Presidente da Câmara Municipal do Porto

Rec. n.º 17/A/00
Proc.R-25/98
2000.02.29
Área: A 1

Assunto: URBANISMO E HABITAÇÃO. DOMÍNIO PÚBLICO. BENFEITORIAS EFECTUADAS POR PARTICULAR. INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Acatada

I- Dos factos

1.O condomínio constituído no prédio sito na Rua …, nessa cidade, requereu a minha intervenção, arguindo que o município portuense se comprometera a levar a cabo obras de pavimentação em parcela de terreno preteritamente cedida ao domínio público municipal, com uma área de 775 m2, sem jamais ter vindo a cumprir tal obrigação.

2.Mau grado as diligências promovidas por parte dos condóminos entre 1975 e 1988, a referida parcela manteve-se em abandono sem qualquer intervenção municipal. Por sua conta, mandaram proceder à pavimentação do local em três faixas de paralelepípedos de granito e ao ajardinamento da parte sobrante.

3.Desde então, o condomínio vem custeando as despesas de manutenção do local, sem porém dispor de título que os habilite ao uso privativo para estacionamento das suas viaturas.

4.Por isso, afirmam ter interesse em ver licenciado o uso privativo desta mesma parcela, uma vez que as dificuldades com que se confrontam no estacionamento seriam, deste modo, reduzidas.

5.Contudo, ao que indicam, não terá a Câmara Municipal do Porto adoptado decisão sobre a sua pretensão, exposta em Agosto de 1995, com vista a reservar o local para estacionamento por parte dos residentes.

6.Instado o Gabinete do antecessor de V.Exa. a prestar esclarecimentos sobre este assunto, viria a confirmar a assunção do aludido compromisso(1), constante do auto de delimitação n.º 19/75, de 19 de Setembro, sublinhando embora o termo incerto para o cumprimento de tal obrigação.

7.Quanto ao requerimento citado (supra 5.), foi ordenado o seu arquivamento por despacho que jamais terá sido notificado aos munícipes interessados(2). E este arquivamento, terá tido por fundamento, segundo reconheceu a Câmara Municipal do Porto na já referida resposta à Provedoria de Justiça (supra, 6.), não qualquer motivo dirimente, pois se admite que o uso pretendido “é passível de autorização caso este seja objecto de solicitação expressa, implicando o pagamento das taxas respectivas, em consonância com a tabela em vigor”.

8.Posteriormente, por telecópia recebida em 23.06.1998, veio a Divisão Municipal de Trânsito informar, no mesmo sentido, que o uso privativo não estaria afastado a priori, desde que viessem a ser liquidadas as taxas fixadas no Edital n.º 6/87. Acrescentaria a disponibilidade municipal para a conservação do local, apelando à colaboração dos munícipes, os quais sempre poderiam transmitir à Câmara Municipal as necessidades nesse domínio.

9.Instado o município a esclarecer complementarmente(3) se o município se disporia a ressarcir os reclamantes pelas benfeitorias realizadas e a suportar as despesas com a manutenção da parcela, viria a ser respondido(4) pelo Gabinete do antecessor de V.Exa. que os melhoramentos se mostravam à margem das soluções técnicas mais convenientes e que, por outro lado, teriam sido levados a cabo ao arrepio de autorização municipal.

II- Do direito

10. Apreciando a relação controvertida dos reclamantes com o município do Porto, devo concluir que aqueles têm razões do seu lado que não deve o município descurar, sob pena de agir em contravenção aos princípios da justiça e da colaboração da Administração com os particulares (art.ºs 6.º e 7.º do Código do Procedimento Administrativo)e, porventura, ao princípio da boa-fé (art.º 6.º-A, idem).

11.Em primeiro lugar, é preciso não perder de vista que o condomínio do prédio identificado é credor do município no cumprimento de uma obrigação por este assumida válida e livremente quando lhe viu cedida uma parcela de terreno adjacente ao prédio e a afectou ao domínio público.

