos métodos de selecção e de sistema de classificação e de objectividade de avaliação”; pelo que, acrescenta o mesmo Acórdão, “o acto homologatório da lista de classificação final elaborado com base na referida fórmula classificativa, enferma de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e ofensa dos invocados princípios gerais em matéria de concursos de provimento”.
Mas uma outra questão – diferente da mera alteração de critérios classificativos – deve ser suscitada na presente instrução. É que – como resulta do texto da reclamação e da resposta do senhor Director Regional dos Recursos Florestais – não estamos somente em presença de meros factos integradores do vício de desvio de poder (designadamente por a Administração ter usado os poderes discricionários para fim diverso daquele para que a lei os conferiu ou por motivos que não se coadunam com o fim visado pela lei na concessão de tais poderes) mas, o que é substancialmente diferente, os novos critérios classificativos violam directamente diversas disposições legais: os artigos 20.º, 27.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 204/98.

Rememorem-se as partes relevantes destas normas que disciplinam a matéria da publicação dos avisos de abertura:

Artigo 27.º – Aviso de abertura
1 – O concurso é aberto por aviso publicado nos termos do artigo seguinte, contendo os seguintes elementos:
(…)
f)Métodos de selecção, seu carácter eliminatório, existência de várias fases, se for o caso, referência à publicação do programa de provas, se for caso disso, e ainda sistema de classificação final a utilizar;
(…)
Artigo 28.º – Publicidade
1 -Salvo o disposto no número seguinte, o aviso de abertura é publicado no Diário da República, 2.ª série, sendo ainda publicado em órgão de imprensa de expansão nacional um anúncio contendo apenas a referência ao serviço, à categoria e ao Diário da República em que o aviso se encontra publicado.
(…)
Artigo 20.º – Provas de conhecimentos
(…)
3 – As provas de conhecimentos podem comportar mais de uma fase, podendo qualquer delas ter carácter eliminatório.
4 – A natureza, forma e duração das provas constam do aviso de abertura do concurso (…)
(…)
Uma vez que do aviso de abertura deve constar [artigo 27.º, n.º 1, alínea f)] a menção ao carácter eliminatório, ou não, da prova de conhecimentos (artigo 20.º, n.º 4), qualquer alteração – a ser admissível – deveria ter constando de novo aviso de abertura elaborado e publicado nos termos do disposto nos artigos 27.º e 28.º, acima transcritos.

Mas, o que é mais relevante e decisivo, a actuação do júri violou o disposto no artigo 36.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 204/98, que dispõe:

Artigo 36.º – Classificação final
Na classificação final é adoptada a escala de 0 a 20 valores, considerando-se não aprovados os candidatos que, nas fases ou métodos de selecção eliminatórios ou na classificação final, obtenham classificação inferior a 9,5 valores (…).
(…)
Ao alterar, no decurso do concurso e depois de ter apurado os resultados finais da prova de conhecimentos, o carácter eliminatório desta, o júri violou as regras legais reguladoras do concurso e bem assim os princípios de igualdade de condições e oportunidade, proporcionalidade, justiça, e coerência racional.
Uma vez que a actuação do júri visou – nas palavras do senhor Director Regional – a defesa do interesse público (“(…) a grande necessidade de ocupar todas as vagas postas a concurso, dada a enorme carência de Guardas Florestais na Região, face às competências atribuídas aos Serviços Florestais com a entrada em vigor da nova Lei Orgânica de S.R.A.P.A. (…)”) importa chamar a atenção para o iminente interesse público que reveste a fixação do carácter eliminatório de uma prova de selecção. É que, como refere PAULO VEIGA E MOURA(3), um dos objectivos que o legislador procurou com a institucionalização do concursos como processo normal e obrigatório de recrutamento e selecção de pessoal foi “(…) escolher, de entre o leque de candidatos, aqueles que possuam ou revelem maior capacidade e mérito para o desempenho das funções correspondentes aos lugares a preencher”.

A atribuição de carácter eliminatório a uma fase ou método de selecção não pode dissociar-se da necessidade de “recrutar os indivíduos mais apetrechados e que maiores garantias dêem de boa execução das tarefas necessárias à prossecução do interesse público”(4). A questão principal que ora nos ocupa não é já a da valoração de todos os candidatos com um bónus de 20% mas, o que é substancialmente diferente, a de permitir que através deste expediente se ultrapasse artificialmente uma fase eliminatória previamente definida. E se a urgência de contratação de guardas florestais era tão premente que justificasse o recrutamento de pessoas menos habilitadas – questão que é muitíssimo discutível em face do ainda vigente critério da permanência dos funcionários públicos que significa a sua tendencial vinculação para a vida – então esse factor deveria ter sido consagrado ab initio.

Como refere o Acórdão do STA, de 28/11/95 (processo n.º 033258), se, por um lado, “a imponderabilidade dos factores que intercedem no “julgamento” de um júri (…) incidente sobre conhecimentos científicos, técnicos, profissionais e comportamentais, situa este tipo de operações numa zona ou espaço de liberdade administrativa incompatível com qualquer tipo de controlo das decisões materiais tomadas” não deixa de existir uma possível “sindicabilidade (…) no plano formal, ou seja no respeito das normas de competência e constituição dos júris e das formas e procedimentos impostos por lei para a produção regular dos actos”. O vício verificado não é, pois, o do desvio de poder uma vez que não estávamos perante o exercício de um poder discricionário mas, diferentemente, perante uma decisão proferida no exercício de uma actividade vinculada. Assim, não tendo o júri observado os critérios legais de avaliação, selecção e classificação dos candidatos, a decisão da Administração que viesse a homologar tal classificação enfermaria de violação de lei.

Em conclusão: procede a reclamação porquanto, como é invocado pelo interessado, os critérios de avaliação adoptados pelo júri do concurso em acto procedimental do concurso, que, assim, contribuíram para a determinação do conteúdo do acto classificativo final, violaram as regras legais reguladoras do concurso e bem assim os princípios de igualdade de condições e oportunidade, proporcionalidade, justiça, e coerência racional.

Pelas razões que deixei expostas, RECOMENDO:

que não seja homologada a classificação final dos candidatos ou que, já tendo sido homologada, seja a mesma anulada;
que, em conformidade com o que aqui deixei exposto, seja reformulada a classificação final dos candidatos.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL

(1) Note-se que, não obstante os Acórdãos aqui citados partirem, nesta relevante, do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 498/88, e no artigo 16.º, alínea h), no essencial estas disposições estão agora consagradas no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e no artigo 27.º, n.º 1, alínea f) do Decreto-Lei n.º 204/98 pelo que faz ainda sentido defender que é indispensável que os avisos de abertura de concursos indiquem os métodos ou sistemas de classificação final, e que os critérios de avaliação e ponderação sejam estabelecidos antes dos mesmos serem apreciados e discutidos pelo júri.
(2) Cf, por todos, o Acórdão STA de 04/06/96, proferido no processo 029530.
(3) Função Pública – Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, 1.º Volume, Coimbra Editora, 1999, p. 85.
(4) Idem.