Secretário de Estado da Segurança Social

Rec. n.º 23/A/00
Proc.:R-4470/96
Data:2000.03.21
Área: A 3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL. PENSÃO DE VELHICE.

Sequência: Sem resposta

1. A Sra. …, beneficiária n.º …, dirigiu-me uma reclamação na qual questiona a data de início da pensão de velhice que lhe foi atribuída.

2. A situação de facto relevante resume-se, essencialmente, ao seguinte:

2.1. A beneficiária requereu, junto do Centro Regional de Segurança Social do Algarve, no dia 22 de Dezembro de 1993, o pagamento das contribuições relativas ao período compreendido entre Janeiro de 1969 e Dezembro de 1974, num total de 72 meses, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 380/89, de 27 de Outubro.

2.2. O requerimento da beneficiária foi deferido em 18 de Abril de 1994 (deferimento esse notificado através de documento datado de 26 do mesmo mês) tendo a mesma procedido ao pagamento do valor de 614 000$00 correspondente às contribuições relativas àquele período no dia 22 de Julho de 1994.

2.3. A beneficiária requereu, também, a atribuição da pensão de velhice, em 23 de Dezembro de 1993.

2.4 Em resposta a este último requerimento, o Centro Nacional de Pensões, notificou a beneficiária, através do ofício n.º …, de que, em seu nome, apenas se encontravam registadas remunerações num total de 114 meses, faltando, portanto, seis meses para o preenchimento do requisito de atribuição da pensão relativo ao prazo de garantia.

2.5. Termos em que, a beneficiária requereu, de novo, junto do Centro Regional de Segurança Social do Algarve, no dia 14 de Fevereiro de 1995, o pagamento dos seis meses que faltavam para completar aquele prazo.

2.6. Essa sua pretensão veio a ser deferida em Junho de 1997 e as contribuições relativas àquele período pagas no dia 21 do mesmo mês.

2.7. A beneficiária requereu, então, mais uma vez, a atribuição da pensão de velhice no dia 20 de Agosto de 1997, tendo esta sido deferida com efeitos a essa mesma data.

2.8. O Centro Regional de Segurança Social do Algarve dirigiu ao Centro Nacional de Pensões um ofício (cuja cópia se junta) no qual não só explicava a situação atrás referida, como assumia a responsabilidade pelos lapsos que haviam determinado a mora na atribuição da pensão de velhice à beneficiária referindo–se, nomeadamente, que:
"Em presença da reclamação apresentada, e dado que a Administração Pública não deve imputar danos aos beneficiários por erro dos serviços, foi a reclamante autorizada a pagar o tempo necessário, para preencher os condicionalismos, para atribuição da pensão de velhice."

2.9. Na sequência do recebimento daquele ofício do Centro Regional de Segurança Social do Algarve, o Centro Nacional de Pensões veio comunicar a esta Provedoria de Justiça que:
"Reanalizada a situação e dando cumprimento ao art.º 19.º do D.L. 380/89, que estabelece que as condições de atribuição da pensão só ficam reunidas, aquando da liquidação total das contribuições, procedeu-se ao pagamento da pensão a partir do pedido, uma vez que o último pagamento retroactivo de contribuições se reportou a 97/6."

3. É, pois, neste contexto que a beneficiária sustenta que a pensão lhe devia ter sido atribuída com efeitos ao dia 23 de Dezembro de 1993, data em que efectuou o primeiro requerimento para atribuição da pensão de velhice.
Isto porque, segundo ela, a mora verificada no processo tendente à atribuição da pensão de velhice que determinou que esta apenas lhe tenha sido atribuída em Agosto de 1997 resultou de factos da inteira responsabilidade da Administração Pública.

4. Com efeito, a beneficiária alega, em primeiro lugar, que o pagamento das contribuições correspondentes ao número de meses necessário ao preenchimento do prazo de garantia para atribuição da pensão de velhice, apenas não teve, desde logo, lugar no dia 24 de Julho de 1994, por força da informação deficiente que lhe foi prestada pelos serviços do Centro Regional de Segurança Social do Algarve.