12.Apesar de o condomínio não ter lançado mão da interpelação do devedor para cumprir (art.ºs 804.º e 805.º do Código Civil), o certo é que o município do Porto dispôs de cerca de 13 anos para providenciar pelo cumprimento da obrigação.

13.Ao fim destes 13 anos, e confrontados com o abandono da parcela cedida ao domínio público municipal, não posso censurar a conduta dos condóminos que, por sua conta, pavimentaram e ajardinaram o local, contribuindo assim para a regular prossecução do interesse público.

14.Afirma o município que esta operação não foi precedida da apresentação de estudo prévio, nem tão pouco foi autorizada pela Câmara Municipal, mas nada impediu, desde 1988 até ao presente momento que o órgão autárquico presidido por V.Exa. corrigisse as deficiências que aponta à solução executada pelos reclamantes, cumprindo, do mesmo passo, a obrigação à qual se adstringiu em 1975.

15.Os reclamantes não têm qualquer direito originário ou derivado de uso privativo sobre a parcela e ainda que venham a obter licença, esta será sempre precária, como é próprio da natureza jurídica destes actos(5). Vejo, no entanto, que o município parece não encontrar objecções de fundo ao uso privativo pretendido pelo condomínio reclamante. Não o deferiu por este não ter cumprido as formalidades procedimentais, requerendo expressamente a licença.

16.A exposição apresentada em Agosto de 1995 e o requerimento n.º 773/98, apresentado posteriormente, se não cumpriam as pertinentes exigências de forma, bem poderiam ter dado lugar ao convite para suprir deficiências, tal como se prevê no art.º 76.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

17.Devo concluir, pois, não ter a Câmara Municipal do Porto usado da diligência que deve ser impressa aos actos de gestão municipal, concedendo aos munícipes, ora reclamantes, um tratamento pouco consentâneo com o princípio citado da colaboração.

18.Este facto parece-me agravado pela circunstância de os administrados estarem investidos no crédito de uma obrigação cujo cumprimento o município vem protelando sem razão bastante.

III- Conclusão

19.Entendo que o município do Porto deverá providenciar por ultrapassar com a maior brevidade esta situação. E isto por motivos de vária ordem: em primeiro lugar, a prossecução do interesse público, instando a uma adequada gestão dos bens que integram o domínio público municipal; em segundo lugar, o cumprimento de uma obrigação decorrente de um contrato celebrado com o cedente da parcela; em terceiro lugar, o tratamento a conceder aos administrados, o qual deverá procurar esforçar-se por atender as suas pretensões quando legítimas.

20.Assim, vistos os factos recenseados, creio dever o condomínio reclamante ser, de algum modo, compensado pela situação criada e em cujos antecedentes não encontro sinal para reprovar a sua conduta.

Face ao atrás exposto, RECOMENDO

Ao Município do Porto, através de V. Ex.ª, que providencie por:
1) convidar o condomínio, ora reclamante, a aperfeiçoar o requerimento com vista à emissão de licença de uso privativo para a parcela de terreno cedida conforme consta do auto de delimitação n.º 19/75, de 19 de Setembro;
2) ponderar a dispensa do pagamento da taxa que seria de liquidar por conta do uso privativo, de modo a compensar as benfeitorias operadas; ou,
3) ressarcir o condomínio pelas despesas com as benfeitorias executadas, se entender remover a pavimentação existente e se realizar, por sua conta, uma nova pavimentação que se revele mais adequada do ponto de vista técnico.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
___________________________________
(1) Of. de 19 MAIO 1998.
(2) Muito embora, ulteriormente, venha a Câmara Municipal do Porto facultar cópia de um ofício de 15.04.1998, dirigido à administração do condomínio, em cujo teor se aponta para a necessidade de cumprir o disposto no Edital n.º 6/87.
(3) Of. de 16.07.1998.
(4) Of. de 7.10.1998.
(5) Cfr. Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, aplicável por analogia aos demais bens do domínio público.