5. E, em segundo lugar, alega, também, que contribuiu determinantemente para aquela mora o facto de aquele mesmo Serviço Sub-Regional, apesar de ter recebido o seu requerimento a solicitar o pagamento dos seis meses que faltavam para o preenchimento do prazo de garantia no dia 14 de Fevereiro de 1995, apenas o ter deferido em 21 de Junho de 1997, isto é, praticamente, dois anos e meio após a solicitação.

6. Os contornos que caracterizam a situação em apreço conferem-lhe, sem dúvida, alguma especialidade, não podendo, pois, ser apreciada apenas à luz do direito positivo e, muito menos, pretender-se resolvê-la através da mera invocação de uma norma legal regulamentadora de um dos muitos aspectos que integram o contexto factual em causa, como fez o Centro Nacional de Pensões.

7. Com efeito, se assim for, uma vez que está comprovada a verificação da prestação de uma informação deficiente à beneficiária (facto esse reconhecido pelo próprio Centro de Regional de Segurança Social do Algarve) bem como, uma demora inexplicável na resposta ao requerimento da beneficiária no sentido de lhe ser autorizado o pagamento dos seis meses que faltavam para o preenchimento do prazo de garantia, a questão que, desde logo, se coloca é a da própria credibilidade que os serviços da Administração Pública e o próprio Estado devem preservar face aos cidadãos.

8. Na verdade, essa credibilidade haverá que fundar-se, antes de mais, na preservação dos princípios éticos e morais que informam a nossa sociedade e definem aquele que deve ser o procedimento de uma "pessoa de bem".

9. Entre estes princípios, refira-se, o princípio da boa fé. Com efeito, conforme refere António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (1)"- o controlo, com referência a bitolas tidas por superiores, das leis, insuficientes porque humanas, é tão velho como o Direito…A lei não se confunde com o Direito. Uma dogmática jurídica, radicada na cultura que a suporte e na segurança das convicções científicas dos juristas que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solução do caso concreto, um percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador não pode corromper. A boa fé permite a consolidação dessa dogmática que, no sistema jurídico e não, apenas, na lei tenha a sua força:…".

10. Mas, relevam, também, na apreciação do caso em apreço os princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade, da justiça e da colaboração da Administração com os particulares, previstos, nos art.ºs 4.º, 5.º, 6.º e 7.º do Código do Procedimento Administrativo.

11. Ora, à luz desses princípios seria, desde logo, inaceitável que a Administração Pública não só não admitisse a responsabilidade pelos factos determinantes da mora na atribuição da pensão de velhice à beneficiária, como, também, a obrigação de a ressarcir dos prejuízos dela decorrentes.

12. Devo, aliás, significar a Vossa Excelência que a indiferença pelos direitos da beneficiária … que a decisão do Centro Nacional de Pensões denota é dificilmente compreensível num momento em que se assiste à preocupação renovada do legislador quanto ao papel do Estado e o seu relacionamento com os cidadãos, da qual a recente publicação do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, é uma clara demonstração.
Com efeito, a posição do Centro Nacional de Pensões contraria frontalmente as intenções do legislador enunciadas, desde logo, no preâmbulo desse diploma, onde, nomeadamente, se refere:
"As exigências das sociedades modernas e a afirmação de novos valores sociais têm conduzido, um pouco por todo o mundo, ao aprofundamento da complexidade das funções do Estado e à correspondente preocupação de defesa dos direitos dos cidadãos e respeito pelas suas necessidades face à Administração Pública.

A resposta pronta, correcta e com qualidade, que efective direitos e viabilize iniciativas, não se compadece com processos e métodos de trabalho anacrónicos e burocráticos, pouco próprios das modernas sociedades democráticas, que devem superar conflitos de valores da tradicional cultura administrativa, face às imposições dos actuais ritmos de vida e às aspirações cada vez mais exigentes do cidadão, cliente do serviço público.

Nesta óptica, tem o Governo vindo a desenvolver um esforço permanente de reforço das relações entre a Administração e a sociedade, aprofundando a cultura do serviço público, orientada para os cidadãos e para uma eficaz gestão pública que se paute pela eficácia, eficiência e qualidade da Administração.

Criar um modelo de Administração Pública ao serviço do desenvolvimento harmonioso do País, das necessidades da sociedade em geral e dos cidadãos e agentes económicos em particular tem sido uma das preocupações permanentes da modernização administrativa, que se vem consubstanciando pela aproximação da Administração aos utentes, pela prestação de melhores serviços, pela desburocratização de procedimentos e pelo aumento de qualidade da gestão e funcionamento do aparelho administrativo do Estado."

13. Porém, a responsabilidade da Administração Pública resulta, também, imediatamente, da lei e, nomeadamente, do disposto nos art.ºs 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967.
Com efeito, a prestação da informação errada à beneficiária configura-se como um acto ilícito, já que aquele Centro Regional de Segurança Social tinha a obrigação, de acordo com o art.º 42º da Lei de Bases da Segurança Social, de prestar à beneficiária a informação adequada.

Por outro lado, trata-se de um facto imputável àquele Centro Regional, a título de culpa, porque este, nas circunstâncias, podia e devia ter agido de modo diverso.

Finalmente, esse acto ilícito originou um dano que importa ressarcir, o qual se apresenta como resultado directo e actual do facto ilícito, isto é, existe entre ambos um nexo de causalidade.

14. Assim sendo, pode afirmar-se que se está perante uma situação em que, sem margem para dúvidas, a Administração Pública está obrigada a reparar os prejuízos causados à beneficiária.

15. Ora, a reparação, conforme resulta do art.º 566, n.º 1 do Código Civil, deve, em regra, passar pela reconstituição natural, sendo que, apenas nas situações em que ela não seja possível, ou em que não repare integralmente os danos ou, finalmente, em que seja excessivamente onerosa para o devedor se recorrerá à execução não específica, por sucedâneo pecuniário (Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, III-815).

16. Na verdade, a reconstituição natural é possível neste caso, bastando para tal considerar que o pagamento do total das contribuições necessário ao preenchimento do prazo de garantia foi feito na data em que a beneficiária efectuou o pagamento inicial, de acordo com a informação prestada pelos serviços do Centro Regional de Segurança Social do Algarve.

E, nesse pressuposto, atento o disposto no art.º 19.º do D.L. 380/89, considerar como a data do início da pensão de velhice o dia 22 de Julho de 1994.

17. A presente situação apresenta, no entanto, também quanto a este aspecto, alguma especialidade, resultando esta do facto de o órgão que é imediatamente responsável pelos factos que determinaram a mora na atribuição da pensão de velhice não ser o órgão que, atentas as respectivas competências, pode promover a reconstituição natural da situação.

18. Refira-se, no entanto, que, em parte, essa solução foi já parcialmente encetada já que o Centro Regional de Segurança Social do Algarve, ao autorizar o pagamento dos seis meses de contribuições em falta para o preenchimento do requisito relativo ao prazo de garantia, mais não fez do que, na medida em que lhe era possível, proceder a essa reconstituição.

19. Cumpre, aliás, referir a este propósito que, apesar de tudo, não pode deixar de louvar-se a atitude daquele Centro Regional pelo facto de não só admitir os erros cometidos pelos seus serviços e reparar, na medida do possível, os prejuízos deles resultantes, como, também, diligenciar, activamente, junto do Centro Nacional de Pensões para na respectiva decisão relativa à atribuição da pensão fossem tidas em conta as circunstâncias que caracterizavam a situação em apreço.

20. É, aliás, a circunstância atrás referida, da qual resulta a necessidade de se verificar uma actuação coordenada das duas instituições em causa, o Centro Regional de Segurança Social do Algarve e o Centro Nacional de Pensões, que me levou a dirigir-me, desde logo, a Vossa Excelência.

Em face do exposto, RECOMENDO
a Vossa Excelência que transmita àquelas instituições as competentes orientações no sentido de promover a revisão do processo de atribuição da pensão de velhice à beneficiária por forma a que o respectivo início seja reportado ao dia 22 de Julho de 1994.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
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(1) Da boa-fé no direito civil, volume I, pag. 47.